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“A Democracia está a ser brutalmente posta em causa”

10 Março 2024
Luís Vieira Cruz

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Luís Vieira Cruz

10 Mar, 2024

O Salão Nobre do edifício dos Gorjões encheu no passado dia 16 de fevereiro para aquela que viria a ser a primeira data de um Ciclo de Mesas Redondas alusivas aos “3 D” de Abril de 1974: Democratizar, Desenvolver e Descolonizar. A abrilhantar a noite como cabeça de cartaz esteve a diplomata, jurista, ex-candidata à presidência da República e eurodeputada com raízes na Mendiga Ana Gomes, ladeada pelo capitão de Abril e ex-autarca de Grândola Carlos Beato e também pela presidente da Assembleia da Freguesia de Mira de Aire e deputada municipal Cristina Vilaverde.

A abrir as hostes esteve o presidente do Município, Jorge Vala, que numa breve introdução justificou a opção de fazer dos Gorjões palco desta iniciativa, por se tratar de um edifício histórico que, durante largos anos, foi também ele parte do centro da vila. Antes de passar a palavra aos conferencistas, o autarca vincou a necessidade «fundamental» de se continuar «a falar do que aconteceu há 50 anos», por considerar que «a Liberdade conquistou-se», mas pode perder-se.

Chamada em primeiro lugar a intervir pelo moderador do painel “Que futuro para a democracia portuguesa?”, Ana Gomes considerou que «não é só em Portugal que há ameaças à Democracia», alertando que este modelo «está a ser brutalmente posto em causa e nada é mais flagrante do que o que se passa na Ucrânia e em Gaza».

Interpelado, de seguida, sobre a frase “o 25 de Abril valeu a pena”, chavão que recorrentemente utiliza na hora de recordar a Revolução dos Cravos, Carlos Beato invocou a sua natureza revolucionária para se esquivar da questão de Francisco Pedro e, numa primeira instância, optou por dedicar ternas palavras ao trabalho desenvolvido por Ana Gomes em Timor-Leste, atitude que mereceu um forte aplauso. De seguida, o capitão de Abril enveredou por um longo mas cativante discurso para recordar o seu percurso militar, a relação de amizade com Salgueiro Maia e grande parte dos preparativos que levaram àquele dia que ditou o fim da Ditadura.

Para fechar a primeira ronda, Cristina Vilaverde foi desafiada a abordar a temática da luta pela igualdade de género, tempo que aproveitou para reconhecer que a paridade [em relação às quotas] «é um mal necessário». Na ótica da mirense, «esta é uma questão importante e tem havido uma evolução muito grande» já que, hoje em dia, «vemos cada vez mais mulheres em cargos executivos, na política e na investigação», mas continua «a haver um grande desfasamento, pelo que ainda há um caminho grande a percorrer».

Concordando com Vilaverde, Ana Gomes recorreu depois a uma série de exemplos comparativos sobre o pré e o pós-25 de Abril: «o percurso que fizemos nestes anos foi extraordinário, a taxa de analfabetismo superava, por exemplo, nas mulheres, os 30%, e em 2021 tinha descido para os 3,9%». Na Saúde, a diplomata lembrou que «antes do 25 de Abril só as grandes cidades tinham hospitais e as famílias tinham que recorrer a médicos particulares». «Agora queixamo-nos que faltam médicos de família, mas naquela altura eram muitos mais os portugueses que não os tinham», complementou. Sustentando também o seu discurso com outros dados estatísticos, Ana Gomes assinalou que em 1970 havia 55,5 mortes a cada 1 000 partos, enquanto que em 2022 Portugal havia baixado para apenas 2,6%. Em termos de água canalizada, exemplificou ainda, eram 40% os portugueses que não tinham acesso à rede pública. No período de Democracia são já 96% as casas com água canalizada. Já no campo dos Direitos Humanos e, no caso, infantis, Ana Gomes recordou a vitória que foi tirar as crianças das fábricas e garantir-lhes estudos: «Não foi uma luta fácil, mas fez-se, vencemos», exclamou.

“Aqui, o crime compensa”

Amplamente conhecida pelos seus ideais anti-corrupção, Ana Gomes disse ainda não achar que Portugal seja mais corrupto que Suíça ou Espanha. A questão, apontou, é que «a justiça lá fora funciona e aqui não. Aqui, o crime compensa». Questionada sobre medidas que impeçam o enriquecimento injustificado, a jurista manifestou-se, sem surpresa, a favor, mas lamentou que a lei portuguesa, que acredita ser suficiente para travar essa problemática, não seja bem aplicada: «Se os nossos mecanismos fossem aplicados, serviam. O problema é que não são e eles ficam-se a rir».

“O 25 de Abril valeu a pena, mas…”

Tomando novamente a palavra, Carlos Beato mencionou as “n” palestras que tem dado em universidades perante auditórios repletos de juventude para chegar a um ponto fulcral na sua intervenção: «Eu falo sempre do que vivi, nunca do que não vivi. Isto porque não me passa pela cabeça reescrever a história, mas infelizmente, passados 50 anos, há ainda [quem tenha] tentações dessas». Fruto deste lamento, recordou que «o 25 de Abril valeu a pena, mas nem tudo foi perfeito». Contudo, confessa o militar, «isso também faz parte da ideia da perfeição», pelo que desafiou a plateia dos Gorjões a levar esta mesma mensagem a filhos e netos, sustentando o argumento de que «estas datas são importantes, mas é preciso que tenhamos a arte e o engenho de as mantermos vivas».

“Temos que transmitir aquilo que é nosso”

Terminada a segunda e última ronda antes do período de abertura de questões ao público e posterior encerramento, Cristina Vilaverde foi desafiada a comentar os desafios e os perigos associados à polaridade política e social que se vive atualmente em toda a Europa. Para a advogada de profissão, essa polaridade «pode pôr em perigo a Liberdade» porque há «uma diversidade grande de ideologias, posturas, formas de estar e de culturas». «Temos que transmitir aquilo que é nosso. Nós também fomos para fora e mantivemos a nossa cultura e os nossos hábitos ao mesmo tempo que nos adaptámos. E os que vêm, temos que os integrar e tentar, de alguma forma, controlar esse avanço para que não haja uma rutura em termos de liberdade, cultura e segurança», defendeu.

A próxima mesa redonda está agendada para o dia 15 de março, terá como tema o segundo D de Abril, Desenvolver, e será coordenada pelo presidente da Fundação da Batalha de Aljubarrota, António Ramalho.

Quanto à mesa alusiva à temática da Descolonização, Jorge Vala adiantou ainda que será debatida a 12 de abril com o presidente da Comissão de Honra dos 50 anos do 25 de Abril e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Luís Amado.

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