O sonho, que é também «uma promessa feita a Deus», já tem várias décadas e por três vezes esteve perto de ser realizado mas a vida e os homens encarregaram-se de o adiar. A última foi há escassas semanas e deixou António Rino triste e bastante desanimado «não com Deus e com a fé» que professa desde que se conhece como gente, e que se mantém inabalável, mas com a Igreja enquanto instituição e com quem a representa junto da comunidade.
António Rino esteve emigrado nos Estados Unidos e aí montou um negócio de jardinagem. Nos tempos áureos a sua empresa chegou a ter 299 jardins para cuidar por semana. Ganhou bom dinheiro que depois veio a perder «por culpa de um contabilista americano». Essa foi a primeira vez em que achou que estava em condições de realizar o sonho e cumprir a promessa nunca confessada a terceiros: construir uma capela em São Jorge.
Regressou a Portugal, fez vários negócios que lhe correram bem e quando pensava que dessa vez é que o projeto seria uma realidade, um revés na vida familiar levou a que mais uma vez ficasse sem dinheiro suficiente para se lançar nessa empreitada. Agora, passados vários anos, e reunidas as condições financeiras para avançar, já com um terreno comprado e com muitos apoios prometidos «por parte de familiares e amigos», o “não” perentório e «brusco» do pároco local fez, mais uma vez, o sonho cair por terra.
“Estava tudo desertinho por uma capela nova”
«Não deixarem uma pessoa lutar por Deus e pela religião católica, para ver se o povo não esquece que temos um Deus que nos governa? Anda uma pessoa a lutar por isso e eles ainda cortam? Mas o que é isto?», questiona, revoltado.
De acordo com o antigo empresário, fez três contactos com o responsável pela Paróquia da Calvaria (a que pertence São Jorge), Pe. José Henrique Pedrosa para lhe falar do seu desejo em oferecer à terra uma capela nova uma vez que aquela já não seria de utilização livre por parte do povo nem teria as condições necessárias, nomeadamente, espaço para estacionamento, mas o sacerdote nunca se terá mostrado favorável.
«Na primeira vez disse que vão voltar para a capela atual, a senhora que era a “guarda” e a bilha da água. Na segunda, afirmou que não dava o aval mas também não proibiu. Quando fui lá a terceira, e desta vez acompanhado pelo arquiteto que iria fazer o projeto e com a esposa deste (e numa altura que já tinha terrenos com escritura feita), o padre respondeu, com maus modos, que quem manda é ele e que a capela não se faz e que se a fizesse nunca haveria lá missa e se teimasse em fazer teria de a entregar à Diocese porque eles é que mandam e é que saberiam o destino que lhe haviam de dar. Eu respondi: «a igreja é feita pelo povo, portanto, é para o povo», conta com mágoa.
Obra orçada em 370 mil euros
António Rino afirma que além do terreno tem disponíveis cerca de metade dos cerca de 370 mil euros que, segundo cálculos seus, seriam necessários para construir a capela. A restante verba seria angariada junto da população. Ainda antes de avançar contava já com o apoio de mais de uma dezena de empresários e filhos da terra «que se mostraram muito recetivos e prometeram ajudar com a oferta de boa parte dos materiais».
«Eu estava todo entusiasmado e eles também, inclusive, falei com o presidente da Câmara que gostou da ideia e tenho a certeza que iria ajudar. Está tudo desertinho por uma capela nova porque a que temos não está a funcionar em condições, não tem estacionamento e não se podem lá realizar festas, mas não a deixam fazer», diz desalentado. «Não se faz mas vou mandar vedar o terreno e há-de lá ficar uma cruz ou outra coisa qualquer onde se diga porque é que não a deixaram fazer ali», reforça ainda.
De acordo com António Rino, a capela seria construída no Carqueijal mas o projeto não se ficava por um novo espaço de oração: «Como eu tinha parte do dinheiro e me ofereciam os materiais, a ajuda principal da população seria para se poder construir lá um pavilhão para as festas em honra de São Jorge e de Santa Maria e com isso arranjar dinheiro para alimentar a própria capela», justifica, acrescentando que já tinha um terreno “apalavrado” para depois se abrir uma avenida de acesso, trabalho que, acredita, o presidente da Câmara mandaria fazer de bom grado.
Questionado sobre se a população estaria de acordo e se seria um desejo efetivamente coletivo, António Rino afirma que sim, reconhecendo, contudo, que «há sempre quem não concorde». Contas feitas por alto, acredita que 90% dos moradores estão consigo nesta ambição antiga e estariam também a seu lado para ajudar caso o projeto saísse do papel como há décadas é seu anseio.
“Nova capela podia separar em vez de juntar”
Contactado pelo nosso jornal, o responsável pela Paróquia disse ter conhecimento da «muita vontade do senhor António em fazer uma capela noutro lugar porque acha que a atual já não é da terra mas do CIBA (Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota)». «O que lhe disse é que não me parece que neste momento seja oportuno porque com a realidade do que é a comunidade em si, estar a construir um espaço novo, em vez de congregar as pessoas poderia ter o efeito contrário», diz.
«Agora que já não faltará muito para se conhecer o Plano de Pormenor que ditará o futuro de São Jorge, e numa altura em que a capela passou para a posse da Câmara, interessa ver o que aí vem e perceber se a autarquia quer investir na recuperação da capela», defende o pároco.
Para o padre José Henrique Pedrosa, «o que é importante percebermos é que além de ser um património da comunidade, tem também um valor patrimonial e histórico para a realidade nacional e deixá-la sem aquilo que é a sua função própria de lugar de culto, que foi pensado por D. Nuno Álvares Pereira, para espaço de oração, louvor e agradecimento, é fazer com que seja um espaço sem vida».
Assim, construir uma nova no seio de uma comunidade algo dispersa em termos geográficos e que foi perdendo população ao longo dos anos por força das restrições à construção, em vez de unir, acredita, poderá contribuir para um maior afastamento entre todos. Pela importância que tem para as gentes de São Jorge, acredita que a centenária capela «deve continuar a ser a grande referência local» e polo aglutinador.
«Quem quer construir é livre de o fazer mas se for uma capela aberta à comunidade é preciso ter autorização da Diocese e que a nível local essa obra seja compreendida como uma necessidade e haja o envolvimento das pessoas, portanto, que a comunidade queira e sinta a necessidade de ter um outro espaço», esclarece o responsável paroquial.
Olhando para a realidade atual, não lhe parece que esteja cumprido, pelo menos, um dos pressupostos: «É apenas um pequeno grupo que está a pensar nessa possibilidade e não há propriamente o envolvimento de toda a comunidade. Eventualmente, numa outra circunstância, num outro momento, pudesse ser oportuno. Dadas as circunstâncias atuais, não me parece que o seja», sublinha.
José Henrique Pedrosa, adianta que «a capela é usada regularmente como espaço de celebração da comunidade de São Jorge. Há lá missa todos os sábados e ali são celebrados também funerais, batismos, casamentos e atividades da catequese. É lá o espaço de referência da comunidade» e nada impede em termos físicos que as pessoas o frequentem, defende.
Construir a pensar num sítio para realizar a festa anual é outro argumento que o padre não valoriza: «Pelo que sei (uma vez que foi antes de eu chegar) a festa deixou de ser feita por motivos que nada têm a ver com a falta de espaço ou de estacionamento. De qualquer forma, ainda há pouco tempo o novo diretor do CIBA me garantiu que se precisarmos de utilizar o espaço, estão disponíveis para isso. Portanto, a festa poderá voltar a ser feita naquele local quando a comunidade assim o entender», conclui.
Foto | Bruno Fidalgo Sousa