As empresas que ficam quando as outras se vão

8 Maio 2023

Bruno Fidalgo Sousa

Na aldeia de Barrenta, na União de Freguesias de Alvados e Alcaria, há somente duas empresas: o Café Carreira e a oficina de serralharia nivek.. O primeiro é, há 28 anos, propriedade de Júlia Carreira e do marido, José Carreira; a segunda é a empresa do neto de ambos, que não vive na aldeia serrana, e que o trabalho leva rotineiramente para outras paragens. Devido à Internet? «Também», responde Júlia Carreira. A septuagenária não tem essa valia, mas também não precisa. Já tem os clientes regulares – «todos os domingos, durante a semana não», explica. O “senhor Zé” trata da grelha, ela cozinha e serve às mesas. A ementa tem «cozido à portuguesa, feijoada, chanfana, bacalhau com batata a murro, costeleta de vitela», e os clientes chegam da Nazaré, de Leiria e de «todo o lado», conta, com algum orgulho, a proprietária, que recebe entre 50 a 80 pessoas todos os fins de semana. Todavia, se aos domingos a casa enche, durante a semana «há pouco que fazer». Quando chegámos à Barrenta, o Café Carreira estava, inclusive, fechado. Esperámos 15 minutos e lá apareceu Júlia Carreira. Tinha ido a Porto de Mós com o marido, «porque os clientes também não são muitos» e, assim, aproveita para se «distrair um bocadinho». Perdeu, contudo, um freguês naquele espaço de 15 minutos em que estivemos à espera – um homem chegou, viu que o estabelecimento estava fechado e foi-se embora. Provavelmente foi beber café a uma aldeia vizinha – a mais próxima está a 1,4 quilómetros –, mas isso não preocupa Júlia Carreira: «Só o café ia ser difícil, porque vem muito pouca gente. Se calhar, se não fosse o restaurante, não aguentava», acredita.

Este é um exemplo de muitos: cafés, mercearias, bares, restaurantes, oficinas. Microempresas (havia, segundo dados de 2019, 1,2 milhões destas em Portugal) que são negócios de família, cujas receitas (os mesmos dados indicam que estas empresas representavam cerca de 20% do PIB) são diminutas perante os vários desafios que encontram, quer a nível económico, quer a nível social, com o advento das grandes superfícies comerciais e a desertificação do mundo rural. E se parece ser essa a opinião de Júlia Carreira e de Maria João Ferreira, que tem uma mercearia em Alvados, a opinião de Arminda Januário, proprietária do Café Ilídio, em São Bento, dá outra perspetiva ao tema: «Se este negócio fosse em Porto de Mós, já tínhamos fechado há muito», afirma.

Um café que não paga renda

Quem entra em São Bento, vindo de Serro Ventoso, encontra à sua esquerda uma casa de dois andares, em tudo semelhante às demais, excetuando o toldo branco onde, sobre a entrada, se lê “Café Ilídio”. Quem lá entra, contudo, não é só “um café” que vai encontrar. Ao contrário do Café Carreira, ali há gente a jogar às cartas e duas pessoas atrás do balcão: Arminda Januário e a filha, Sandrina Ribeiro, são as responsáveis pelo café, mercearia e papelaria, mas também pela venda de gás, rações e raspadinhas. O marido, Ilídio Ribeiro, trata do gado, a matriarca, das compras, a filha é o futuro do estabelecimento – que não prevê fechar. É que, «se fechar, [os clientes] acabam por sentir a falta, porque isto é uma coisa que chegam aqui e compram, não precisam de estar a fazer quilómetros, é rápido, para desenrascar», explica Sandrina Ribeiro. As comerciantes dão exemplos de estabelecimentos conhecidos em Porto de Mós «e que já fecharam», tal como alguns outros em São Bento. É essa falta de concorrência, aliada à panóplia de ramos onde atua o Café Ilídio, que as ajuda a manter o espaço. Tal como a renda – ou a falta dela –, já que os proprietários habitam no andar de cima. Sandrina Ribeiro explica que «às vezes [as lojas mais pequenas] não ganham para a despesa, mas ela [a mãe] pelo menos está no espaço dela, pelo menos essa parte não a paga, já está paga», acrescenta. Júlia Carreira, cuja casa se situa paredes-meias com o Café Carreira, concorda, e a alvadense Maria João Ferreira, também.

cafe ilidio | Jornal O Portomosense

Uma mercearia que não precisa de nome

«Maria João», responde a proprietária, entre risos, quando lhe perguntamos o nome da mercearia que gere em Alvados. «Não tem nome», completa. Não precisa, aliás. Toda a gente a conhece em Alvados e toda a gente conhece a mercearia que Maria João Ferreira herdou do pai, que a herdou do avô. É a única mercearia naquela aldeia, porque «as que havia já fecharam». Hoje, diz, «vai-se andando, uns dias melhor, outros dias pior, mas vai-se vendendo alguma coisa», o que, aliado às horas que Maria João trabalha nos espaços hoteleiros locais, ajuda o negócio a subsistir. Falando em turismo e turistas: «Não compram muito, mas as pessoas que estão alojadas sempre vêm buscar alguma coisa», diz, e a localização, junto à Igreja de Alvados, também ajuda. À semelhança dos estabelecimentos já referidos, a mercearia tem «clientes certos, pessoas que sempre» ali foram, desde o tempo do seu pai, até. Quando «as pessoas se esquecem de trazer [compras] de outro lado» ajuda, e o facto de, em simultâneo com a mercearia, vender bilhas de gás.

Mas, ao contrário de Arminda Januário e de Júlia Carreira, Maria João Ferreira não vai às compras: «Os fornecedores vêm-me trazer». Já a septuagenária da Barrenta vai a Porto de Mós renovar o stock e a sambentonense dirige-se a um grossista três vezes por semana. Nenhuma das três tem funcionários que o façam, à exceção da filha de Arminda Januário, e todas concordam que não seria exequível pagar a alguém.

mercearia da maria joao em alvados FOTOS bruno fidalgo sousa 27 | Jornal O Portomosense

Não tem sido fácil o novo grande desafio para as microempresas: a inflação. Os preços já subiram, quer da «matéria-prima», quer nos próprios estabelecimentos. Não podia ser de outra forma, diz Arminda Januário, caso contrário «não rendia». Também Júlia Carreira relata que já foram «obrigados a subir alguma coisa», e Maria João corrobora.

É um negócio ingrato, acredita, daí que já lhe tenha «passado pela cabeça» encerrar o espaço. «Mas também para onde é que uma pessoa vai?», questiona. Nem os clientes deixariam: «Ainda no sábado, houve uma [cliente] que me disse assim: “Tu não podes fechar isto, que isto faz muita falta”». E continua: «Porque há terras que já não têm nada, por exemplo em Alcaria, até às vezes vêm aqui, se precisarem de um quilo de arroz ou de um garrafão de lixívia, é mais perto vir aqui do que ir a Porto de Mós de propósito». Ou até outros produtos, regionais – como os bolos secos do Juncal, «um dos bolos que se vendem mais» – ou menos regional – «por exemplo, sabão azul. Há pessoas de Mira de Aire que vêm buscar. Eu não andei a procurar noutros lados, mas há pessoas que dizem que não encontram…».

Fotos | Bruno Fidalgo Sousa

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