O setor agrícola continua em sufoco na Europa, com mobilizações em vários países do bloco comunitário. O protesto começou em França, onde até já foi alcançado um acordo, mas a pressão agudiza-se nos restantes 26. Em Portugal os protestos têm sido organizados pelo Movimento Civil de Agricultores, e os dois agricultores locais com quem O Portomosense falou não colocam de parte a ideia de se juntarem às manifestações.
As grandes reclamações prendem-se, lá está, com as legislações europeias. Ao nosso jornal, quer Manuel Ferreira, antigo proprietário da Queijaria de São Bento, quer Isaac Silva, da Frutas Isaac (Andam), falam de imposições, por exemplo, a nível dos pesticidas – há concorrência desleal com produtos que chegam de fora da Europa a preços muito mais baixos e que foram produzidos sem as restrições da União Europeia. O que depois acabará por afetar os consumidores: “A agricultura foi um bocadinho escamoteada, para ser barato, e quem precisa de comer é que vai pagar isso tudo”, acredita Manuel Ferreira. Responsável por cerca de 85 vacas, fala agora de um abandono dos agricultores, principalmente nas zonas rurais, face à disparidade na atribuição dos subsídios (que excluem parte da agricultura minifundiária, só com subsídios «muito residuais»). Daí que se considere não um agricultor, mas um trabalhador rural, sem a grande pressão de produzir para tirar sustento. Há 20 anos, antes do surgimento da moeda única, era «mais fácil, dava mais lucro». A concorrência agora é feroz e não se «pode sair muito daquelas linhas, os grandes agricultores de Portugal eram o Jerónimo Martins e o Belmiro de Azevedo», ironiza, perante o poderio económico dos grandes retalhistas.
O criador de gado acredita que há demasiada importação, e Isaac Silva, de 26 anos, corrobora: devia-se «evitar um bocado a importação, primeiro gastar o que é nosso». «Temos limitações que temos de cumprir quando queremos vender às nossas superfícies, acho que devia ser exigida a mesma coisa a quem vende de fora para cá, um regime igual para todos», frisa. «Se os produtos fazem mal aqui, também fazem mal vindo de fora», explica, falando das recentes legislações sobre pesticidas, que obrigam os agricultores a utilizar «produtos menos eficazes», e de igual modo menos destrutivos. E isso faz com que inevitavelmente se aumente os gastos. «Temos de fazer muito mais tratamentos que antigamente um só produto fazia», e esses gastos acrescidos não são compensados quando o distribuidor define os preços de venda ao público – que são muitas vezes menores no que toca a produtos importados, «sem restrições», logo, com menor custo de produção. Além disso, há mais limitações no consumo de água – o que Isaac Silva não considera ser desperdício quando o caso toca «à produção de alimento».
Agricultores em reivindicação
Isaac Silva estaria presente numa futura manifestação, quer em Porto de Mós, quer em Lisboa. Sem violência ou vandalismo, contudo, porque, acima de tudo, «as manifestações são importantes para o povo se fazer ouvir, e os agricultores há muitos anos que são massacrados nesse aspeto». O jovem tem uma visão pluralista do que tem afetado o setor, que, diz, «não é de agora»: «Chega a um ponto em que os agricultores ficam saturados, não veem alternativas». «Nós é que realmente trabalhamos na terra e temos o esforço de produzir alimento, e depois quem vai buscar a maior parte dos lucros não somos nós. Vamos adquirindo trabalho, muitas vezes dívidas, de ano para ano temos as alterações climáticas que nos destroem as produções, basta vir pedraço e estraga tudo, e andamos constantemente à espera de um ano melhor para tapar o buraco o ano anterior e esse ano nunca chega», conclui o agricultor do Andam.
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