Jéssica Moás de Sá

Ao topo do quê?

4 Set 2023

Esta edição tive o gosto de conversar com duas jovens mulheres, uma delas natural do concelho de Porto de Mós – mas emigrada em Londres desde 2016 –, que juntas pedalaram seis mil quilómetros pela Europa, passaram por 12 países, tudo isto em 95 dias. Foi mais de uma hora de conversa onde, confesso, me deixei deslumbrar pela coragem, determinação, força de vontade de Catarina Loureiro e Gwendolyn Sim. Entre as partilhas que fazem, talvez a afirmação “restaurámos a fé na humanidade” seja a que mais tem ecoado pelos meus dias. Não encontraram pessoas más, garantem. Em todos os países, a forma generosa como foram tratadas fez com que voltassem «a confiar», quando, admitem, o tinham deixado de fazer, fruto de viverem numa grande cidade «onde ninguém confia em ninguém». Optaram por viajar pelas zonas rurais porque queriam uma viagem autêntica e nada mastigada em pacotes turísticos feitos “para inglês ver”. Talvez por isso tenham encontrado as pessoas mais puras, em aldeias e vilas que se mantém fiéis a si mesmas.

E por falar em ser fiéis a si mesmas… Catarina e Gwendolyn não o podiam ter sido mais. Não se deixaram cair na rotina dos seus empregos e arranjaram tempo para os sonhos. Com medo? Sim, não negam, mas sobretudo com muita «vontade de o ultrapassar». Não deixaram que o «tempo sabático para viajar com tempo» ficasse na gaveta porque, para elas, o investimento em ter tempo para fazer o que se ama, da forma que se ama, foi para o topo das prioridades. O que é topo? Quantos de nós já imaginámos um topo com prioridades trocadas? O topo é a conta bancária de muitos zeros? Será um estatuto profissional? Ou será uma casa onde cabem muitas pessoas, mas pouco amor? Sei que para mim, o topo não são estas coisas, mas o importante é que cada um saiba o topo que quer para si e sobretudo que não construa esse topo com base no que os outros querem.

Este editorial – confesso – é inspirado numa música (Também Sonhar) escrita e interpretada por Slow J e com a partipação de Sara Tavares. Ele escreve assim: Bem-vindo ao topo/Topo do quê?/ Topo pra quem?/ Qual é o teu sonho?/ Protege-o bem/ Pra não esqueceres/ A vida vai levá-lo sem te aperceberes/ Eu quis sonhar mais alto, perguntei a Deus/ “Será demasiado? Eu só quero ser eu”. Também eu só quero ser eu. E também Catarina Loureiro e Gwendolyn Sim foram só elas. E as suas bicicletas.