António Cunha: a definição de “parar é morrer”

20 Outubro 2020

Jéssica Moás de Sá

Pela forma ativa como se apresenta, custa a acreditar que António Cunha tem 72 e não 19. Mas é verdade, o portomosense, nascido em Rio Alcaide, já conta mais de sete décadas. «Ando em muita coisa, é uma forma de me sentir ativo porque fui sempre assim, desde a escola primária que queria sempre tentar aprender algo mais, em todas as áreas», diz. A nível profissional foi também um «homem dos sete ofícios». Quando terminou a quarta classe, foi trabalhar para uma fábrica de pedra, num tempo em que as crianças e os jovens começavam desde cedo a ajudar no orçamento familiar. Mas a sua vida viria a dar voltas e mais voltas, até porque António Cunha queria «aprender uma profissão».

«Ingressei numa empresa como servente, mas só dei serventia três meses», realça, explicando que em muito pouco tempo evoluiu para pedreiro. Mais tarde, descontente, com um vencimento baixo, pensou: «Tenho que ir mais longe». «Cheguei ao pé do meu pai e pedi-lhe 12 contos emprestados porque tinha vontade de ir para França», conta António Cunha. Foi para terras gaulesas ainda antes de completar a maioridade e por lá arranjou trabalho.

Regressou a Portugal para cumprir o serviço militar em Leiria, onde esteve seis meses. De Leiria passou para Coimbra. «Fui para a Escola de Enfermagem de Coimbra, para um curso intensivo, tirei a especialidade de Enfermagem e fui colocado no Hospital da Estrela, em Lisboa onde fiz o estágio». A etapa seguinte foi na Escola Prática de Artilharia em Vendas Novas, e dali saiu para África, para servir como enfermeiro militar. Desses tempos tem «histórias muito duras, que ficaram gravadas na memória». «Quando nos deparávamos com certas situações, tínhamos de as resolver com calma, descontração. Tinha que haver alguma frieza», recorda. Um episódio que não esquece foi quando ele próprio foi o dador de sangue de um dos seus pacientes. Hoje, estas peripécias escapam ao entendimento dos jovens, frisa António Cunha, embora agradeça o facto desses tempos já terem acabado e deseje que «nunca voltem a aparecer». Reconhece que se tornou «homem adulto ainda em jovem»: «Entrei no mundo do trabalho quando ainda devia brincar e divertir-me».

Depois, quando voltou à sua Pátria, não continuou a exercer enfermagem: «Naqueles tempos o vencimento que se ganhava era irrisório. Eu era casado, tinha compromissos e tinha que ganhar mais algum». Arranjou então trabalho «a ganhar quase o dobro» como motorista de camião e foi nessa empresa, ligada à construção, que esteve até se aposentar.

Viver e não sobreviver à reforma

«Há algo em mim, já nasceu comigo, que é tentar sempre ir um bocadinho mais além», afirma, e as múltiplas instituições onde se insere, são prova disso: Universidade Sénior, Banda Recreativa Portomosense, Coral Vila Forte, Bombeiros Voluntários de Porto de Mós, Trupêgo (grupo de teatro), são alguns dos exemplos. Quando nos recebeu estava noutro dos seus passatempos e um «refúgio», como o define, a horta e os animais (galinhas e coelhos). Era também aqui, neste espaço, que estava a ensaiar cavaquinho, porque, diz, «tem de se ensaiar para não se perder a prática», embora agora as demonstrações públicas, face à pandemia, estejam praticamente paradas. E onde é que aprendeu a tocar cavaquinho? Na Universidade Sénior.

Está na Universidade pertença do Rotary Club de Porto de Mós, desde o princípio, há oito anos. Os alunos podem escolher as disciplinas onde se querem inscrever, entre os conteúdos estão música, cântico, português, informática, teatro e psicologia. António Cunha está «em quase todas», embora admita que ultimamente se virou mais para o cavaquinho, uma grande paixão, assim como o cântico. É, aliás, um dos tenores no Coral Vila Forte e na Banda Recreativa Portomosense faz parte da direção. Não se fica por aqui e também dá cartas no teatro, no grupo portomosense Trupêgo, onde também é um dos membros da direção.

Ser tão ativo nesta idade, infelizmente, não é algo que António Cunha veja na maior parte das pessoas da sua geração. É por isso que deixa um conselho: «Mexam-se, entrem nas instituições, ajudem-se porque serão sempre bem-vindos». O portomosense vai mais longe e diz que é fundamental que as pessoas, a partir de uma certa idade, exercitem o corpo e a mente.
«Ao tocar-se um instrumento ele requer uma capacidade de memorizar quase ao milésimo de segundo. Requer destreza que exercita a mente. A parte cognitiva é influenciada, e isso também aprendi com uma professora de Psicologia na universidade, se exercitarmos o cérebro ajudamos na regeneração das nossas células», frisa.

«Quando me perguntam se tenho tempo para isto tudo, eu digo que tenho tempo para isto tudo e até teria para muito mais, é preciso é haver força de vontade», garante. António Cunha tem a certeza que «enquanto o físico e a parte cognitiva o permitirem» não parará.

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