O problema da falta de profissionais de saúde no concelho voltou a ser tema na última reunião de Câmara pública realizada a 1 de junho em Serro Ventoso. A autêntica novela em que se transformou a questão teve mais um episódio, desta vez com oposição e poder a mostrarem o desconforto tanto pelo teor do “direito de resposta” da Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP), como do da Unidade de Saúde Familiar Novos Horizontes (USF) que publicámos na nossa última edição.
Mais do que desconfortáveis, os autarcas revelaram-se «unidos na crítica àquilo que é a crítica feita pelos responsáveis da USF e da UCSP», como sublinhou no final o presidente da Câmara.
Mas vamos por partes. Para já, uma nota de enquadramento: Na sequência do acompanhamento noticioso que fizemos da Assembleia Municipal de 26 de abril e da reunião de Câmara de 4 de maio, tanto a USF Novos Horizontes como a coordenadora da UCSP entenderam exercer o seu “direito de resposta”. Fizeram-no no último número mas parte do que escreveram, não agradou, por motivos diferentes, nem à oposição nem ao poder.
As extensões de saúde são para fechar ou não?
O assunto foi levado à reunião pelo vereador do PS, Rui Marto, que começou por se confessar «arrepiado e com os nervos em franja» ao ver o texto assinado pela coordenadora da UCSP que disse, de forma irónica, não saber «se fala como coordenadora da USF [prevista para Porto de Mós] ou da UCSP». O vereador lamentou que haja tempo para escrever comunicados e para «mandar telefonar aos utentes do Alqueidão» [um deles, ele próprio] «a desmarcar consultas no último ou penúltimo dia em que o médico lá prestou serviço» mas «nunca ninguém tenha tido a coragem ou a frontalidade ou, sequer, a decência, de apresentar o que quer que seja em relação à Saúde».
Para Rui Marto, o texto «é muito bonito, com considerações até um bocadinho estranhas quando diz que só uma pessoa [a presidente da Assembleia Municipal] é que estará a agir com os devidos cuidados», mas, no seu entender, não vem responder ao que é necessário e, para aumentar a confusão, diz, «tem a ajuda de alguém da USF Novos Horizontes na página ao lado», numa alusão ao “direito de resposta” da USF que publicámos na página seguinte àquela em que surge o “direito de resposta” da UCSP.
«Quando foi aberta, a USF Novos Horizontes tinha o melhor de dois mundos: gente, espaços e a certeza que nenhum fechava. Neste momento, [ao nível da UCSP] não temos um centro de saúde a funcionar que consiga convencer as pessoas que estão melhor servidas e ninguém consegue dizer se as extensões do Alqueidão da Serra, Mendiga-Arrrimal e São Bento são para fechar», afirmou sublinhando que «num texto daquela dimensão dizer “sim” ou “não” cabia lá bem e enquanto isso não acontecer vamos andar em manifestações para Lisboa, continuaremos a ter assembleias cheias e a ouvir e a dizer aquilo que não queremos». «Se não estão dispostos a responder, que venham para cá outros, há sempre essa hipótese», disse.
No mesmo registo crítico, o autarca disse que o que se está a fazer para resolver o problema é vir a público «exortar o executivo camarário» a seguir o exemplo de uma pessoa que nem sequer faz parte do executivo e que tem «boa cabeça». Ora, Marto diz que não tem «nem boa nem má cabeça» mas que o que sabe é que «no centro das políticas deviam estar as pessoas» e sente que «neste momento não estão».
«Eu juntar-me a quem quer que seja, tipo carneirada, desculpem, obrigado, mas não vou. Enquanto não conhecer o projeto [da coordenadora da UCSP], não posso dizer se a pessoa está certa ou não. Já era tempo de o ter, já o pedi ao ACES e foi-me dito que era omisso, ora uma coisa omissa é pior que ficar na dúvida» frisou.
«Se queremos dúvidas, “Bataclan” e fantochada todos os dias, deixem as coisas omissas e depois em vez de andarmos a fazer o que devíamos fazer, perdemos tempo a escrever comunicados e contra-comunicados. Se é assim que queremos, é assim que vamos ficar», concluiu.
“Admito que estejam muito doridos comigo mas não me calo”
Em resposta, o presidente da Câmara, Jorge Vala, começou por admitir «um erro» do qual diz não se arrepender por também ele acreditar que «no centro das preocupações de um autarca devem estar os problemas das pessoas». O erro, neste caso, terá sido o assumir como seu o problema da falta de médicos, quando na realidade «teria tido uma situação muito mais pacífica, até na relação com a própria Saúde», se dissesse que não era seu «mas de quaisquer outros».
De acordo com Jorge Vala, a ideia que tem tentado passar à população «não é de que o Município não tem responsabilidade» mas, antes, que «precisamos de estar todos juntos para tentar alcançar algo que até aqui não se tem conseguido, e que não é que sejamos piores que os outros para fixar médicos mas o modelo de contratação é que não é simpático para aqueles onde faltam mais».
O autarca voltou a afirmar que «o tempo de andar na rua a gritar já acabou», acreditando que «não faz sentido o presidente ou o executivo estarem, sistematicamente, na linha da frente numa luta que além de inglória talvez não seja até muito bem vista por parte da opinião pública».
«Nós temos um modelo de saúde instituído no nosso país que permite que haja num concelho a saúde a duas velocidades. Temos uma USF que funciona e onde não faltam médicos e uma UCSP que não os tem. E é o modelo que está mal quando permite que uma USF que tenha falta de profissionais tenha a liberdade de os vir buscar à UCSP e vem, como já veio», prosseguiu afirmando que «se a USF ficar aborrecida, santa paciência, porque isto é a realidade e é essa que o presidente da Câmara não pode esconder em nenhuma circunstância».
«É verdade e é um absurdo. Eu não consigo explicar às pessoas do Alqueidão da Serra que ficaram sem enfermeira porque é que esta foi para a Calvaria. Assim como não consigo explicar como é que o senhor doutor que estava no Alqueidão ficou a meio tempo e porque é que esse meio tempo tem de ser feito em Porto de Mós e não lá» frisou.
«Os profissionais de saúde estão muito doridos com o presidente da Câmara, admito que sim, mas o presidente não se cala a esta circunstância ou a nenhuma outra que ponha em causa o bem estar da população. Vou continuar a lutar pela ambição de podermos ter médicos e aí sim, senhor vereador, vamos ter que estar juntos. Irei lutar até ao limite das minhas forças para que nenhuma extensão de saúde encerre. O Município, enquanto cá estivermos os sete, nunca poderá validar uma USF que pressuponha o encerramento de extensões, nomeadamente na Mendiga/Arrimal e Alqueidão da Serra», afirmou perentório.
A concluir, Jorge Vala garantiu que a luta irá continuar a ser feita em conjunto se os vereadores do PS se mantiverem nessa disposição, ou no caso de não quererem, prosseguirá sozinho, mas que não admite «enquanto responsável por este concelho que possa haver tanto desprendimento sobre aquilo que são os cuidados de saúde primários de uma população envelhecida, com dificuldades de mobilidade e que precisa cada vez mais de apoio a este nível e o que tem, tal como o senhor vereador revelou, é o telefonema a dizer que a consulta teve de ser cancelada por esta ou aquela razão e às vezes sem razão nenhuma».
Foto | Isidro Bento