A Associação da Calçada Portuguesa (ACP), que integra os municípios de Lisboa e Porto de Mós, a ASSIMAGRA, a Universidade de Lisboa, a União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa e o grupo português da Associação Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual, apresentou no dia 19 de março, a proposta de inscrição do saber-fazer da calçada portuguesa no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial. «A salvaguarda de uma arte única, que é parte da cultura e da identidade de Lisboa e de Portugal no mundo é o mote desta proposta» explica a ACP em nota de imprensa.
Para a associação «a calçada portuguesa, mais do que um pavimento, é um fator de identidade, de afetividade e de diferenciação histórica, artística e cultural nacional, arte que transporta em si a sensibilidade artística de um povo, que muito contribuiu para manter a pegada dos portugueses no mundo, que importa proteger, valorizar, promover e internacionalizar». Além disso, realça, «a calçada portuguesa contribui para a requalificação dos espaços públicos urbanos, revela-se como um fator de impacto considerável na qualidade de vida das populações e na potenciação da identidade artística nacional e dum saber-fazer artesanal que é uma arte única no mundo».
De acordo com a ACP «a promoção desta arte vai implicar parcerias estratégicas a estabelecer com entidades públicas e privadas, nacionais e internacionais, nomeadamente em áreas como: Indústria, Investigação, Educação e Formação, Arte e Cultura, Ordenamento do Território e Sustentabilidade Ambiental, Promoção e Marketing, e Turismo…». E porque «sem os profissionais detentores do saber-fazer» não haveria calçada, o primeiro passo é o reconhecimento nacional do saber-fazer enquanto Património Cultural Imaterial. Se esse objetivo for atingido, a etapa seguinte será a candidatura a Património Cultural Imaterial da Humanidade, da UNESCO.
Na apresentação, que decorreu nos Paços de Concelho de Lisboa e teve transmissão online, o secretário-geral da ACP, António Prôa, começou por realçar um pormenor curioso: «Em Lisboa, pode-se dizer que a street art começou com a calçada portuguesa». O responsável identificou a seguir as ameaças e as oportunidades com que esta “arte” se depara. Assim, do lado das ameaças chamou a atenção para «a diminuição de mestres calceteiros, a insuficiente comodidade e segurança quando o material é mal aplicado ou não tem a manutenção adequada e o aparecimento de pavimentos alternativos e a preços mais reduzidos», a que se juntam «a falta de certificação da profissão de calceteiro e a ausência de certificação profissional, a perda de autenticidade se não se respeitarem regras e normas de construção e, finalmente, o declínio das indústrias extrativas e de transformação da pedra».
Já do lado das oportunidades, sinalizou a promoção da calçada como elemento distintivo e identitário, a valorização da profissão de calceteiro enquanto saber-fazer singular, a reabilitação e conservação de espaços públicos, a adequação às necessidades de mobilização das pessoas, a promoção de novas propostas artísticas, a potenciação da eficiência e da sustentabilidade ambiental e, por último, o desenvolvimento de novas estratégias e negócios para a marca “calçada portuguesa”.
Os promotores da candidatura mostram-se fortemente empenhados na promoção da calçada portuguesa mas reconhecem que há dificuldades a ultrapassar em termos técnicos e ao nível dos recursos humanos. Assim, «a má execução das calçadas mais recentes e a falta de manutenção adequada têm vindo a gerar contestação por colocarem, por vezes, em risco o conforto e a segurança dos peões». Por outro lado, há uma clara escassez de calceteiros e a profissão é mal paga e pouco reconhecida em termos sociais. «Enquanto em 1927 havia 400 calceteiros no município de Lisboa, em 1979 eram já só 30 e em 2020 apenas 18 e desses só 11 estavam no ativo».
A proposta, agora apresentada, «implicou uma contextualização histórica da calçada portuguesa e um estudo etnográfico com o fim de caracterizar e conhecer os seus profissionais e o seu saber-fazer. Envolveu levantamento fotográfico e documental nos arquivos da Câmara de Lisboa, levantamento bibliográfico e ainda de documentos fílmicos e áudio associados. O estudo etnográfico teve por base a observação participante, e implicou várias visitas de campo para observação direta da atividade, para entrevistas e recolha de histórias orais e de vida», adianta a associação na mesma nota. No documento são ainda preconizadas «uma série de medidas de salvaguarda em áreas tão diversas como o estudo e investigação, a divulgação, valorização e sensibilização, a educação e transmissão e ainda a valorização patrimonial».
Lisboa e Porto de Mós “partilham” praça
Durante a apresentação da proposta de inscrição da calçada portuguesa no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, disse tratar-se de «um dia muito especial» dado que a calçada «faz parte da identidade da cidade». No seu entender, há muito que aquela ultrapassou «a dimensão de pavimento, a dimensão de arte urbana e tem muito esta dimensão identitária, que nos reúne, que nos identifica, que nos autonomiza face a outras realidades». Nesse sentido o autarca da capital comprometeu-se a apoiar todas as iniciativas que contribuam para a promoção e a preservação da calçada portuguesa.
«Eu vejo este dia não como o fim, mas como o início de uma nova etapa que nos deve levar a bater pela arte da calçada como Património Imaterial da Humanidade», reforçou Fernando Medina.
Em declarações ao nosso jornal, o vice-presidente da Câmara de Porto de Mós, Eduardo Amaral, começou por recordar que a Associação da Calçada Portuguesa (ACP) foi criada em 2017 mas Porto de Mós só manifestou interesse de a integrar, em 2020, facto que causa alguma estranheza ao autarca uma vez que «se Lisboa tem os pavimentos em calçada e os calceteiros, Porto de Mós tem toda a parte de extração e alguma de aplicação».
«O atual executivo percebeu a importância de aderir a esta associação, fez o pedido (que foi aceite), e apesar de entrar mais tarde, viu-lhe ser atribuído o estatuto de sócio fundador. Somos a par de Lisboa, a única câmara presente e sentimo-nos honrados com esse facto», sublinha Eduardo Amaral.
De acordo com o autarca, Porto de Mós tem todo o interesse na valorização e no reconhecimento público e oficial do saber-fazer da calçada portuguesa e já está a beneficiar do trabalho desenvolvido pela associação. Entre as várias ações previstas está uma que deixa o autarca particularmente agradado: Porto de Mós e Lisboa vão ter um espaço em tudo semelhante, em calçada portuguesa, em que serão homenageados os profissionais de saúde e todas as pessoas que têm estado na chamada linha da frente do combate à COVID-19. Por cá, a “praça” irá ocupar o espaço onde até agora estava um deck de madeira junto à esplanada do Parque Almirante Vítor Trigueiros Crespo.