Para muitos consumidores, a Black Friday é um dos momentos mais aguardados do ano. A iniciativa, apesar de originária dos Estados Unidos da América, já se estendeu ao resto do mundo, e por cá, a última sexta-feira de novembro também já é sinónimo de descontos descomunais. Nesse dia, o comércio tem horário alargado e é comum assistir-se a uma corrida desenfreada das pessoas às lojas que, em busca de grandes promoções, tentam adquirir determinado produto, que de outra forma não conseguiriam. Também muitos vendedores anseiam por este evento que, no caso do comércio tradicional, pode ser visto como mais um chamariz para conseguirem cativar potenciais clientes. Este ano, de forma a evitar grandes ajuntamentos, a Black Friday em Porto de Mós foi alargada para três dias (27, 28 e 29 novembro), mas nem por isso as pessoas mostraram vontade de aderir.
“Este ano é para esquecer”
Há 32 anos que Ângela Correia está instalada no número 11 da Avenida de Santo António, uma das artérias mais movimentadas da vila de Porto de Mós. Desde essa altura que a Prendinha é a sua segunda casa, um espaço comercial que dispõe de, desde artigos de decoração, brinquedos e até roupa interior. Esta foi a terceira vez que aderiu à Black Friday. «Este ano foi como se não existisse, é para esquecer», lamenta a proprietária, de 57 anos. Das edições anteriores recorda, com nostalgia, a animação de rua e o movimento nas ruas, tantas vezes despertado pela curiosidade das pessoas em saber o que se passava.
Apesar de estar ciente de que, devido à conjuntura atual, inevitavelmente este ano sentir-se-ia uma quebra nas vendas, Ângela Correia estava longe de imaginar que durante esses três dias a televisão fosse a sua única companhia. «Nunca esperei que não viesse ninguém. Nos outros anos, as pessoas saíam para ver algum artigo e aproveitar os descontos, agora não saem nem procuram nada», constata. Com a loja «cheia de mercadoria» e uma imensa «variedade de artigos», a lojista considera que o medo instalado na população, aliado à falta de poder de compra e também a alguma confusão com os horários de funcionamento, diferentes consoante o nível de risco dos concelhos, minou por completo esta edição da Black Friday. «Acho que as pessoas estão muito assustadas e algumas perderam o poder de compra. Vejo que estão um bocadinho confusas e muito baralhadas. A informação chega-lhes mal», sublinha.
Mais de três décadas depois de ter aberto as portas do seu estabelecimento, é com grande pessimismo que Ângela Correia olha para o futuro do negócio. «Não acredito que melhore. A terra não tem movimento e se isto continuar assim, as lojas não vão aguentar», alerta a lojista, com voz embargada, descartando a ideia de que, com a pandemia, as pessoas passaram a ter o comércio tradicional no topo das suas preferências. «Esses apelos são muito bonitos de se ouvirem, mas na hora de se fazer compras, a pessoa pensa em ir às grandes superfícies», frisa. A prática, enraizada nas novas gerações, de comprar tudo no shopping, acredita, é uma das razões que levará o comércio tradicional a acabar. «Quando as lojas de comércio tradicional deixarem de existir, as terras ficarão às moscas. Mas fomos todos nós que contribuímos para que elas fechassem», destaca.
Corrida aos perfumes não decresceu
Se por um lado houve quem sentisse de forma acentuada os efeitos nefastos da pandemia no volume de vendas, por outro há quem diga que não existiram grandes diferenças comparativamente a outros anos. É o caso de Joana Santos, de 25 anos, funcionária da Balvera Perfumarias de Porto de Mós, que garante que a afluência foi «a esperada» e explica que a empresa optou por adaptar o evento, chamando-lhe de Black Week, passando a prolongar os descontos durante quase toda a semana (de segunda a sábado). «Nos últimos dias, reparámos que houve maior movimento e foi relativamente bom», admite.
Durante esse período, as vendas efetuadas destinavam-se essencialmente a ofertas de aniversário ou de Natal e a grande maioria dos clientes optou pelos perfumantes, cujos descontos nos tamanhos grandes eram de tal forma colossais, chegando ao ponto de «quase ficar mais caro comprar o médio». «Quem aproveitou, aproveitou o que estava em promoção», garante.
Também aqui nesta loja, situada na Avenida da Igreja, os clientes demonstraram alguma incerteza quanto aos horários que estavam a ser praticados. «Muitas pessoas pensavam que estávamos fechados durante a tarde», refere Joana Santos, acrescentando que apesar da já longa duração da pandemia, ainda existem pessoas que não aceitam «muito bem» as limitações de capacidade impostas. «Na loja da Batalha, as pessoas não tinham noção de que tinham de esperar lá fora e tínhamos que estar sempre a avisar para esperarem um bocadinho», conta.
“Foi uma “Black Friday” diferente a muitos níveis”
Três dias depois de a Black Friday ter terminado, o presidente da Câmara, Jorge Vala, fez um balanço desta quarta edição. «Foi uma Black Friday diferente a muitos níveis», começou por admitir o autarca, considerando que as pessoas vivem hoje «momentos depressivos» relativamente a esta época e por isso entende o facto de que estas ainda não estejam «no espírito natalício». A animação de outrora, este ano, deu lugar a três dias que acabaram «mais cedo» do que seria normal, sem ajuntamentos ou festa que «durava até à meia-noite». «Nada disso aconteceu» e por isso, acredita, essa foi uma das diferenças que marcou, pela «negativa», a Black Friday.
Tanto na sexta-feira, como no sábado, o executivo percorreu alguns espaços de comércio da vila, mas o cenário que encontrou foi pouco animador. «Os comerciantes estão desgastados, por não terem clientes e por todas estas indefenições que existem», descreve. Ainda durante a visita, os autarcas fizeram questão de pedir às pessoas, com que se cruzavam, para comprarem no comércio local. «Não me parece que o estímulo para comprar seja muito. Há muitas incertezas e as pessoas ainda nem sabem se vão poder estar com a família», justifica.
Apesar da proibição de circulação entre concelhos que esteve em vigor e na impossibilidade de as pessoas se conseguirem deslocar às grandes superfícies, o comércio tradicional não sentiu que tivesse ganho algo proveito com essa medida. «As pessoas estão muito mais retraídas e menos disponíveis para fazer as compras de Natal», afirma Jorge Vala.