Domingo, 13 de junho, foi dia de festa em dose dupla para Arrimal. Em pouco mais de uma hora, a comunidade local inaugurou o Salão de Santa Maria, que serve de apoio às várias iniciativas da paróquia, e testemunhou aquele que é o primeiro passo para a recuperação da chamada Igreja Velha de Arrimal, algo há muito ambicionado. Houve ainda tempo para inaugurar uma exposição de arte sacra, constituída por peças do espólio da antiga igreja recuperadas nos últimos dois anos por Rodrigo Martins, um filho da terra.
Numa situação normal, a inauguração do edifício, que é consequência de uma necessidade premente da paróquia e fruto do empenho e da generosidade do povo (reforçada com contributos públicos e privados de cariz empresarial) seria o principal motivo de festa mas as atenções acabaram por se dividir entre a obra nova e a prometida.
Em boa verdade, a celebração do contrato de comodato entre a Fábrica da Igreja Paroquial e o Município, que coloca nas mãos deste último o edifício da Igreja Velha para que o possa recuperar e lhe dar uma nova vida, pondo-o a seguir ao serviço da comunidade, foi, talvez, o momento mais representativo do dia e não custa perceber o porquê. A Igreja Velha está desativada há quase 50 anos mas o desejo de não a deixar cair em ruínas é quase tão antigo e ultrapassa a paróquia e a própria União de Freguesias, sendo partilhado por muitos portomosenses de todo o concelho.
E o que promete a Câmara fazer do velho templo? Várias coisas. De acordo com um documento anexo ao contrato de comodato, a igreja será transformada num Centro Comunitário de Artes Criativas e Produtos da Terra e para liderar o processo de reabilitação e de transformação desse espaço foi chamado um filho da terra: Paulo Durão, arquiteto que há não muitos anos foi considerado pela mais importante revista internacional da especialidade, como uma das jovens promessas da Arquitetura.
O futuro Centro contará com um espaço dedicado ao artesanato e à tecelagem aproveitando saberes e práticas antigas na localidade e porque estamos em território rural será criada uma loja de produtos da terra. E se no caso do artesanato se pretende recuperar um património e poder dar a possibilidade aos turistas de comprarem peças de tecelagem com o selo de Arrimal, no dos produtos locais o objetivo é estimular a produção local e ajudar no processo de comercialização, algo sempre difícil por não haver uma produção em série e por vezes ser tarefa árdua a legalização de produtos artesanais. De acordo com o documento, a aposta passará sempre por estimular a inovação, o design, o aproveitamento de subprodutos, entre outras estratégias de valorização. A loja funcionará como “intermediária” entre os produtores locais e os turistas.
Ainda na perspetiva de valorização da memória, irá funcionar um centro expositivo, um projeto sócio-cultural que consiste numa exposição de artes visuais onde a comunidade e os artistas são convidados a dialogarem com as suas memórias através de um processo criativo que culmine num trabalho original, ideias, sensações e impressões que vão ser materializadas e partilhadas através da fotografia, pintura, escultura, ilustração, vídeo, design, instalação, arquitetura e tecelagem. Pretende-se divulgar as artes e tradições com um forte envolvimento da comunidade e dos arrimalenses com formação e conhecimentos de vida.
O Centro Comunitário quer acarinhar o saber-fazer, o tradicional, aquilo que é o trabalho do homem nas suas formas mais simples, mas também ser espaço para a divulgação e promoção da Ciência. Nesse sentido, prevê-se que a Igreja Velha de Arrimal albergue também um centro de observação de morcegos aproveitando o facto de ali se ter fixado uma colónia de morcegos. O objetivo é potenciar a sua presença para dar a conhecer esta espécie à comunidade e aos turistas. A proposta é reunir parceiros como o ICNF e o Instituto Politécnico de Leiria e criar um centro de observação, equipado com um sistema de videovigilância de visão noturna de alta resolução, o que permitirá criar um posto de observação permanente onde poderemos observar, por exemplo, nascimentos, amamentações, primeiros voos, graças a imagens recolhidas 24 horas por dia.
