A tradição conta, já, com mais de 40 anos e não dá mostras de enfraquecimento, muito pelo contrário, está viva e bem viva. A Quinta-feira da Ascensão (o Dia da Espiga) há muito que deixou de ser feriado, mas na Quinta de Nossa Senhora da Conceição, na Ribeira de Cima (Porto de Mós), continua a ser assinalada, sem pompa mas com a solenidade própria de um momento de grande importância simbólica para muitos, a começar pela família anfitriã.
«O dia mais santo de todos, aquele em que ninguém trabalhava», como nos descrevia em 2014, o proprietário da quinta, Alberto de Sousa Oliveira, já não é assinalado nessa mesma data, mas no domingo seguinte. É esse o dia em que esta quinta particular às portas da vila, se abre a toda a comunidade para a celebração, em termos litúrgicos, do momento que os cristãos acreditam que foi o da ascensão de Jesus ao céu e que a tradição popular associa ao da gratidão pela fertilidade dos campos e da prece para que assim continue por mais um ano.
Alberto de Sousa Oliveira deixou-nos em 2017, sua esposa, Maria Emília Alves, uns anos antes, mas a sua família faz questão de manter viva a tradição começada pouco tempo depois do casal ter dado por concluídas os trabalhos de limpeza e de restauro da capela da quinta, que à altura da compra da propriedade, em 1977, pouco mais tinha do que as paredes.
Assim, cumprindo o “ritual” que vai já a caminho de meio século, no passado dia 21, o velho templo acolheu uma missa solene presidida pelo padre José Alves, pároco de Porto de Mós que em vários momentos fez a evocação do sagrado e do profano associados à data, recordando ainda o casal que recuperou a quinta e que, em sinal de fé, decidiu que todos os anos haveria ali festa para agradecer a Deus a fertilidade dos campos e para reunir família, amigos e conhecidos em são convívio.
Na cerimónia, e como é hábito, tomaram parte ativa filhos e netos de Alberto e Maria Emília, ficando a animação coral e musical a cargo do coro da Igreja de São Pedro, de Porto de Mós. A capela voltou a ficar repleta de fiéis e, como também já é costume, foram muitos os que não podendo assistir à cerimónia no interior, a acompanharam na rua graças ao sistema sonoro ali instalado.
Convívio junta dezenas de pessoas
Concluída a missa, foi organizada uma procissão em direção à eira, o local onde o celebrante preside à cerimónia de bênção dos campos, marcada pelas orações próprias do momento e pelo aspergir de água benta pela assembleia que se espalha ao redor daquele que há muitos anos era um dos pontos principais de qualquer propriedade agrícola. No final, Anabela Sousa, em nome da família, agradeceu a presença de todos e a colaboração de quem contribuiu de forma mais direta para que a festa se realizasse. Visivelmente emocionada, disse que os seus pais, onde quer que se encontrassem, estariam muito felizes por verem que algo em que tanto se empenharam, continuava a juntar tanta gente e a ser motivo de convívio.
E foi precisamente em convívio e à boa maneira portuguesa, ou seja, ao redor da mesa, que terminou mais um dia de celebração da Ascensão. Junto à capela, fartas travessas esperavam os que ali se tinham reunido para participarem na cerimónia ou, simplesmente, darem um abraço aos anfitriões. Como sempre, foi mais uma oportunidade para amigos e conhecidos, de longe e de perto, conviverem em amena cavaqueira entre uma fatia de bolo e um coscorão, acompanhados de uma bebida fresca. Quem quis, teve também a oportunidade de visitar toda a quinta, apreciar os seus belos recantos, o rio que se passeia limpo e extremamente bem cuidado pelo interior da propriedade, espelho ele próprio daquela que é a realidade de todo o espaço. Miúdos e graúdos puderam também apreciar os animais que são criados na quinta e surpreender-se, nalguns casos, por uma realidade que desconheciam tão perto da vila sede de concelho.
O tempo ameaçou estragar a festa, mas a ameaça não passou disso mesmo, a chuva que se tinha feito sentir ao início da tarde deu tréguas e os presentes agradeceram. Já não seria a primeira vez que a celebração se fazia sob forte chuvada, mas todos reconhecem que se o dia for de sol tudo se torna mais fácil e agradável. Pese embora isso, o sacerdote lá foi lembrando, bem disposto, que se pedimos que os campos sejam abençoados, ou seja, que produzam em abundância, também temos de pedir que chova porque a água é vida.
Este ano, os convivas começaram a sair mais cedo, mas não foi por nada que os desagradasse, muito pelo contrário, a família anfitriã recebeu a todos com a simpatia e a generosidade que se lhe reconhece. O motivo da saída antecipada foi mais prosaico: em dia de dérbi que podia ditar o festejo do título de campeão nacional de futebol por parte de um dos grandes da Segunda Circular em campo, havia que, com tempo, reservar lugar no sofá ou num qualquer café ou esplanada. Para o ano há mais… bênção dos campos, claro, porque de futebol estamos conversados.
Fotos | Isidro Bento