Alguns dos desafios da maioria absoluta
Como leitor (e ao nível de jornais se calhar consumo tanta ou mais “opinião” que informação) gosto de ser surpreendido por reflexões que escapem ao “politicamente correto” e, volta e meia, já do outro lado, tento, eu próprio fazer esse exercício. Hoje é um desses dias. Decerto, nem todos o vão compreender mas é um risco de quem assume a difícil decisão de opinar no espaço público.
Olhando para os resultados saídos das últimas autárquicas, e como já o escrevi, parece-me inegável que revelam uma vitória extraordinária e surpreendente (na dimensão que assumiu em termos de números e em comparação com os concorrentes diretos), de Jorge Vala. Mais do que o PSD, Vala foi o grande vencedor da noite. Venceu e convenceu e sem tirar o mérito a quem, na Assembleia Municipal e nas Juntas de Freguesia conquistou a presidência, não tenho grandes dúvidas que o seu discurso e postura e alguma obra feita foram também elementos que ajudaram a que algumas vitórias acontecessem ou ganhassem a expressão que ganharam.
Jorge Vala conquistou a sua primeira maioria absoluta e está em condições de executar, sem entraves, a estratégia que delineou para o concelho. Domina na Câmara e tem a maioria dos elementos da Assembleia Municipal portanto, ao contrário de outros seus colegas obrigados a governar em minoria, tem larga margem de manobra para fazer o que quiser e a forma como utilizar esse enorme poder irá revelar muito daquilo que for o seu verdadeiro perfil político e pessoal.
Vala conseguiu, de facto, uma vitória incontestável mas, mesmo assim, houve mais de 40 por cento do eleitorado que optou por outros candidatos. Pessoas que não se reviram na sua governação anterior ou que preteriram as suas propostas às de outros candidatos, um fator a ter sempre em conta. O autarca prometeu ser o presidente de todos os portomosenses e é isso que se espera dele; que não se deixe adormecer à sombra da maioria absoluta mas apesar desta tente ir ao encontro dos anseios e necessidades de quem não votou em si e, muito importante, tenha espírito de abertura para ouvir outras vozes, outros sentires, mesmo que depois, feita a sua reflexão sobre aquilo que lhe foi apresentado, opte pelo caminho inicialmente escolhido.
Muitos autarcas, nos diversos órgãos autárquicos, imbuídos de inegável e verdadeiro espírito de missão, convictos de que estão a fazer o melhor para as suas populações, esquecem-se, por vezes, de que a realidade não tem só uma cara. Portanto, o estarem a fazer aquilo que consideram ser o melhor para as suas populações, não significa que o seja ou que não existam soluções melhores ou mais eficazes. Há que estar aberto a críticas construtivas e saber acolher com humildade outros contributos.
A proximidade com os munícipes também é muito importante, especialmente depois de tanto se insistir que o foco têm de ser, de facto, as pessoas. Nesse sentido, talvez seja tempo de equilibrar um pouco o staff de apoio autárquico já que me parece que o que sobra em elementos de aconselhamento político e de imagem, escasseia em termos de pessoas que andem na rua e façam a ponte com os munícipes e ajudem a resolver os seus problemas. Percebo perfeitamente e concordo no geral com a visão que Jorge Vala tem de um presidente de Câmara mas para que isso funcione, tem de ter atrás de si uma pessoa ou uma equipa que lhe ajude a resolver as situações mais simples. Julgo que no primeiro mandato o tentou mas por motivos alheios a si e à pessoa escolhida, foi experiência de pouca dura. Na minha modesta opinião, se ainda não o fez, é tempo de o tentar de novo neste mandato. Pessoalmente, não me choca ver engrossar a equipa com assessores, nomeadamente para apoio às funções mais técnicas, se isso for um contributo real e positivo ao trabalho autárquico. O bom investimento nunca é uma má despesa.
Outro pormenor importante a não descurar é a própria máquina da Câmara. Jorge Vala fez uma referência especial e merecida, no seu discurso de tomada de posse, aos funcionários do Município e estes, de facto, são uma peça que não pode ser esquecida nem menosprezada. De pouco valem as decisões políticas se depois quem efetivamente está no terreno não perceber ou não seguir aquilo que lhe é pedido. Uma máquina bem oleada e colaborante é meio caminho andado para o sucesso e daí a importância das reuniões formais mas também dos encontros informais dos responsáveis autárquicos com aquela que tem de ser a sua equipa.
Como sublinhou aos microfones da Rádio Dom Fuas, na noite eleitoral, o presidente da Junta de Freguesia do Alqueidão da Serra quando confrontado com os seus mais de 80% de votos conquistados, mesmo com uma maioria absoluta os autarcas têm sempre algo a corrigir ou a melhorar. Se assim não fosse, quem se recandidata e ganha, seria sempre eleito com 100% dos votos e esta lição serve para todos os que foram eleitos, com ou sem maioria absoluta.