
Foto: Jéssica Silva
Há precisamente um mês, dava-se início à apanha da fruta na região Oeste de Portugal uma zona reconhecida como sendo o berço da produção de pêra rocha. Também a maçã já começou a ser colhida, mas dependendo da sua qualidade varia o tempo de colheita. Intrínseca na sua génese, a região Oeste tem fortes tradições na produção tanto de pêra rocha como de maçã e por isso, nesta altura, são milhares as pessoas que rumam aos pomares para procederem à apanha da fruta, uma campanha que, este ano, se prevê que «termine já no próximo mês».
Esta é uma atividade que está permanentemente dependente das oscilações climatéricas, não fosse a influência direta que tem na época de floração e no vingar dos frutos. Foi com o intuito de perceber o que envolve esta ação numa região tão rica em matéria de fruticultura que O Portomosense foi falar com dois fruticultores.
Natural de Mirandela, Arlindo Rufino, de 63 anos, é caseiro e fruticultor há 35 anos numa quinta na Ribeira de Baixo. Sobre o motivo que o trouxe até ao concelho, refere que foi «por causa do trabalho» porque naquela altura «havia muita escassez de ofertas», confessando mesmo que chegou a ter que rumar ao estrangeiro em busca de uma vida melhor.
Segundo conta, a oportunidade surgiu aquando de uma consulta hospitalar, em que o seu médico sabendo das dificuldades que tinha em arranjar trabalho, lhe disse que tinha uma quinta em Porto de Mós e lhe perguntou se não queria ir para lá trabalhar. Arlindo Rufino não pensou duas vezes e mudou-se de armas e bagagens, com a sua esposa e os quatro filhos.
Numa quinta com 11,5 hectares, em que 7,7 são destinados a macieiras e pereiras, o transmontano não tem mãos a medir. Questionado sobre quando começou a época de apanha da fruta este ano, refere que começou no dia 19 de agosto com a pêra e irá prolongar-se até «finais de outubro ou princípios de novembro». Com diversas variedades de maçã, Arlindo Rufino confessa que por «causa das temperaturas», a apanha da maçã Golden atrasou, justificando que o «calor tem tendência a prolongar o tempo da apanha».
Quem partilha da mesma opinião é João Paulo Rosa que vê a fruticultura como um hobbie e que tem na canalização o seu emprego a tempo inteiro. Com 51 anos, ganhou o gosto pela área em criança, através do seu pai que fazia da fruticultura um modo de vida. Apesar de acreditar que hoje em dia «anda-se a trabalhar para aquecer», é de voz embargada que refere que o pai «sacrificou-se muito» para deixar as coisas «minimamente organizadas» e por esse motivo, confessa que «não é pessoa de virar costas».
Atualmente com três pomares em Alpedriz, Casais Garridos e Andaínho que atingem os 10 hectares, entre maçãs e pêras, João Paulo Rosa adianta que este ano, a «fruta adiantou para aí uma semana», relativamente ao ano passado, um facto que se deveu «aos nevoeiros e à humidade» que «obrigaram a fruta a amadurecer».
Os cuidados a ter na fruticultura
Se o processo propriamente dito da apanha de fruta, se cinge entre dois a três meses, já os cuidados a ter com as árvores são diários e implicam uma série de procedimentos, de forma a não comprometer a produção.
Uma ação essencial quando se fala em fruticultura é a rega. Apesar da dimensão da quinta de que toma conta, Arlindo Rufino confessa que o sistema de rega necessita de ser mudado manualmente, porque ainda não está «preparado com auto-válvulas». Com as árvores divididas por setores, cada um rega «à volta de quatro horas por dia», sendo que não estão todos a regar ao mesmo tempo. No total, cada árvore recebe cerca de 32 litros de água por dia.
Por oposição, João Paulo Rosa, quando questionado sobre qual a sua escolha no que toca ao sistema de rega, é perentónio: «Rega gota-a-gota e nem podia ser de outra maneira!», justificando com facto de ter o «seu trabalho» e que dessa forma, só precisa de ir aos pomares ao final do dia «ver se está tudo bem» porque sabe que as árvores recebem um total de 10 litros de água por dia.
Existem outras ações que a maioria dos fruticultores são “obrigados” a realizar, como é o caso da necessidade de recorrer a pulverizações e químicos com o objetivo de «eliminar todas as pragas». Na quinta que gere, Arlindo Rufino confessa que imediatamente a seguir à rebentação da árvore tem que se «pulverizar para piolhos e fungos». Às vezes, acontece ter que ser antes porque há «pragas que começam a atacar mesmo antes da rebentação». Esta é uma tarefa que, normalmente faz sozinho e requer cuidados redobrados. Dependendo do produto utilizado, há «períodos de segurança» que devem ser respeitados e em que «não convém mexer», sob pena de este não fazer efeito ou de colocar em risco a saúde de quem lhe toca.
Também João Paulo Rosa descreve que, por este ano ter sido húmido, os cuidados foram acrescidos: «De oito em oito dias era necessário estar “em cima” da fruta, estar de olho nela, senão não havia nada de jeito», confessa. Uma realidade diferente da que se viveu em 2018, um ano considerado quente, em que a periodicidade era de «15 em 15 dias». O fruticultor assume que esta mudança meteorológica lhe trará dissabores porque a «fruta vai ficar mais cara» tudo por causa dos «tratamentos aplicados».
