A “novela” arrasta-se há mais de dois anos e meio e não há fim à vista. Em maio de 2022, O Portomosense noticiou a preocupação do presidente da Junta do Alqueidão da Serra, Filipe Batista, na Assembleia Municipal, a propósito de um grupo de mais de uma dezena de cães vadios nas ruas da sede de freguesia. Na altura, o autarca, fazendo eco das preocupações da população a propósito do perigo de propagação de «pulgas, carraças e piolhos», questionou o «critério para a entrada de animais no canil» municipal, tendo o vice-presidente da Câmara, Eduardo Amaral, respondido que «a prioridade de recolha» é definida consoante o “tamanho” do problema, e que as gaiolas tinham lá estado colocadas, tendo conseguido apanhar alguns animais, mas que fora necessário deslocá-las para outras freguesias devido a situações mais graves.
Entretanto, o tempo foi passando, mas o problema volta e meia regressa às reuniões de Câmara e à Assembleia Municipal. A última vez foi a 15 de dezembro, pela mão do vereador do PS e morador do Alqueidão da Serra, Rui Marto, Na reunião de Câmara realizada em Mira de Aire, ainda o vereador praticamente não dissera as primeiras palavras e já na mesa se adivinhava o que traria a baila e daí os sorrisos que irritaram o autarca na sua curta intervenção sobre «um assunto mais ou menos abordado, mais ou menos metido para baixo do tapete, e que não apareceu há seis anos mas há menos [ou seja, já durante os mandatos do PSD]», como referiu. «Toda a gente se ri, andamos no jogo do empurra e desta vez foi fácil: mandei cinco cartas [para outras tantas entidades públicas], haja quem responda e depois fica escrito quem é que empurra para onde», frisou.
“Todos sabem mas ninguém identifica o dono”
Em resposta, o vice-presidente e vereador do Ambiente, Eduardo Amaral, começou por dizer que «estamos todos no mesmo barco» e que por isso lhe «custa muito ouvir o vereador Rui Marto falar dos cães do Alqueidão quando os cães [vadios] são um problema do país».
«Relativamente ao Alqueidão, a coisa até era fácil se as pessoas fossem honestas, porque toda a gente sabe quem é o dono. Só houve uma pessoa que teve a coragem de o dizer e a partir do momento em que soubemos, os nossos serviços foram procurar identificar e ver se os animais tinham chip. Uma vez que houve denúncia e se sabe quem é a pessoa, a GNR interveio. O que é facto é que os animais deixaram de estar junto à Escola Primária, o que atormentava os pais e os miúdos, e passaram para um outro lado», afirmou.
«Falar dos cães do Alqueidão é bonito, fica bem, é da sua terra, mas é preferível vermos isto de uma perspetiva mais alargada, porque é um problema comum a todos nós e só passa quando houver legislação adequada e que quem a faz obrigue a que seja cumprida, porque infelizmente continuamos a ver uma série de coisas que já não deviam acontecer, como cães presos a bidons. A questão do Alqueidão está a ser tratada como estão a ser tratadas outras», garantiu.
No dia seguinte, Filipe Baptista recuperou o tema, desta feita na Assembleia, recusando que, ao contrário do que terá dito «um técnico do Município», não identifica o dono dos cães, não por «o pretenso dono» ser seu familiar, mas por desconhecer quem o é de facto, até porque, como disse, não tem qualquer aparelho que lhe permita «ver se os animais têm chip e quem é o seu proprietário». A verdade é que «a GNR já falou com o suposto senhor e a informação que há é que já não pode fazer mais nada, portanto, se calhar os cães não são afinal dele».
«Neste atraso, uma cadela pariu cinco cães e temos vídeos a circular da matilha com sete ou oito cães. A casa do dito senhor é muito perto das escolas e é lá que eles têm andado», disse preocupado.
“Demos uma pistola de leitura à GNR”
Em resposta, Eduardo Amaral disse que «este processo está a decorrer de forma normal. «Tivemos uma primeira denúncia de pais que reportavam que existiam alguns cães junto à Escola Primária. Foi feita uma abordagem pelas nossas veterinária e enfermeira, chegando à conclusão que precisávamos que a GNR tivesse a sua participação. Esta não conseguiu identificar o proprietário e foi pedida a colaboração da Junta no mesmo sentido, mas voltou a não ser possível. Passado algum tempo recebemos a denúncia de outra pessoa de que os cães estariam a ser objeto de maus tratos, falta de alimentação, vigilância e abrigo. Com este novo dado voltámos a informar a GNR de que era realmente necessário intervir, mas ainda não sabemos o resultado dessas diligências», explicou. «Realmente a Junta não tem pistola, mas a Câmara investiu e já deu, inclusive, uma pistola de leitura desses chips à GNR para poder agilizar esses processos e trabalhar em sintonia», concluiu.
«Canil custou a todos nós 54 mil euros, este ano»
Na resposta ao vereador do PS, Rui Marto, a propósito da matilha de cães vadios que há anos preocupa a população do Alqueidão da Serra, o vice-presidente da Câmara, Eduardo Amaral, aproveitou para, mais uma vez, evocar uma série de números que segundo ele demonstram, por um lado, que o canil municipal está “a rebentar pelas costuras”, o que lhe pode, inclusive, acarretar problemas legais e, por outro, o muito que ali se faz e as verbas avultadas que são gastas para garantir o bem estar dos animais à sua guarda.
De acordo com o autarca, a capacidade do Centro de Recolha Oficial (a designação oficial do canil/gatil municipal) é de 40 cães, mas acolhe atualmente 63, o que obriga a «uma gestão cuidadosa do espaço de forma a dar resposta quase diária» a casos de «animais que ou são lançados para dentro do canil ou de ninhadas metidas em sacos de serapilheira». Há ainda situações «a acontecer demasiadas vezes» de cães que vivem nos apartamentos e que por morderem a vizinhos» têm de ser recolhidos pelo canil.
«Dos 64 há 40 que estão a aguardar processo judicial. Este ano, entraram no canil 139 cães e 83 gatos. Em média entram cerca de 11 animais por mês. A nossa grande vantagem é que temos conseguido, graças também ao trabalho das voluntárias, nomeadamente nas redes sociais, a adoção de alguns, mas as pessoas não querem cães velhos, mas cachorros. Se calhar é fruto da nossa sociedade, mas a verdade é que ninguém quer os velhos, esses ficam lá», lamentou.
«Este ano, o canil custou a todos nós, 54 mil euros» não estando incluído aqui o custo «com os ordenados dos funcionários». Só a avença para castrar e “chipar” os animais antes de serem adotados é de 3 500 euros. «Em materiais (exceto alimentação) foram gastos 12 mil euros e em medicamentos temos uma despesa na ordem dos 6 000 euros». «Sempre que um cão é atropelado na via pública e não tem chip, a Câmara é obrigada a suportar os custos do tratamento numa clínica», exemplificou.
Perante este cenário, Eduardo Amaral voltou a afirmar que o canil não consegue albergar mais animais e reconheceu «o esforço dos funcionários», justificando também que as próprias capturas não são fáceis de fazer porque «não podemos ir lá com uma espingarda com um dardo». Para o responsável autárquico, «a legislação é muito bonita» e a Câmara construiu um edifício e «teve vontade em criar condições para que estes casos pudessem ser minimizados», mas não é possível resolver tudo.
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