A situação é cada vez mais frequente: alguém publica um post ou republica uma qualquer notícia nas redes sociais e logo outro alguém surge a comentar de forma inesperada ou “impetuosa” gerando-se fricção entre ambos. No caso que apresentamos, os protagonistas são um jornalista com contrato de avença com a Câmara de Porto de Mós e um vereador dessa mesma Câmara.
João Amado Gabriel, jornalista do Alqueidão da Serra, publicou no Facebook o recorte de uma notícia d’O Portomosense sobre a cedência do edifício da EB1 de Bouceiros à associação Ninho Montessori – Associação de Educação para a Vida, por 10 anos, decisão que teve a discordância dos vereadores do PS, Rui Marto e Sofia Caetano. No seu entender, tendo em conta que a associação é muito recente – dois meses de existência – e que o principal dinamizador mora há pouco tempo no concelho, «em vez de se lhe dar tudo de “mão beijada” no primeiro dia», seria preferível ceder o espaço por um ano ou dois e depois estender o prazo ou não.
João Amado Gabriel não gostou do que leu e, no post onde publica o recorte, questiona «como é possível um vereador do Alqueidão dar assim as “boas-vindas” a uma das mais recentes habitantes da aldeia», que escolheu a sua comunidade «para viver e que pretende retribuir proporcionando aos pais das nossas crianças um método de ensino “inovador” bastante conhecido e aplicado internacionalmente». «A serem verdadeiras algumas das transcrições atribuídas ao “nosso” vereador, roçam a xenofobia. Lamentável», sublinhava.
Rui Marto respondeu num post, onde disse que aquilo que para o seu conterrâneo «é xenofobia» trata-se, afinal, de «boa gestão dos dinheiros públicos», explicitando os argumentos apresentados na reunião de Câmara. Depois de referir os contratos de avença entre João Amado Gabriel e a Câmara, «tudo por ajuste direto sem “consulta prévia” e “a tempo parcial”», acusa-o de «distorcer os factos e carregar na maledicência» para «enaltecer os valores do chefe pagante com um único propósito reconhecível de manter a tensa anual». Dizendo-se «enxovalhado e ofendido», Marto anuncia que vai perguntar «no sítio certo» ao presidente da Câmara se «sente a confiança num avençado da comunicação com estas posturas».
“Fui acusado de algo repugnante”
Passada pouco mais de uma semana e com os ânimos aparentemente mais serenos, O Portomosense procurou ouvir os protagonistas. Da parte do vereador, o sentimento é de revolta. Rui Marto garante que, para si, «xenofobia e racismo são crimes repugnantes» e, por isso, não contava que «uma pessoa que colabora com o gabinete de comunicação da Câmara e que sabe exatamente o significado e as consequências de cada palavra» o acusasse disso. Segundo Rui Marto, os vereadores do PS votaram contra, mas apresentaram uma proposta que foi recusada. «O senhor João Gabriel quis fazer tábua rasa disso e levar para onde lhe dava jeito, não tendo qualquer problema em enxovalhar um vereador da Câmara para a qual presta serviços».
Depois de constatar que dos órgãos sociais da associação Ninho Montessori «fazem parte duas sobrinhas» do jornalista «e respetivos namorados», Rui Marto diz que a única explicação que encontra para a atitude do seu conterrâneo «é ter pessoas da família na associação e não ter gostado» da sua tomada de posição, ou então ser «uma tentativa de assassinato político relativamente ao capital político que [o vereador] ainda possa ter no Alqueidão».
A revolta de Marto estende-se também ao presidente da Câmara de quem esperava «uma tomada de posição». Não a havendo, «ou não tem consciência da gravidade da situação ou é conivente com a mesma», conclui.
“São adultos e autónomos. Entendam-se”
O Portomosense contactou João Amado Gabriel que se escusou a tecer comentários. Por seu lado, o presidente da Câmara, Jorge Vala, disse nada ter a ver com esta polémica, alegando que ambos os envolvidos são «pessoas adultas, independentes e autónomas». «O vereador Rui Marto também não se inibe de dizer coisas sobre mim. Mal seria se, de cada vez que o faz, eu fosse pedir satisfações. Às vezes, dá-me a ideia que o dia 26 de setembro ainda não foi bem digerido. É um problema entre o engenheiro Rui Marto e o jornalista João Gabriel», justifica. O autarca explicou ainda que João Amado Gabriel «não tem vínculo direto» à Câmara, mas «um contrato de prestação de serviços que não lhe retira autonomia» para expressar a sua opinião.
Quanto à alegada falta de solidariedade institucional e à eventual conivência com um colaborador da Câmara que acusa um elemento da mesma de ter uma atitude a roçar a xenofobia, Jorge Vala diz que Rui Marto é livre de pensar o que quiser. «O presidente da Câmara manifesta a solidariedade institucional quando os assuntos o merecem e este não me merece consideração nenhuma, é uma coisa comezinha. O que o João Gabriel fez é uma insinuação, nem sequer é um ataque direto», conclui, visivelmente agastado.