Adérito Matos, calceteiro: «A calçada hoje é um trabalho caríssimo»

6 Dezembro 2024

Rafael Duque

A calçada portuguesa, um elemento tão característico das nossas ruas e reconhecido como Património Cultural Imaterial português desde 2021, é uma arte milenar criada pelos mestres calceteiros, ou simplesmente calceteiros. Um desses mestres é Adérito Matos, de 63 anos, um homem «muito vivido». O seu interesse por esta arte surgiu por acaso, ou, como ele próprio afirma, «porque calhou mesmo», há cerca de 30 ou 40 anos. Aprendeu com o primo, depois de ter sido maquinista e de ter saído da tropa, com o objetivo de ganhar «mais uns tostões».

Adérito Matos prefere realizar trabalhos mais artísticos, já não mostrando grande interesse pelas chamadas calçadas «normais», como as das urbanizações. Esta preferência pela parte mais criativa do trabalho é o que lhe permite continuar a fazer o que faz, mesmo após décadas de dedicação. Fala-nos de vários projetos, desde o Alqueidão da Serra a Porto de Mós e até Itália, onde desenhava no chão «com a fotografia no telemóvel numa mão e o ferro na outra» ao longo de 400 ou 500 metros. Apesar do esforço, esta é a parte que mais aprecia, destacando o prazer de transferir uma ideia para o chão, realizando os seus trabalhos por projeto.

O trabalho de um calceteiro é minucioso e desafiante, envolvendo a aplicação «pedrinha por pedrinha», sem qualquer recurso a maquinaria durante o processo, «nem para aplicar», constata. Toda esta dedicação «torna o trabalho caríssimo», mas Adérito reconhece que, quando o custo é mais baixo, a qualidade também sofre. Contudo, lamenta que, devido às exigências do Estado de que as urbanizações sejam feitas em calçada, muitas vezes o critério seja apenas o preço mais baixo, resultando em trabalhos de menor qualidade.

Adérito refere que nesta profissão não precisam de concorrência, mas sim de que todos procurem «fazer o melhor e o bem feito» para atrair atenção e valorização a esta arte, já que a «concorrência há de ser sempre o que estraga tudo». Explica que esta concorrência, que muitas vezes se baseia apenas em preços mais baixos, pode levar a trabalhos feitos com menos qualidade, resultando na necessidade de proceder à «recuperação da calçada que vai ficar mais caro». Para si, um «trabalho bem feito» deveria ser mais bem remunerado, mas muitas vezes não é, já que nesta área «os orçamentos baixos prevalecem». Este problema, segundo ele, não é exclusivo do ofício de calceteiro, sendo partilhado por outros profissionais de inúmeras áreas com quem já falou.

Por estas razões, Adérito prefere «trabalhar fora de Portugal». Do outro lado da fronteira, sente que há mais oportunidades e uma maior exigência de qualidade, tendo já desenvolvido trabalhos em Espanha, onde praticamente trabalha há dois anos, em França e Itália, já que, nestes países, os clientes não se importam de pagar mais, desde que «as coisas sejam bem feitas».

Aderito Matos Italia | Jornal O Portomosense

«Gosto de fazer, gosto de mostrar e gosto de ensinar como se faz», afirma. Por isso, já mostrou o seu trabalho na televisão, com o objetivo de partilhar todo o processo, que é feito inteiramente à mão, pedra por pedra. Muitos acreditam que os avanços tecnológicos já facilitam este trabalho, mas Adérito explica que «não há máquinas nem para cortar, nem para fazer, nem para aplicar». Recorda um episódio em San Roque, Espanha, onde até os engenheiros acreditavam que o trabalho já não era manual, pois normalmente usam granito nos seus pisos em vez de calcário. Para esclarecer, Adérito Matos realizou um vídeo demonstrando o processo completo, desde a extração na pedreira até à aplicação da pedra trabalhada.

Apesar de ainda haver muito trabalho por fazer, o experiente calceteiro lamenta a dificuldade em encontrar quem queira aprender a profissão. Refere que o seu atual aprendiz tem 50 anos e que não vê jovens «de 20 e poucos anos» interessados na arte. Ainda tentou ensinar o filho, que «se ajeitava muito para a calçada e que gostava», mas este acabou por seguir o ensino superior, apesar de «ganhar mais como calceteiro do que na profissão que escolheu».

Para quem deseja enveredar por esta profissão, Adérito deixa um conselho simples mas crucial: «Tentar sempre fazer tudo bem e aperfeiçoar a arte com o tempo.»

Foto | DR

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