Não é a primeira vez que falamos sobre uma manifestação organizada pela União dos Agricultores do Distrito de Leiria (UADL), que tem lutado, desde há vários anos, pela valorização dos pequenos e médios agricultores que atravessam períodos conturbados. Mas desta vez a luta foi outra. A UADL convocou uma manifestação (junto ao Centro de Saúde de Porto de Mós) para lutar por melhores condições de saúde no concelho. Ainda assim, «o mundo rural», que é o que sofre mais quando falamos de agricultura, volta a ser o centro quando se fala de saúde. «Nas freguesias rurais não estão só os agricultores, nós não temos médicos nem no Alqueidão da Serra, nem em Alvados, nem em São Bento, nem na Mendiga nem em Arrimal», começou por discursar perante os presentes, António Ferraria, membro desta associação e há vários anos um grande “rosto” da sua luta. Por oposição, «Calvaria, Pedreiras e Juncal têm médicos e por que é que isso acontece?», questiona. «Uns são portugueses de primeira, outros são portugueses de segunda ou terceira», considera.
Foi para combater isto, disse ainda António Ferraria, que a UADL se uniu a esta luta. «Quando a gente luta, nós podemos nem ganhar, mas quando não lutamos, perdemos sempre», frisa, fazendo ainda uma analogia com aquilo que acontece na agricultura: «Quando a gente semeia uma batata, pode comê-la, se não a semear, de certeza que não a apanha». «O ideal é conseguir «ter um médico em cada uma das freguesias» para que os utentes, «muitos deles de idade que não têm como se deslocar», não tenham que vir a Porto de Mós e depois «esperar durante horas». Já fez «se calhar mais de mil manifestações» ao longo da sua vida, mas garante que ainda não é tempo de parar. «Temos de continuar e vamos batalhar, viemos aqui mostrar que o pessoal não está contente», sublinha.
Depois do discurso inicial, a UADL leu a carta que pretende fazer chegar ao ministro da Saúde através do presidente da Câmara de Porto de Mós. «A falta de médicos é insustentável como, com toda a certeza, o senhor ministro da Saúde tem conhecimento. Os ricos e poderosos recorrem ao serviço privado, o que não acontece com as nossas populações rurais, uma vez que não têm capacidade financeira para isso», era uma das mensagens deste manifesto.
Também o presidente da UADL, Joaquim Avelino, em declarações a O Portomosense, reiterou a importância da associação que dirige se associar à luta pela Saúde. «Está a existir uma grande necessidade. Estamos a deslocar-nos vários quilómetros para vir ao médico e depois chegar aqui e nem ter consulta», salienta. Joaquim Avelino sente que há poucos braços para a luta: «Tivemos de avançar para a frente porque não há ninguém a avançar». Apesar de esperar uma «maior participação» do que a que se verificou, entende que se tratava de um dia «de trabalho».
Agricultura não foi esquecida
Apesar de o mote principal ser a Saúde, António Ferraria não esqueceu a fase negra que os agricultores atravessam. «Na freguesia de São Bento, quando ainda tinha vacas, havia 51 mil litros de leite por dia e agora, há o quê? Três mil e é se tantos! Serro Ventoso, Mendiga e Arrimal não tem nenhum», alertou. «As pessoas vivem com cada vez com mais dificuldades porque o adubo é caro, as rações são caras, os químicos são caros e quando vendemos as coisas, ou não temos a quem as vender ou vendemos baratas e os mercados vão enfraquecendo cada vez mais, quer seja o mercado de Porto de Mós, quer sejam os outros todos», acrescentou ainda. A desertificação do mundo rural, que leva a todos estes problemas, é também causado pela falta de condições de saúde. «O futuro das nossas gerações está em causa, é preciso ter médicos», reforça.
“Município tem feito esforços enormes e construído ligações com várias instituições”
A representar o Município nesta manifestação esteve o vice-presidente da Câmara de Porto de Mós, Eduardo Amaral, que também considera esta uma luta de todos. «A limitação de médicos é um problema nacional, apesar de, às vezes, só nos focarmos na população envelhecida como é esta que está ligada à agricultura. Sem o acesso à parte médica, as zonas rurais acabam por ficar mais desertificadas e leva ao abandono dos campos», frisa, destacando que tudo está ligado. «Os agricultores são pessoas com idade, que vivem ligados à terra, que têm dificuldade de deslocação e já têm o problema de não terem incentivos para produzir com tudo a aumentar e com a dificuldade em escoar os seus produtos, depois veem-se com uma limitação que é na doença não terem ninguém que os ajude», acrescenta o vice-presidente.
Eduardo Amaral garante que o «Município tem feito esforços enormes e tem construído ligações com várias instituições, nomeadamente como o Ministério da Saúde, de forma a preencher a falta de médicos» no concelho. É importante «falar com as estruturas, sensibilizá-las e alertá-las para a tomada de consciência que as instituições que trabalham unicamente em Lisboa não têm sobre a realidade local», sublinha. O vice-presidente adiantou que o presidente da Câmara, Jorge Vala, esteve recentemente reunido com o ministro da Saúde, sendo que as conclusões dessa reunião «ainda estão num processo de discussão, mas trará certamente conclusões». «Já fizemos milhentas reuniões com os setores todos da saúde, promessas temos tido milhentas, mas depois quando se chega à altura da implementação, elas não acontecem e o Município não pode assumir a culpa para uma resposta que não tem», afirma.
«Quanto mais pessoas, mais força temos», reforça Eduardo Amaral. «Isto não é uma forma de «pressionar ninguém, isto é uma chamada de atenção que diz que isto chegou a um ponto em que está completamente desgovernado e precisamos de ajuda porque as pessoas não podem vir para aqui às três ou quatro da manhã à espera que surja aqui uma benesse para poder ter acesso a uma consulta», frisa. «Somos humanos e enquanto humanos merecemos a maior consideração de todos», conclui.
Presidentes de junta (presentes) juntos na luta
Carlos Cordeiro, Junta de Freguesia de Serro Ventoso
«Acho que é importante [esta associação manifestar-se] e vem reforçar que o problema é mesmo grave. Quando tens associações que não têm, no fundo, a ver com a Saúde a associar-se, é porque é um problema de todos nós. Acho que devia haver mais associações assim, para que o senhor ministro veja. Isto não é fácil.»
Filipe Batista, Junta de Freguesia de Alqueidão da Serra
«Este é um problema da sociedade e esta associação faz parte da nossa sociedade. Temos que agradecer a esta associação por ter feito esta manifestação. Não temos é que agradecer às pessoas que não aderem a estas coisas. Porque, de facto, isto é um problema gravíssimo, não sei se as pessoas já tomaram consciência desse mesmo problema, mas o concelho de Porto de Mós tem um grave problema no acesso aos cuidados de Saúde.»
Foto | Bruno Fidalgo Sousa