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Boné, avental e um cesto cheio de pipocas – assim se “veste” o Grão Saltitão

9 Novembro 2022
Catarina Correia Martins

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Catarina Correia Martins

9 Nov, 2022

É provável que já tenha visto, na vila de Porto de Mós, uma senhora de avental e boné vermelho, com um cesto de pipocas. É Manuela Aparício, professora de formação e agora proprietária de Grão Saltitão, o negócio que leva pipocas “a casa” das pessoas.

Nascida na Austrália, filha de pais portugueses, viveu a maior parte da sua vida, em França e na Suíça, onde se formou e trabalhou como professora de francês. Há cerca de seis anos, questões familiares trouxeram-na a Portugal, mais propriamente à Batalha, onde inicialmente residia, tendo-se mudado mais tarde para Leiria. Recém-chegada, convencida de que as referências e as cartas de recomendação que trazia lhe abririam as portas para trabalhar naquilo que gostava e sabia fazer, viu-se a braços com um problema: o seu diploma não era válido cá. «Comecei a apresentar as cartas de recomendação, que eram boas, mas disseram-me que tinha mesmo que fazer a validação do diploma. Para isso pediram-me uma soma brutal», recorda. «Comecei a cair um bocado no desânimo. Continuei a dar aulas particulares, por Skype, de anúncios que fazia, mas isso não dava para sobreviver. Então, arranjei trabalho em Lisboa, como tradutora e secretária. Estive em duas empresas multinacionais», conta. «Morar num quarto não é fácil», mas foi um acidente de trabalho, que lhe deixou «lesões num joelho e num pulso», impedindo-a de trabalhar no computador, que fez com que deixasse este emprego e «começasse a pensar noutra coisa».

Manuela Aparício não é, no entanto, alguém que possa «deitar a mão a tudo», porque as limitações físicas, deixadas quer por esse acidente, quer por uma operação à coluna, a impedem de fazer certas tarefas. «Não me posso enganar a mim própria, já tentei, por exemplo, fazer limpezas e não dá», afirma. «Não consegui encontrar uma coisa [trabalho] mais leve, então pensei: “Tenho que montar uma coisa por conta própria, porque assim, quando estou mal, paro um dia ou dois, volto ao trabalho e ninguém me chateia a cabeça”», lembra.

Foi então que perguntou a uma amiga, cuja vida profissional passou, entre outras coisas, pelo «negócio das pipocas», se era rentável. Quando a resposta foi afirmativa decidiu avançar, comprou, a essa amiga, uma máquina e da mesma pessoa, recebeu formação, à qual atribui parte do «sucesso» que tem. «Fiz um investimento – a máquina e uma carrinha –, fiz um crédito e é por isso que não é fácil todos os dias. Há um ano que estou coletada e a trabalhar», revela.

A necessidade aguçou o engenho

«A Câmara de Leiria passou-me uma licença de vendedora ambulante e, no início de outubro do ano passado, pedi licença para pôr a máquina na cidade [num sítio fixo]», começa por explicar, para dizer logo a seguir que só em fevereiro recebeu a resposta, que foi negativa. «Fiquei um bocado desmoralizada e a questionar o que ia fazer à minha vida», adianta. O passo seguinte foi fazer o mesmo pedido a outras Câmaras, para «pôr o carrinho numa das cidades do distrito e não foi possível em lado nenhum». Foi no fim de fevereiro que, diz, a irmã a incentivou a ir para as praias, com um cesto. Assim fez, no fim de semana de Carnaval rumou à Nazaré e «até correu bem», porém o resultado não foi o mesmo nos fins de semana seguintes.

Deu início, então, à vida que tem hoje. «Comecei a ir de porta em porta, nas lojas. Comecei por Leiria, depois Batalha, Alcobaça, Porto de Mós, Pombal e, por fim, Caldas da Rainha, aos poucos. No início foi difícil, muito difícil, ouvi muitos “não” e vi muita gente a olhar de lado para mim. Chegaram a dizer-me que não queriam comprar, mas davam uma esmola», recorda. «Com o tempo, as coisas estão a correr minimamente bem. Ainda não posso dar um saldo positivo porque ainda não é o suficiente para uma empresa sobreviver, mas tenho a esperança que isto se desenvolva mais», sublinha.

Hoje em dia, a sua rotina está definida. À segunda-feira faz pipocas, em casa, na máquina que instalou no pátio. À terça, ruma a Caldas da Rainha ou Pombal. Na quarta, «se for preciso» faz pipocas de manhã e, à tarde, vai à Batalha ou vem a Porto de Mós. Quinta-feira é mais um dia de fazer “saltar o milho” para, na sexta, vender em Leiria ou Alcobaça. «Faço entre 50 a 70 pacotes. No máximo dos máximos, dá-me para dois dias de venda», adianta. Além de pipocas, traz também no cesto, frutos secos, que revende, depois de ter percebido que nem toda a gente pode ou gosta de comer pipocas.

Inicialmente, entrava em todos os estabelecimentos abertos ao público. No entanto, agora, por uma questão de princípio, não vai, por regra, a cafés, uma vez que percebeu que alguns deles também vendem pipocas. A exceção são dois, no concelho de Alcobaça, cujos donos começaram a chamá-la, depois de conhecer o seu trabalho. Clínicas e consultórios dentários são também espaços em que não entra, porque sabe «que não gostam».

Acredita que ter a máquina na rua, a confecionar as pipocas, daria um grande impulso ao negócio, porque «o cheiro atrai muito, cativa, chama a atenção». No entanto, desde março, quando começou a vender porta a porta, diz notar «uma grande evolução»: «Não posso negar que há, só que ainda não é suficiente», adianta, revelando que só o suporte da família, mãe e irmã, tem permitido tudo isto.

Manuela Aparício não se nega ao trabalho, tem uma página no Facebook e outra no Instagram para divulgar o Grão Saltitão e diz-se disponível para «festas, eventos, casamentos, inaugurações» e outros momentos em que faça sentido, para quem organiza, ter um carrinho com pipocas.

Grutas de Mira de Aire acolheram Grão Saltitão durante o mês de agosto

Foi através de uma amiga, acionista das Grutas de Mira de Aire, que Manuela Aparício teve a oportunidade de vender as suas pipocas no complexo turístico, em agosto. «O senhor Carlos Alberto Jorge [presidente do conselho de administração] abriu-me as portas e comecei a ir para lá, ao fim de semana», começa por explicar. «No início, levava só uma banquita, mas ficou combinado entre nós que, entretanto, podia levar a máquina e era-me dada essa liberdade à troca de uma certa percentagem», avança. O resultado não foi, porém, o esperado. «Quando vamos a um sítio assim, vamos uma vez e só voltamos passado muito tempo. Esse era o tipo de visitantes, as pessoas não me conheciam de lado nenhum, eram mais umas pipocas e mais uns frutos secos. Não vendia», conta. Manuela Aparício lamenta este desfecho, já que considera que, «se tivesse corrido de forma diferente», até «podia ter ali um futuro para todos os dias», no entanto diz que continua a «ter a porta aberta», caso queira voltar.

Foto | Catarina Correia Martins

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