Com o intuito de fortalecer as árvores, outra das ações imprescindíveis é a poda que, além de contribuir para o seu desbaste, leva a que estas se renovem. Esta é outra das tarefas que Arlindo Rufino faz sozinho, de forma prolongada, sendo que começa a podar em novembro e só acaba em maio. No caso de João Paulo Rosa, este conta com o auxílio de dois podadores, numa tarefa que é anual.
Produtividade
do setor
Arlindo Rufino confessa que a fruta presente na quinta integra-se no método de proteção integrada, ou seja, dentro de uma modalidade que se traduz na produção de produtos agrícolas de melhor qualidade. Por este motivo, é necessária uma avaliação em que apenas «se usam produtos de proteção integrada». Segundo Arlindo Rufino, depois da fruta ser apanhada segue para a Cooperativa Agrícola de Porto de Mós, da qual é sócio, e que depois procede à sua distribuição para as cadeias de supermercados. O fruticultor relata que essa é a «primeira fruta a ser vendida» pois as grandes superfícies «assim o exigem», conta.
É de sorriso nos lábios que, recorda que, há três anos, apanhou à volta de «200 toneladas», de maçã e pêra, o que considera ter sido um «bom ano». No entanto, os tempos áureos já lá vão e apesar da época da apanha ainda não ter cessado, já consegue fazer um balanço e conclui que «este ano é muito fraco», por causa da produção ter sido «muito baixa», e por isso prevê que não vá além das «60 toneladas».
Por sua vez, João Paulo Rosa afirma que este ano vai «tirar o dobro do ano passado», prevendo cerca de 55 toneladas de maçã e pêra. O fruticultor realça o facto de este ano haver «melhor fruta, com mais quantidade e melhor calibre», no entanto, reconhece que «houve pessoal que teve azar» porque foi um ano muito chuvoso e quem não tomou as devidas precauções, o «pedrado entrou e 50% da fruta vai para o lixo».
Os principais motivos para a baixa produção, no entender de Arlindo Rufino, além da meteorologia que propicia a proliferação de pragas e doenças, é a longevidade das árvores. Na sua quinta, a árvore mais antiga é uma pereira que conta já com quase 50 “primaveras”. Arlindo Rufino reconhece que apesar de ainda continuar a produzir, já «não dá tanto fruto» e o que dá «não é de qualidade» porque os calibres não aumentam, ou seja, ficam sempre «pequeninas». É por isso, no seu entender, urgente a necessidade de se «repensar o pomar e comprar novas árvores».
Também João Paulo Rosa confessa que a árvore mais antiga que tem, conta com 25 anos, mas apesar de continuar a ser produtiva, já não dá aquela «fruta bonita e grossa», ficando por uma fruta «branca que vai perdendo o calibre e a coloração» com o passar dos anos.
O papel dos “apanhadores de fruta”
Na tarefa de apanhar a fruta, que hoje em dia ainda é feita de forma manual, há quem tenha um papel absolutamente indispensável. Um deles é o engenheiro que se desloca aos pomares munido de aparelhos para fazer uma avaliação em que se «mede a dureza e os níveis de açúcar» e é a ele que cabe a tarefa de dar o aval para o início da apanha.
Depois de dada a “luz verde” é uma corrida contra o tempo, porque, como refere Arlindo Rufino, «a maturação continua». Os apanhadores de fruta são pessoas que necessitam de possuir um olhar sensível impossibiltando que fruta que não cumpre com os parâmetros conste nas caixas que seguem para a Cooperativa. Na quinta de Arlindo Rufino são oito as pessoas, com idades entre os 18 e os 67 anos, desde estudantes a reformados que procedem à apanha da fruta e que procuram um «dinheiro extra». As pessoas batem-lhe à porta mas confessa que às vezes são tantas e «não se podem meter todas as que vêm pedir». Depois disso, refere que «olha mais ou menos para a pessoa, vê se tem perfil» e é assim que o recrutamento é feito.
Uma realidade diferente tem João Paulo Rosa que lamenta a dificuldade em «arranjar pessoal» e salienta mesmo que há pessoas que não querem «um trabalho árduo». Afirma que não pode estar a pagar a pessoas para «andarem a passear o “baldinho”». Nos seus pomares, o fruticultor tem a seu cargo cerca de nove pessoas com idades entre os 15 e os 72 anos.
Para alguns pode parecer uma tarefa simples, mas é uma ação que implica uma certa minúcia, não fossem as normas de comercialização em que é necessário respeitar a categorização dos calibres. Segundo Arlindo Rufino, o «calibre mínimo da pêra é de 55 milímetros, e de 65, no caso das maçãs» e acrescenta que a fruta que entrar na Cooperativa com calibre inferior ao estipulado, é considerada refugo, ou seja, é «excluída e não é paga».
Quanto à fruta que não preenche os requisitos, é deixada cair e depois o transmontano «passa-lhe com o trator por cima», para servir de fertilizante, tendo o cuidado de o fazer imediatamente a seguir à apanha porque se ficarem por muito tempo ao ponto de apodrecerem «vão criar um ácido que pode prejudicar a árvore».
No momento da apanha, caso estejam na árvore frutas com tamanho inferior, existe sempre uma segunda alternativa que pode ser dada: a “concentra”, em que o destino final da fruta passa por ser usada em sumos e champôs.
É com uma certa amargura que João Paulo Rosa fala deste tema, referindo que «não há um preço estipulado» e que no final «eles dão o valor que querem». E vai mais longe, dizendo: «Se houvesse, até deixava o meu trabalho e ligava-me à agricultura, assim não consigo», refere.