Há cinco anos, Adriano Maranhão, de 41 anos, natural da Nazaré, mudou de vida. Os «salários que se recebiam em Portugal nos trabalhos como canalizador eram muito baixos» e descontente com isso, procurando oportunidades melhores, começou a trabalhar na Princess Cruises, uma empresa de cruzeiros, através de um contacto de um colega. Nessa altura estava longe de imaginar que, cinco anos mais tarde, iria estar dentro de um navio infetado com um vírus que está a paralisar o país e o mundo e que seria “o primeiro português infetado com COVID-19”.
Estava no mar desde 15 de dezembro, quando soaram os alarmes dentro do Diamond Princess, a 4 de fevereiro, porque um passageiro, que tinha estado no navio e que saira no porto de Hong Kong, estava infetado. A viagem que faziam «era só na Ásia em cruzeiros de sete ou 15 dias» e o ponto de retorno, onde se iniciava uma nova viagem era sempre o porto de Tóquio, em Yokohama. Quando nesse dia, a companhia, teve conhecimento que tinha estado a bordo um passageiro infetado, foram logo acionados mecanismos: «A companhia avisou as autoridades japonesas e eles logo nesse dia decidiram que não chegávamos a atracar, ficámos ao largo da baía e os médicos entraram no navio», conta Adriano Maranhão. Ninguém da tripulação «estava com medo porque ninguém sabia bem o que se estava a passar», admite o nazareno. A COVID-19 era ainda «desconhecida» para quem estava dentro do navio, numa altura em que, mesmo na China, onde a epidemia começou, ainda se procuravam respostas. Este desconhecimento acabou por ajudar a que fosse «mantida a calma» entre a tripulação, pelo menos durante os «primeiros dias» após terem tomado conhecimento do primeiro infetado.
O pior estava para vir. Inicialmente as autoridades japonesas colocaram apenas os passageiros em isolamento, dentro das suas cabines e a tripulação continuou ao serviço dos passageiros. Adriano Maranhão acredita que nesta fase «havia ainda um desconhecimento» também por parte das autoridades de todos «os procedimentos que deviam tomar» face à COVID-19, não se estando, também eles, a precaver em relação ao contágio. A situação manteve-se assim durante 15 dias, apenas «no dia 20 de fevereiro foram realizados os primeiros testes à tripulação em geral» dentro do navio, já depois de alguns membros terem saído do navio por apresentarem sintomas como «febres altas, tosse, corpo cansado». Adriano Maranhão não tinha sintomas e por isso, foi com espanto e pensando «que havia algum engano» que recebeu a notícia de que estava infetado.
A luta de Emmanuelle Maranhão em Portugal
Enquanto Adriano Maranhão estava fechado na cabine, a sua mulher lutava em Portugal para que pudesse ter assistência hospitalar. O caso tornou-se mediático, sem que esse fosse o objetivo do casal: «Quando me foi dada a informação de que estava infetado, foi-me dito que eu saía do navio no prazo máximo de um dia ou dois», explica. Tal não aconteceu e quando Adriano Maranhão contou a Emmanuelle Maranhão que estava infetado, pediu-lhe que tentasse «através das autoridades em Portugal, com o Ministro dos Negócios Estrangeiros ou alguém perto dele» para que o pudessem contactar. O medo, nesta altura, «era permanecer dentro do navio e estar a prejudicar a saúde, caso necessitasse de um tratamento adequado».
Depois do caso começar a ser divulgado na comunicação social, Adriano Maranhão esteve «mais três dias» dentro do navio. Com pouca rede e sempre dentro da cabine, a «única pessoa» com quem conseguiu falar foi com o Presidente da República que lhe garantiu que «já tinha na mão» a sua saída para o hospital e que a sua situação «não ia cair no esquecimento». Efetivamente a situação agilizou-se e seis horas depois de ter «recebido um e-mail da Embaixada Portuguesa em Tóquio a dizer que o processo já estava a ser tratado», as autoridades japonesas «entraram no navio e deram a informação de que no dia a seguir» sairia do navio.
Os dias no hospital e o regresso
Entrou no hospital no dia 25 de fevereiro e no «segundo dia foi feita uma contra-análise». Nesse entretanto, Adriano Maranhão não tomou qualquer medicação. No hospital diziam-lhe que «não podiam dar nada para não camuflar os sintomas» e assim ter uma real noção de que forma o «vírus estava a afetar». Chegou a tomar paracetamol ainda dentro do navio, no último dia a bordo, quando começou a sentir «cansaço e febre», mas logo lhe foi retirada essa medicação pelos médicos japoneses. Esse segundo teste deu negativo, mas fez ainda um terceiro, passado três dias que voltou a dar negativo. Ainda assim, teve que ficar sob vigilância e «cumprir uma quarentena». Ficou no hospital de 25 de fevereiro a 6 de março, foi depois encaminhado para um hotel onde ficou mais quatro dias. Estas viagens foram todas organizadas e pagas pela companhia, «que quis ser responsável por tudo», frisa. A Embaixada teve sempre conhecimento do que se passava, mas a companhia garantiu que assumiria tudo até que chegasse a Portugal.
Adriano Maranhão estava prestes a ver a família. Antes disso, esperou nove horas no aeroporto de Tóquio, fez uma escala no Dubai e depois viajou diretamente para Lisboa. Quando chegou, confessa, houve logo uma imagem que o surpreendeu: era esperado pela mulher e pelo presidente da Câmara da Nazaré, Walter Chicharro, ainda na zona da bagagem. Admitiu que a mulher não lhe foi dizendo tudo o que se passava em Portugal em torno da sua história, para o resguardar, por isso, só quando viu toda a comunicação social que o esperava no aeroporto, é que percebeu o verdadeiro impacto.
As filhas, foi buscá-las à escola, que correram para ele, naturalmente, «cheias de saudades do pai». Apenas a mais crescida, de 8 anos, teve alguma consciência do que se passou, até porque, devido à sua profissão, «já estão habituadas a estar longe do pai» durante alguns meses. Hoje, Adriano Maranhão afirma ser um homem diferente e diz, sem qualquer dúvida, que se «dá mais valor à vida» depois de um episódio destes. «Não é uma coisa passageira», mas sim uma marca para o resto da vida, sublinha.
Ouça aqui a entrevista completa de Adriano Maranhão no programa “Nós e os Outros” da Rádio Dom Fuas: