Um ar austero, com os óculos na cana do nariz e um “shiu” sempre na ponta da língua. O estereótipo é este, mas a realidade é bem diferente da previsão. Margarida Vieira tem um sorriso no rosto e muito anos de experiência numa profissão que não implica apenas manter o silêncio do espaço e indicar aos leitores onde está determinada obra. Aliás, acredita mesmo que «a biblioteca não tem que ser um santuário». Hoje, o bibliotecário deixou de ser o “guardião dos livros” para passar a “guardar” «a praça da comunidade», como diz, com funções não assim tão óbvias. Da catalogação das obras à criação de toda uma programação cultural, já que, «hoje em dia, as pessoas é que fazem a biblioteca», que «não pode nem deve ser centrada só no livro».
A portomosense chegou à Biblioteca Municipal da vila de onde é natural com 30 anos, numa altura em que não havia internet e a catalogação dos livros ainda era feita numa máquina de escrever – mas «já daquelas elétricas, que apagava» -, e o espólio literário era muito reduzido, tal e qual os utilizadores. “Bateu” à máquina «muitas fichas» de catalogação. Afinal, tal como hoje, «o livro não chega e vai para a estante», tem de passar por um processo não só físico como «em termos de assunto», «obedece a determinadas regras», uma «parte que não é visível que leva tempo e dá trabalho», diz.
Estávamos em 1993 e a valência tinha acabado de ser inaugurada. Margarida Vieira foi convidada pelo líder do executivo à data a integrar os quadros – e hoje é diretora da instituição. Contudo, não foi assim que começou a sua experiência profissional: é pós-graduada em Ciências Documentais, habilitação necessária para se poder utilizar essa palavra que tanto “assusta” os leitores mais mal comportados. Mas esse é apenas um requisito: «Hoje, a nossa formação tem que ser mais vasta, porque as solicitações da sociedade são diferentes», explica, referenciando, por exemplo, a literacia digital, uma componente que já “invadiu” o conceito de Biblioteca. Aliás, em três décadas de serviço, Margarida Vieira já viu de tudo, desde os típicos desafios que se tem ao lidar com a irascibilidade de uma geração mais jovem, mais conectada ao mundo tecnológico, passando pelos problemas que lhes trazem as comunidades emigrantes, que se servem da Biblioteca para, por exemplo, imprimir currículos ou bilhetes de avião, até aos utentes regulares do espaço, que lá vão todos os dias ler o jornal, por exemplo, ou perguntar por determinado livro sobre o qual «falaram na televisão». É que, apesar de um orçamento que peca por ser reduzido, é Margarida Vieira e a sua equipa que faz «as listas» de livros que a Biblioteca quer encomendar, tendo sempre em conta «as novidades bibliográficas e pedidos de utilizador».
Apesar de hoje «se fazer tudo no computador», Margarida Vieira não acredita que a inteligência artificial vá substituir a profissão, «porque o objeto-livro não é a mesma coisa» que ler no tablet ou no portátil. Acresce ainda que a profissão implica uma vertente cultural, dos encontros com escritores aos workshops.
Afinal, «um bibliotecário tem um leque diversificado de tarefas, que não passa só pelo trabalho técnico, passa também pela promoção do livro, pela implementação de programas que as pessoas sintam necessidade», explica Margarida Vieira.