Apesar de amplamente «estudado, percebido e compreendido» pelos académicos, o 25 de Abril [e a descolonização] é ainda hoje «um território estrangeiro para 70 a 80% da população portuguesa» afirmou António Costa Pinto, no arranque da conferência A Guerra Colonial em Contexto Internacional e o Fim do Regime, na Central das Artes, em Porto de Mós, no âmbito do ciclo de conferências com que o Município iniciou as comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos. «Estamos a falar de Portugal mas, para muitos, é como se fosse outro país», reforçou o investigador.
O país está em paz com a descolonização
Costa Pinto começou por afirmar que «a Democracia portuguesa ajustou contas, bem ou mal, com o passado autoritário português», no entanto, «não tocou muito no tema da descolonização, em parte por uma razão irónica: os autores do 25 de Abril foram os militares que fizeram a guerra colonial».
Olhando para a realidade internacional, o académico destacou o facto de que ao contrário do que acontece com outros países, em Portugal o passado colonialista está assumido, aceite e apaziguado. «Houve a vandalização de uma estátua do Padre António Vieira e a polémica sobre alguns símbolos da expansão portuguesa» mas são «exemplo menor» de um “ajuste de contas” com o passado, que por cá está longe do radicalismo de outras paragens, e que «tem pouco a ver com o passado e muito mais a ver com o presente das sociedades contemporâneas», destacou.
Na conferência proferida a 29 de setembro último, o especialista explicou que «o regime autoritário tardio» adotou e conseguiu fazer vingar a ideia, defendida pelo sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, em 1940, de que os portugueses têm uma especial capacidade para se relacionarem com os povos dos trópicos não por interesse político ou económico mas por uma empatia nata para com outras culturas. Nessa perspetiva, o colonialismo tardio português teria sido diferente de todos os outros, convicção que de algum modo se manteve já no Portugal democrático, afirmou o historiador.
“A grande preocupação de Salazar eram as colónias”
«A história do século XX» foi dominada pela questão do colonialismo e este foi elemento fundamental da política externa do Estado Novo. «Salazar desde 1945 não se preocupou com outra coisa [que não fosse o colonialismo] e fê-lo mais por crença ideológica que por uma relação pragmática de exploração» dos territórios, justificou.
«Ironicamente», realçou, «a guerra colonial travada em três frentes e que exigiu um esforço brutal a um regime político periférico e pouco desenvolvido, para conseguir armamento e posicionamento administrativo e estratégico para resistir à descolonização, acontece na década em que Portugal deixa de depender economicamente do sistema colonial». «Em 1962, Portugal, economicamente, não precisava das colónias para nada. Os grandes elementos de desenvolvimento e crescimento económico nesse período remetem para a Europa, para a emigração, para o investimento europeu em Portugal e para as consequências da adesão do país à Associação Europeia de Comércio Livre», adiantou.
Outra ideia que vingou, desta vez por “mérito” da oposição a Salazar era a de que «Portugal estava muito isolado no contexto internacional», no entanto, Costa Pinto defendeu que isso não correspondia bem à verdade porque «a ditadura conseguiu, na maior parte dos casos, dos seus aliados europeus, o material militar para desenvolver as guerras coloniais. O único que oscilou no apoio foi a potência dominante, os Estados Unidos».
«Em 1961, Salazar além de ter resistido ao único golpe de Estado que o podia ter feito cair consegue «um feito que não é de somenos: nos anos seguintes, por um período de 14 anos, desenvolve uma guerra em três frentes e encontra o fundamental do material militar ao mesmo tempo que vê a economia a crescer 7, 8, 9, 10% ao ano, o que faz com que haja fundos para desenvolver a guerra», frisou.
“Derrota iminente na guerra era um mito”
Segundo António Costa Pinto, os regimes políticos criam mitos e um dos associados à guerra colonial era que de que a derrota estava iminente. «Para parte da elite democrática, Portugal estava sempre a ter derrotas, mas não estava nada. O regime autoritário estava longe disso, poderia resistir mais alguns anos apesar de, como o demonstra a História, as guerras coloniais serem guerras perdidas», frisou, lembrando que «em 1970 Portugal era o único país europeu a resistir à descolonização».
Nesta guerra, o «Vietname português foi a Guiné-Bissau, uma colónia sem qualquer interesse de natureza económica ou estratégica mas, apenas, ideológica (com base numa ideia que funde autoritarismo com integrismo, ou seja, não há cedências) mas onde uma elite de militares dirigida por cabo-verdianos colocou sérios problemas ao exército colonial português.
“Antigo colonizador e independentistas tornam-se amigos”
Uma das principais particularidades da descolonização portuguesa é que «decorreu em simultâneo com a democratização». Uma influenciou e foi influenciada pela outra e ambas resultaram «num sucesso». Em 1975, Portugal conhece «uma descolonização por transferência imediata de poderes» e dá-se o fenómeno raro de «colonizador e movimentos independentistas serem, nessa altura, amigos», o que facilitou muito as negociações. A transição decorreu sem grandes problemas, no entanto, «boa parte da crise pós-25 de Abril e a institucionalização do MFA remete para as tensões no interior dos militares sobre a descolonização e os grande conflitos entre o general Spínola e o MFA têm a sua principal base nessa questão», sublinhou.
Entre as ironias da história evocadas está a do grande motivo ideológico do colonialismo português no âmbito da Guerra Fria ter sido não apenas a descolonização mas [a luta contra] o comunismo e, no final, com a descolonização, Portugal acabar por ser «o país que ofereceu a África o conjunto mais significativo dos regimes socialistas».
“Poder democrático podia ter assumido outra postura”
Já quase a terminar, Costa Pinto considerou que na questão dos colonos brancos, bem como dos africanos com ligação a Portugal, o poder democrático podia ter tido uma melhor postura e assumido maiores responsabilidades: «Portugal saiu rapidamente, mas não deu direitos de cidadania a quem a gostaria de ter por temer uma emigração muito para além do que estava interessado em ter» e deixou à sua sorte os militares de origem africana que tinham servido nas suas fileiras o que levou a que só na Guiné-Bissau tenham sido «fuzilados cerca de 300 comandos».
Relativamente aos retornados, segundo este, «todos os estudos apontam para que tenha sido um fenómeno relativamente amortizado em parte pela emigração direta para a África do Sul, para o Brasil e para outros países da América Latina. Portanto, só cerca meio milhão é que veio para Portugal». «Independentemente das dimensões traumáticas, psicológicas, de propriedade e de riqueza», no entender do investigador, esta é uma história de relativo sucesso porque a democracia soube dar apoio económico e social aos que vieram, a integração foi muito significativa e o impacto para a economia foi bom até porque as comunidades retornadas tinham uma dinâmica económica muito maior que os mesmos segmentos da sociedade portuguesa».
Em jeito de resumo e a terminar a sua intervenção, António Costa Pinto recordou que ao contrário de algumas potências coloniais, Portugal «não teve capacidade, quer militar, quer negocial, para impor o tipo de sistema e de sociedade» que passaria a vigorar após a sua saída. Optou por uma rápida transferência de poderes e, numa estratégia que tem sido seguida até hoje, procurou estabelecer e manter estreitos laços de amizade com as suas antigas colónias.
Foto| Isidro Bento