O almirante Gouveia e Melo esteve em Porto de Mós no passado dia 10 para participar na terceira de sete sessões que fazem parte do ciclo de conferências Ditadura e Democracia: Que História? Que Presente? Que Futuro?, iniciativa integrada no programa das Comemorações dos 50 Anos do 25 de Abril 2022-2024 do Município de Porto de Mós. O Chefe do Estado-Maior da Armada chegou à Central das Artes quando faltavam poucos minutos para as 14h30, perante uma sala que foi pequena para acolher tanta gente.
Instabilidade na UE poderá levar ao ressurgimento de autocracias
A abertura da sessão coube ao vice-presidente da Câmara Municipal de Porto de Mós, Eduardo Amaral, perante a ausência do presidente da Câmara, Jorge Vala, devido a «um problema familiar». O também vereador da Cultura começou por agradecer a presença do almirante Gouveia e Melo e destacou ainda o facto de Luís Amado, presidente da Comissão de Honra das Comemorações, poder estar a participar na sessão: «Tem sido o grande obreiro, juntamente com o Kevin [Soares] e com os vários serviços do Município, de forma a podermos trazer a Porto de Mós pessoas que têm opinião e que podem e querem partilhá-la connosco», afirmou. De seguida, tomou da palavra Luís Amado que considerou «muito gratificante receber um conjunto de personalidades que não conhecem Porto de Mós»: «É gratificante ver que Porto de Mós se abre paulatinamente ao conhecimento de personalidades políticas e não só», acrescentou.
Numa sessão subordinada à temática O mundo dividido entre autocracias e democracias, o Chefe do Estado-Maior da Armada começou logo por recordar que, desde o início da Guerra Fria, o mundo «tem sido marcado por um crescente confronto entre regimes democráticos e autocráticos, o que, afirma, tem «gerado tensões geopolíticas e económicas, e suscitado questões sobre a estabilidade e o futuro da ordem internacional». «Torna-se cada vez mais importante compreender as motivações e os interesses que orientam os regimes autocráticos e democráticos e refletir sobre o papel da Democracia na promoção da justiça social, dos direitos humanos e da paz mundial», defende.
Num discurso onde também falou sobre o fim da Guerra Fria e o «intenso confronto ideológico e geopolítico» a que se assistiu entre os dois blocos, período a que se seguiu uma «série de mudanças significativas» no cenário internacional, Gouveia e Melo reconhece que a transição para a democracia – pautada por «desafios económicos e políticos» – não trouxe a «paz idealizada». «Alguns efeitos negativos da globalização e o conjunto desastroso de políticas internacionais fizeram renascer nacionalismos adormecidos de extremismos identitários e religiosos fraturantes da própria sociedade internacional», refere.
Gouveia e Melo considera que a União Europeia, a par de uma guerra nas suas fronteiras, encontra-se hoje «rodeada de instabilidades e de conflitos» tornando-se, assim, em «terreno fértil para o desenvolvimento de diversas ameaças». Para o Chefe do Estado-Maior da Armada, este cenário poderá levar ao «ressurgimento das autocracias», isto é, «regimes caracterizados por líderes autoritários que concentram o poder e minam os princípios democráticos». «Após o fim da Guerra Fria, tem havido um crescente surgimento de regimes autocráticos em várias partes do mundo. Pela primeira vez, desde 2001, as autocracias estão em maioria, com 92 países, representando 54% da população mundial», revelou. Embora possam ser «eficazes em controlar a população e manter o poder a curto prazo», também as autocracias «enfrentam desafios significativos a longo prazo», como a falta de inovação, a instabilidade política, a corrupção, a desigualdade económica e a falta de liberdades civis, exemplificou.
“Há uma nova Guerra Fria em curso”
Durante a sua intervenção, o almirante Gouveia e Melo mostrou-se apreensivo quanto ao rumo que a História está a tomar e alertou: «Há uma nova Guerra Fria em curso, entre blocos nucleares autocráticos», uma possibilidade com a qual, admite, tem havido «uma preocupação crescente». «A visão ideológica de democracias liberais e os regimes autocráticos têm aumentado a tensão entre as nações e colocado em risco a própria estabilidade global», considera. A criação de certas ligações, a que temos assistido nos últimos tempos, ao mesmo tempo que as duas grandes autocracias do mundo – China e Rússia – «estão a dar as mãos» é, para Gouveia e Melo, merecedor de atenção porque «levanta o fantasma de uma potencial divisão global centrada em valores políticos».
«A Democracia não é inevitável. Nós temos que a defender. Ela deve ser alimentada e sustentada», diz. Segundo o Chefe do Estado-Maior da Armada, «se as democracias falharam em apresentar argumentos convincentes sobre a importância das liberdades políticas ou se os cidadãos ficarem desiludidos com a forma como são governados, uma nova geração de autocratas estará muito exposta a intervir e tomar as rédeas do poder» e avisa que, caso estes tenham sucesso, «o mundo tornar-se-á mais violento, corrupto e perigoso para viver».
Já no fim do seu discurso, o almirante Gouveia e Melo deixou um aviso a Portugal: «Enquanto Estado Nação, deverá ter na formulação das suas políticas em consideração que o mundo não está nem parece caminhar para a paz global». À intervenção do Chefe do Estado-Maior da Armada, seguiram-se várias questões lançadas por elementos do público que esteve a assistir à sessão e a que este foi respondendo durante quase uma hora.
Foto | Luís Vieira Cruz