Tens 18 anos? Então está na hora de ires à tropa. Não assim há tanto tempo esta era a realidade: «A Lei do Serviço Militar previa que o recrutamento para as Forças Armadas assentava no Serviço Militar Obrigatório (SMO). Em 1999 esta lei foi atualizada, dando início a uma fase transitória». Em setembro de 2004 «assiste-se à voluntarização plena do serviço militar, assumindo as Forças Armadas a capacidade de captar os seus próprios recursos humanos». Nesta mesma altura implementou-se o Dia da Defesa Nacional (DDN) «cuja comparência passa a ser um dever militar de todos os cidadãos do sexo masculino que completem 18 anos de idade. Em 2010, este dever estende-se também às jovens cidadãs do sexo feminino, nascidas a partir de 1992».
De um serviço militar obrigatório para os homens, de quem vamos ouvindo (sobretudo às gerações mais antigas) testemunhos de um período exigente passámos, então, para um único dia. A verdade é que em 2016 o regresso do SMO voltou a ser tema em Portugal e na Europa, isto porque o regime de voluntariado não chega para suprir as necessidades das Forças Armadas. O que leva alguém a decidir seguir a carreira militar? Ficará claro o papel das Forças Armadas para um jovem que marque presença no DDN? Procurámos as respostas.
Seis anos dedicados à vida militar
César Vazão tem 37 anos e reside nas Pedreiras. Seis dos seus anos de vida foram passados no Exército, onde ingressou aos 24 anos. Na sua história cruzou duas realidades: «A primeira vez que fui à inspeção ainda era obrigatório, tinha 18 anos, só não fiquei a cumprir recruta porque estava a terminar o 12.º ano, fiquei em reserva territorial». Mais tarde, acabou por voltar como voluntário. E porquê? «Aos 18 anos só queria mesmo terminar os estudos e seguir para a universidade. Estudei, fui trabalhar e só voltei à vida militar na altura em que estávamos em crise. Estava à procura de emprego na área dos moldes onde tinha formação e um dia, por volta de 2011/2012, numa feira de emprego, encontrei um grupo do Exército que estava a recrutar pessoas e coloquei essa hipótese», explica. «Tinha muitos amigos que tiraram licenciaturas e que não estavam a conseguir arranjar emprego e vários optaram pelo Exército porque tinha bons salários», revela.
De quartel para quartel, muda também o trabalho efetuado. No caso de César Vazão e embora não tenha estado sempre no mesmo sítio e tenha tirado diversas formações, a sua carreira foi gerida na tentativa de passar o maior tempo possível no quartel de Leiria, para estar mais perto de casa. «Fazíamos o patrulhamento das matas do Pinhal de Leiria, fazíamos a guarda de honra ao túmulo do Soldado Desconhecido no Mosteiro da Batalha e depois, além disso, temos toda a parte operacional e o treino de artilharia», recorda.
Começou em Mafra, na Escola Prática de Infantaria, fez recruta em Leiria, um ano depois concorreu ao curso de sargentos, fez a formação em Abrantes e depois em Vendas Novas, na especialidade de Artilharia para poder voltar a Leiria. Mas não se ficou por aqui, concorreu mais tarde ao curso de paraquedista e não só. «Como gostava de estudar, optei por fazer os cursos que me disponibilizavam até mesmo para progredir na carreira. O curso de sargento abriu-me outras possibilidades, de outra forma ficaria sempre soldado e chegaria no máximo a primeiro-cabo», explica. Da vida militar trouxe muitos ensinamentos. «O espírito de camaradagem, de companheirismo e noto isso comparando com outro tipo de profissões, ali tentamos ajudar ao máximo quem tem mais dificuldades, não há aquela máxima de ser cada um por si. Notam-se valores como respeito, organização, pontualidade, valores que nos forçam mesmo a valorizar ao máximo e que atualmente estão em falta», sublinha.
Apesar de ter gostado destes seis anos, sabia que seriam apenas uma fase da sua vida, dadas as limitações de idade impostas. «Quando me era permitido concorrer aos quadros já tinha acima da idade permitida», esclarece. «Na Força Aérea existem oficiais, sargentos e praças, o Exército não tem praças no quadro, ou seja, para se ficar no quadro tem que se passar à categoria de sargento ou oficial e na categoria de oficial onde se recebem os maiores vencimentos, a idade limite de ingresso é 20 anos», explica. César Vazão acredita que muito pouca gente com 18 anos já tem a certeza de que quer seguir este rumo e acaba por perder a oportunidade: «Têm que ter condições físicas excelentes, médias muito altas (quase como para Medicina) para entrar na Academia, por isso para estar pronto aos 20 anos tem de se ter esse foco muito antes. Normalmente são miúdos que vêm dos Pupilos do Exército e que são já filhos de militares. Não digo com isto que nos limitem, qualquer pessoa pode concorrer, mas por vezes só com 22 ou 23 anos é que começamos a pensar que este podia ser o caminho ideal para nós». A carreira de sargento «chega a um ponto que já não é tão boa. Nos primeiros três ou quatro anos subimos várias vezes de posto e o salário vai subindo, depois começa a estagnar», diz ainda.
Um dia que sabe a pouco
Iara Silva, natural do Tojal, tem 19 anos e foi há quase um ano que marcou presença no Dia da Defesa Nacional. «Eu fui para a Base Aérea de Monte Real. Tivemos uma palestra sobre as diferentes áreas da Força Aérea, explicam-nos tudo, o que se faz lá, como nos podemos inscrever e do que estavam à procura. A manhã inteira é dedicada a estas palestras», começa por explicar. Da parte da tarde, os jovens têm contacto mais próximo com a realidade de cada departamento. «Vimos os carros dos bombeiros, uma aeronave F16, um vídeo que explicava o que faziam no ar, como se vestiam em caso de emergência, um profissional dessa área explicou o que é preciso para chegar a este departamento e foi assim mais ou menos com todos os departamentos», conta ainda Iara Silva. Um dos momentos mais simbólicos e que os militares fizeram questão se frisar «que era muito importante e que todos tinham de estar calados» foi o hastear da bandeira portuguesa: «Eles até disseram que se aquele momento não corre bem, estraga o resto do dia», conta, entre risos.
Apesar de ter gostado da experiência, Iara Silva assume que lhe soube a pouco. «Um dia para cumprir o nosso “dever militar” parece-me pouco. Acho que deveria ser mais para aprendermos bem, para estarmos lá de facto a ver as coisas a acontecerem. Só assim teríamos a mínima noção se aquela vida faria sentido para nós», acredita. A portomosense até admite que chegou a ter “o bichinho” da Força Aérea, mas acabou por não ser esse o seu caminho. «Acho que tinha que ser informada de outra maneira, com mais tempo», salienta. Ainda assim, na opinião da jovem, há algo que ficou claro para si e para a sua geração: «Percebemos o que a Defesa Nacional significa para o nosso país e acho que o valorizamos». Iara Silva defende, no entanto, que a dificuldade de chegar a estes postos pode complicar o recrutamento dos jovens. «Um colega tentou ir para o serviço militar mas não conseguiu porque os testes são muito difíceis. Ele tinha uma boa condição física e é super inteligente e eu pensei “se ele não entrou, deve ser mesmo difícil”», conclui.