Jéssica Silva

Alfabetização, uma questão de dignidade

6 Set 2022

Ler. Escrever. Duas capacidades que hoje vemos como um direito absolutamente adquirido e inquestionável mas que, num passado não muito distante, eram um privilégio, ao alcance sobretudo dos mais abastados e do sexo masculino. Emília Cordeiro, de 89 anos, e Maria da Graça, de 99 anos, não tiveram essa “sorte”. Nunca aprenderam a ler nem a escrever. São analfabetas. Nasceram num Portugal rural, num tempo em que o lugar das meninas era no campo, a trabalhar, a guardar ovelhas. Ir à escola não era, sequer, uma hipótese. Nunca lhes foi dada essa oportunidade, embora no seu íntimo tivessem chegado a ter essa vontade. As prioridades eram outras. Com o passar do tempo, acabaram por se conformar com a sua sina. Ao longo da sua já extensa vida enfrentaram muitas dificuldades, nas atividades mais simples do quotidiano, como ir às compras ou andar de transportes públicos. Tiveram de aprender a desenvencilhar-se e a confiar nos outros, aqueles que tinham essa capacidade. Há quem equipare essa incapacidade a «viver na escuridão». Já imaginou como será viver nessa escuridão? Já imaginou como seria a sua vida se não conseguisse ler as palavras que estão inscritas num simples pacote de açúcar ou num aviso que está no outro lado da rua?

José Saramago, cujo nome dispensa apresentações, numa carta dirigida à sua avó, que nunca aprendeu a ler, falava dos reflexos que esta incapacidade teve na forma como Josefa viveu, viu e compreendeu o mundo à sua volta: «Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo».

Emília e Maria são os dois testemunhos que lhe trazemos nesta edição, a propósito do Dia Internacional da Alfabetização que se assinala na próxima quinta-feira, dia 8 de setembro. A data celebra-se, anualmente, desde 1967, e foi criada pela ONU e pela UNESCO para recordar a importância da alfabetização «como uma questão de dignidade e direitos humanos». Este dia nasceu com objetivo de promover o debate sobre a importância da alfabetização, mas apesar dos progressos alcançados, os desafios da literacia persistem, com milhões de pessoas em todo o mundo que ainda hoje carecem de competências básicas de literacia. Em Portugal, segundo os dados provisórios do Censos 2021, existem 1 418 682 de pessoas sem qualquer nível de ensino, muitas delas analfabetas. Em 2011, 5,2% da população portuguesa não sabia ler nem escrever. A este nível, por enquanto, ainda não existem dados concretos.

Emília e Maria receberam-nos nas suas casas e foi precisamente no conforto dos seus lares que nos contaram as suas histórias. As histórias que hoje lhe damos a conhecer mas que estas nunca irão conseguir ler.

Nota: A história de Emília Cordeiro e Maria da Graça será publicada no nosso site na próxima quinta-feira, dia 8 de setembro, Dia Internacional da Alfabetização