Chegou de Cabo Verde há vários anos, tem um grupo de amigos coeso e é “o rei da festa” em qualquer ambiente e, por isso, caí no erro – grande erro – de lhe perguntar: Ainda sentes racismo em Portugal? Ele riu-se (ironicamente, claro) e com razão. Estaria eu muito alheada do mundo se eu não soubesse a resposta a esta pergunta. O meu privilégio não me tolda a mente, embora o tenha feito momentaneamente. Eu sei que a sua pele o faz sentir na pele, todos os dias, o preconceito. Eu sei que a sua pele lhe retira, à partida, oportunidades. Sei que a sua pele o faz partir em desvantagem face a um tom mais claro. Porque, pasmem-se alguns: Portugal é um país racista.
A pele, que se arranha, sangra, a pele que tem as marcas da nossa vida, a pele que tem o nosso cheiro, a pele que transpira, a pele que nos protege, a pele que se arrepia. A pele é pele, seja qual for a paleta de cores. O que a pele não faz, e muitos se esquecem, é mudar-nos a alma. Isso, garanto-vos, não há melanina que mude. Somos mais ou menos teimosos. Somos mais ou menos empáticos. Somos mais ou menos sorridentes. Somos mais ou menos afetuosos. Mas o que somos, mais ou menos, não é a cor da pele que define.
Apesar deste texto ser escrito numa altura em que o racismo – face a uma situação concreta – muito tem sido discutido, este não é um texto para tomar um partido. Quando há violência, há muitas vezes razões de parte a parte. A questão que surgiu a partir do que se passa em vários bairros em Lisboa é que me inquieta. Façam estas perguntas a vocês mesmos: Nunca foram ou conviveram com uma situação evidente de racismo? Nunca repararam na desigualdade em cargos/certos ramos do mercado de trabalho? Acreditam que conseguir arrendar uma casa é igual para todos? Porque darmos razão a um ou outro lado, não apaga as respostas a estas questões.
Imaginem nascer no seio de uma família onde se tem o amor de uma mãe e de um pai, sentir que esse amor nos protege de tudo e depois, sem que saibamos bem o porquê, somos excluídos e marginalizados no recreio da escola (e infelizmente, também sala de aula). Perguntamos porquê: «Porque és diferente de nós». A resposta a esta questão, quero fazê-la através da letra da música Esquinas de Dino d’Santiago (com a colaboração de Slow J): «Nas curvas do bairro/ Aqui toda a gente sente/ Terra não é só lugar onde se nasceu/É também o chão que trazemos na mente/ Aqui toda gente é parente/ Mesmo quando se nasceu d’outro ventre/ Chamamos mãe ao mesmo continente». Porque, como diz o cantor: «Nossos corpos também são Pátria». Somos todos Pátria.