Clarisse Louro, a presidente da AM, disse no seu discurso dos 50 anos do 25 de Abril que «subsistiram em franjas da sociedade resistências a muitos dos valores que Abril abriu mas nunca como hoje lhe foi dada tanta expressão. Nunca se abriu tanto espaço ao retrocesso em conquistas civilizacionais. Nunca o populismo encontrou tanto espaço para transformar a mentira em verdade inquestionável».
Para a responsável, «são sinais dos tempos mas também consequência de erros de percurso» e de «assimetrias diversas no processo de desenvolvimento». «Nem sempre tratámos da democracia como devíamos. Nem sempre respeitámos os seus princípios, nem estivemos à altura das responsabilidades. Raramente tratámos do desenvolvimento com a visão estratégica, o planeamento, a exigência e o rigor devidos», assumiu, reconhecendo que com isto «muitos foram ficando para trás, uns deixados, outros afastando-se eles próprios, uns e outros alargando um campo de descontentamento, lavrado e pronto para que lançadas as sementes, o populismo nascesse e crescesse, muito depressa».
Francisco Matos, o presidente Jovem Autarca, do alto dos seus 13 anos, enviou um recado a alguns adultos: «Aqueles que colocam em dúvida os valores do 25 de Abril, aqueles que duvidam e questionam os sonhos dos que lutaram e conseguiram a Revolução, os que questionam o valor e o poder da nossa democracia têm no cargo que ocupo uma resposta a essas dúvidas e questões», disse.
«A participação plural dos jovens, como espelho de uma democracia onde todos podem ser eleitos, onde todos podem participar, independentemente da sua raça, credo ou origem, são provas disso», justificou, reconhecendo que apesar de um candidato do 7.º ano não ser o mais provável vencedor, a vitória aconteceu não por «escolha de um líder supremo», ou por ser «candidato de um partido oficial único», mas consequência da «escolha livre» dos seus colegas.
“Demo-nos à preguiça e à ilusão”
Sandra de Sousa, deputada não inscrita (ex-Chega), reconheceu que «sem Abril dificilmente teríamos as condições de vida que usufruímos», e «não seria possível a criação do SNS e a educação universal e gratuita». Em contrapartida, «abandonámos a agricultura, desmantelámos fábricas, abatemos barcos de pesca e demo-nos à preguiça e ilusão de que seria possível viver sem trabalhar», afirmou.
«Vivemos numa sociedade que protege interesses instalados, que defende o setor público quando 25% da população com menos de 30 anos está no desemprego, que defende intransigentemente direitos adquiridos enquanto jovens licenciados emigram ou vendem a força do seu saber por salários miseráveis. Somos o país europeu campeão das desigualdades, um país de emigrantes desde os anos 60 e ainda não conseguimos cativar o seu regresso, sinal claro que falhámos», realçou a deputada.
Paulo Rosa, em nome da bancada do PS, olhando para os últimos 50 anos, considera que «Portugal avançou significativamente na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva» mas «ainda há muito por fazer». «A desigualdade persiste, a pobreza assola muitas famílias e a igualdade de oportunidades não é ainda uma realidade consolidada», considerou. Além disso, «assistimos ao crescimento da simpatia pelos discursos demagógicos dos movimentos extremistas que se aproveitam da insatisfação da população para assumir um papel de destaque na política nacional» pelo que «é nosso dever continuar a lutar contra todo e qualquer ideal que nos aproxime de um regime idêntico ao que existia há 50 anos. Não podemos deixar aos nossos filhos e netos uma sociedade pior do que aquela que encontrámos», vincou.
Olga Silvestre, do PSD, não tem dúvidas de que o 25 de Abril valeu a pena, sublinhando a conquista dos direitos à «saúde, habitação, ambiente, qualidade de vida, educação, cultura, desporto» e até «à oposição». Contudo, alertou para o facto de que «não podemos ignorar o descontentamento com a política e os políticos» e da democracia não ser um dado adquirido mas antes algo que se constrói» com «liberdade, voz ativa, participação cívica, respeito e responsabilidade». Por isso «todos são convocados a continuar a defendê-la e a construí-la diariamente» e isso passa por «combater a abstenção, e que cada um tenha uma participação ativa na sua comunidade, na política, nas instituições e associações», defendeu.
Àqueles que nasceram já em liberdade pediu «ação e responsabilidade votando e participando».
“Nem saudosismo desinformado, nem radicalismo”
«Não partilho a ideia de que Abril está por cumprir. Não me reconheço no saudosismo desinformado de que ‘antes é que era bom’, como não perfilho qualquer sentimento de radicalismo defensor de uma realidade diametralmente oposta ao regime que cessou», referiu, por sua vez, o presidente da Câmara, Jorge Vala, reforçando que «abril não é um património de extremos, venham eles das chamadas esquerdas ou direitas radicais».
«Abril não está por cumprir nem se cumprirá porque, como em todas as coisas, o objetivo é o caminho», afirmou. «Sentimos o peso de um país envelhecido, a mágoa de continuar a ver os nossos jovens procurarem oportunidades noutras paragens, o pesadelo da espera de uma consulta, o drama de esvaziamento de quadros, de médicos, de professores… Mas alguém se lembra de como era antes? Nem tudo está bem mas querer selar o falhanço democrático com base neste argumento é sementeira agreste que cavalga os descontentamentos para se entronizar no poder», alertou.
O autarca passou ainda em revista o programa local de comemorações considerando que o balanço é claramente positivo.
Interveio também Kevin Carreira Soares, o coordenador da comissão executiva das comemorações, que depois de evocar também tudo aquilo que foi feito ao longo dos últimos dois anos, estabeleceu várias comparações entre o antes e o pós-25 de Abril, concluindo que valeu a pena a revolução. E se há mais de 50 anos, a sua avó, que «veio a pé, do Tojal a Porto de Mós, com um filho doente, e o viu morrer nos braços», sentiu na pele o peso da pobreza e da falta de assistência médica, hoje, o neto, filho de comerciantes, pôde doutorar-se» e «é também graças ao 25 de Abril que o filho de um comerciante e sapateiro é hoje presidente de câmara, e que temos uma mulher à frente da Assembleia Municipal» destacou a encerrar a intervenção.
Sessão solene do 25 de Abril com poucos autarcas
A diminuta presença de autarcas foi, sem sombra de dúvidas, o facto mais marcante da sessão solene comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril, em Porto de Mós. Embora a cerimónia promovida pela Assembleia Municipal (AM) não tivesse carácter “obrigatório” para os seus membros, acreditava-se que pela importância da data e por ser quase o culminar de um vasto programa de comemorações, desta vez, os autarcas comparecessem em força. Afinal, nada mais errado. O Poder Local é uma das conquistas de Abril mas muitos dos seus representantes primaram pela ausência.
Dos 21 elementos da AM, só nove marcaram presença: O PS, que conta com oito deputados, fez-se representar unicamente por duas pessoas, sendo que uma delas (aquela a quem coube proferir o discurso na sessão solene), nem sequer faz parte do grupo de eleitos, sendo chamada a integrar a bancada só quando algum deputado informa que vai faltar, justifica a falta e pede para ser substituído.
Bem mais composta esteve a bancada do PSD, registando-se dois ausentes entre os 12 eleitos. A deputada não inscrita (ex-Chega) foi uma das que marcaram presença. Já do lado dos presidentes de Junta, cenário idêntico: de 10, participaram, apenas, dois, tendo um terceiro chegado durante o concerto que se seguiu à sessão solene.
Foto | Isidro Bento