Um centro interpretativo da água e das lagoas é outra das propostas para parte daquele espaço. As lagoas de Arrimal, às quais se junta a de Portela de Vale de Espinho, são elementos emblemáticos da paisagem concelhia e espaços de vida em termos de flora e fauna e daí ter nascido a ideia de criar um espaço de informação e educação ambiental de apoio à investigação e preservação da água no Maciço Calcário Estremenho, que funcionará graças a parcerias com a comunidade científica regional e nacional.
Por fim, e num regresso às origens, o velho templo contará, ainda com um centro de retiro espiritual. Além das dinâmicas locais religiosas este espaço será também de apoio à comunidade para a formação religiosa, para o peregrino, para o caminhante, articulando-se com os Caminhos de Fátima e os Percursos de Monge de Cister.
Paróquia e autarcas satisfeitos com solução encontrada para a Igreja Velha de Arrimal
No decorrer da cerimónia de inauguração, o pároco local, padre Leonel Batista, disse que desde que entrou na paróquia uma das suas preocupações tem sido o património da mesma e isso tem passado pela «criação de novos espaços», como é o caso do Salão de Santa Maria, procurando sempre que «sejam úteis e tenham qualidade», mas também pela preservação e valorização daquilo que existe, e daí a assinatura do protocolo com a Câmara e a recuperação das peças de arte sacra.
Já o presidente da Junta, Jorge Paulo Carvalho, considerou a obra do Salão como «uma mais-valia para a população» reconhecendo, contudo, que «não foi fácil para a comissão da igreja e para o senhor padre fazer uma obra nesta altura de pandemia mas cá tiveram os presidentes da Câmara e da Junta para ajudar». Igual mais-valia é, no entender do autarca, a recuperação da Igreja Velha, saudando, por isso, «o presidente da Câmara por este esforço que vão fazer».
Por sua vez, o presidente do Município, Jorge Vala, deu «os parabéns à comunidade do Arrimal pela obra [do Salão] que está aqui praticamente concluída e que começou a ser pensada há uns anos» e pela recuperação das peças de arte sacra. Segundo o edil, «devemos pensar o futuro e viver o presente sem nunca esquecer a memória e é nesse sentido que se vai recuperar a Igreja Velha, um templo que tem uma história muito ligada à população do Arrimal e que não podemos deixar morrer», frisou.
Jorge Vala mostrou-se bastante satisfeito com o desfecho das negociações iniciadas com a Diocese em 2019 e das quais resultou o protocolo «que responsabiliza o Município a reabilitar este templo». Antes de falar daquilo que será o futuro Centro Comunitário e de se congratular por «um dos mais promissores arquitetos da nova geração do nosso país ter aceitado ser parceiro», referiu que no imediato a Câmara vai «limpar e vedar o espaço da igreja e analisar onde tem de intervir».
Por último, o Vigário-Geral da Diocese, padre Jorge Guarda, felicitou a paróquia por mais este novo edifício «que servirá para múltiplas atividades, desde a confraternização, à cultura, para usufruto da comunidade mas também para iniciativas de angariação de meios para a subsistência da paróquia». O representante do bispo diocesano felicitou também a Câmara «por ter aberto esta possibilidade de recuperação da Igreja Velha do Arrimal», um edifício que diz acompanhar «há mais de 20 anos e que era uma preocupação para a qual não se via solução», sublinhou. De acordo com o padre Jorge Guarda, este tipo de edifícios depois de recuperados têm «uma função prática mas também um valor memória» e isto é muito importante porque «uma comunidade sem memória é uma comunidade sem vida, sem coisas para contar, sem valores para viver e para transmitir aos vindouros». Além disso «a memória ajuda a alimentar a espiritualidade», defendeu.
O responsável diocesano fez ainda um veemente apelo para que a população usufrua e acarinhe o futuro centro comunitário.