Há muito que não se assistia a tamanha tensão numa reunião pública do executivo camarário de Porto de Mós. Rui Marto, vereador do PS, e Eduardo Amaral, vice-presidente da Câmara, envolveram-se numa acesa troca de acusações a propósito das intervenções na Ecopista e nos seus túneis e, inclusive, alguns comentários foram encarados pelos visados como a raiar a ameaça, inclusive a ofensa pessoal. Rui Marto anunciou, por duas vezes, a intenção de abandonar a sala e à segunda passou das palavras aos atos, mas passados escassos minutos regressou ao seu lugar.
A discussão começou com o vereador do PS a expressar a indignação por, depois de uma publicação no Facebook, onde mostrava a revolta com a intervenção nos túneis, ter sido «brindado na comunicação social com o ímpeto de criminoso incendiário» e voltou a insistir que não se recorda de na altura em que era vereador das Obras, ter sido alertado de que o túnel estaria em risco de ruir. Entretanto pediu cópia do relatório e do despacho mas segundo ele, até agora só recebeu o relatório que é, afinal, «uma informação do então coordenador da proteção civil». Rui Marto disse ainda que «depois das trapalhadas todas com os túneis agora avançou-se com a abertura de uma vala ao longo de uma parte significativa da Ecopista, fez-se a pregagem de candeeiros na estrutura de madeira, enfiamento de tubos e cabo, muretes para apoio da base da receção das luminárias» e que, entretanto, recebeu «uma carta do senhor vice-presidente a dizer que não houve obra, mas testes». «Vamos ser sérios, quem é que faz uma vala em 80 a 90% de uma infraestrutura para fazer um teste? Ninguém acredita nisto, mas depois o malandro do Rui Marto é que é o criminoso e o incendiário», frisou.
O autarca disse ainda que «o presidente [da Câmara] nunca deu a cara por isto, não há um único documento que seja assinado por ele», relativo à intervenção na Ecopista, portanto, «não se sente confortável com o processo, o que já abona a seu favor», ironizou. A terminar, quis esclarecer algumas datas e se «houve algum auto de notícia, multa, inquérito de averiguações ou qualquer processo por parte de alguma entidade externa» relativo a esta última intervenção.
A resposta de Jorge Vala não se fez esperar: «Nós fazemos parte de uma equipa e não andamos aqui aos soluços a empurrar coisas uns para os outros. Se quiser apontar o dedo, para o bem e para o mal, sou o presidente. Prefiro ser criminoso por fazer, que as coisas não aconteçam, que ser criminoso por ter caído uma pedra em cima de alguém e a pessoa ter morrido», realçou. O edil disse que todas as intervenções têm sido feitas em articulação com as diversas entidades e garantiu não ter conhecimento de qualquer auto de notícia, coima ou algo do género.
Já Eduardo Amaral afirmou que se limitara a dizer que o vereador tinha «procurado influenciar e incendiar as pessoas da Corrredoura». «Não lhe chamei criminoso, disse que criminosa é a ação», acrescentando que não é pelo facto do presidente não assinar tudo, que desconhece os assuntos. Ele é o presidente e eu sei o meu papel. Nunca ponho em causa o meu presidente, coisa que o senhor não se importa de fazer», referiu, lendo a parte do artigo de O Portomosense em que Rui Marto dizia que no seu tempo, a proteção civil reportava diretamente ao presidente da Câmara. Amaral disse que no mesmo dia em que o então presidente foi informado da situação dos túneis despachou para o vereador das Obras, que, por sua vez, remeteu a informação para os técnicos solicitando que acompanhassem a situação, e que passados uns tempos quando um deles lhe perguntou se era para avançar com determinada solução, «o processo ficou por ali».
Visivelmente revoltado, Rui Marto reagiu: «O senhor está a mentir com todos os dentes que tem na boca. Já pedi o despacho e ainda não o recebi e agora foi feita uma escavação arqueológica e deu com isso tudo». «Sim, encontrei os despachos, as coisas demoram o seu tempo, o senhor não tinha isto organizado e no sítio certo. E não admito que me chame mentiroso porque eu também não o insultei», retorquiu o vice-presidente. Ato imediato, Rui Marto anunciou o abandono dos trabalhos, mas Jorge Vala conseguiu demovê-lo dessa intenção.
Relativamente à Ecopista, o vice-presidente explicou que esta é vandalizada com frequência, nomeadamente os painéis solares que alimentam as luminárias e por isso surgiu a ideia de testar o fornecimento de energia com recurso à microgeração e como já estava previsto intervir nos pisos que estão muito degradados, avançou-se para os testes. A prova de que não passou disso mesmo é que «toda a estrutura montada era arcaica», disse Amaral.
Depois do vice-presidente explicar o porquê do parecer do Parque Natural ser posterior à realização de grande parte da intervenção, lamentou que Marto «se preocupe mais com argumentos legais que com a obra em si» e que «insinue que se aproveitou a COVID-19 para fechar a Ecopista». Nessa altura, o vereador do PS esclareceu que «o que disse foi que a COVID-19 serviu para muita coisa». Jorge Vala, indignado, interveio para realçar que nos últimos meses tem «andado a dar o peito às balas» e que «fica muito mal ao engenheiro Rui Marto insinuar que alguma coisa foi feita às escondidas por causa da pandemia», acrescentando ainda, a propósito das ditas “escavações arqueológicas” referidas pelo autarca do PS: «O senhor foi vereador quatro anos e eu não quero ir escavar mas devo-lhe dizer que os serviços já me proporcionaram a possibilidade de ir escavar a sério, a sério mesmo, e eu não quero porque a minha preocupação é concretizar estes 14 milhões de obra».
A partir daqui gerou-se uma troca de palavras entre presidente e vereador da oposição vindo, inclusive, à baila, outros assuntos já tratados na reunião, culminando com a saída de Rui Marto, não sem antes acusar a maioria PSD de «não saber lidar com críticas». Por sua vez, Jorge Vala disse que o vereador, «à falta de argumentos, tenta arranjar factos políticos» e que essa, sim, era a verdadeira razão por que abandonava a reunião.