A alteração na forma como as unidades de saúde da Região de Leiria fazem o seu serviço de apoio domiciliário não tem motivado elogios por parte dos profissionais do setor e da Câmara. A transferência das competências na área da Saúde, em vigor desde janeiro, obrigou a que o serviço de táxi que levava os enfermeiros a casa dos utentes, com financiamento da Administração Regional de Saúde do Centro (ARS Centro), fosse suspenso a partir de 1 de março. É agora do Município essa responsabilidade, mas algo não está a bater certo entre o executivo e as Unidades de Saúde Familiar (USF) do concelho – USF Novos Horizontes e a recém-criada USF Aire e Candeeiros.
Na última reunião camarária pública, o presidente da Câmara relatou que há uma «indisponibilidade dos profissionais de saúde para conduzirem as viaturas». Jorge Vala frisa que, tendo em conta o envelope financeiro associado à transferência de competências, ficou acordada a compra de seis viaturas, uma para cada polo ou extensão, «à condição de não ter de arranjar também motoristas, porque assim torna-se completamente incompatível» o custo monetário do serviço – que, diz, «ascendeu a 56 mil euros» em 2023. «Aliás, com esse dinheiro já comprámos quatro carros», garante. «Portanto, aquilo que nós temos neste momento é uma incompreensão da nossa parte, dos autarcas, e uma incompreensão por parte dos profissionais de saúde, que alegam que não tiraram a sua formação para conduzir carros», completa, salientando que este é um problema «de difícil resolução» e que não compreende esta «intransigência», pelo que quer «criar um ponto de equilíbrio para salvaguardar o interesse publico e sobretudo minimizar o impacto nestas despesas».
O problema, aliás, parece ser de âmbito nacional, tendo Jorge Vala explicado que «Leiria tem 11 carros disponibilizados com zero quilómetros para o Centro de Saúde, e o serviço não está a ser feito precisamente porque os profissionais não conduzem os carros. O serviço de táxi custaria à Câmara Municipal de Leiria cerca de 11 mil euros por mês». Rejeita, no entanto, «um certo corporativismo» ou complô por parte das USF. Na sua perspetiva, «é mais fácil adquirir viaturas, fazer o seguro e entregar, até para que seja criado em cada um dos polos um calendário de prestação de serviços com uma autonomia completamente diferente». Para já, esclareceu, «entregamos viatura com seguro, com seguro de motorista, dos restantes ocupantes e também uma declaração que permita aos profissionais conduzirem como se o carro fosse seu».
Em reunião camarária, a oposição também foi veemente: «Concurso para os seis carros, está a vontade, que tem o nosso apoio. Os seis motoristas é uma conversa completamente diferente», disse o vereador socialista Rui Marto.
A versão das USF
A coordenadora-geral da USF Novos Horizontes, Tânia Pereira, confirma que, nesta fase, estão a solicitar «o tipo de seguro e o tipo de declaração que é necessário preencher», proposta que ainda teria de passar pelo Conselho Geral da USF, pelo que «ainda ninguém decidiu nada». A médica acredita que as afirmações de Jorge Vala são «prematuras», face ao que ainda está em cima da mesa. Diz que «não há má vontade dos enfermeiros em conduzirem, há simplesmente certas promessas que foram feitas e que neste momento há relutância da parte deles [Câmara] em cumprir».
A versão é a seguinte: numa reunião, a 18 de dezembro, Jorge Vala «prometeu um veículo novo e uma assistente operacional que iria acompanhar os enfermeiros». «Teríamos o cuidado de fazer tudo de forma sequencial, de forma a que uma operacional e um veículo fossem suficientes. A certa altura, a assistente operacional já não era possível conferir, mantiveram o serviço do táxi». Este ano, revogado o serviço, a promessa ficou-se apenas pelo veículo. Já na reunião do passado dia 6 de março, Tânia Pereira explicou, como explicou ao nosso jornal, os receios dos profissionais: «Que não haja uma boa cobertura caso tenham um acidente, isso já aconteceu no passado, foi um ponto que nós frisámos muito bem nessa reunião, houve enfermeiras que apesar do seguro conferido pelo Estado, quando tiveram o acidente não foi pago o estrago, não foram recompensadas de alguma forma». Surgiu o receio «de que a apólice de seguro não seja suficiente para cobrir os acidentes e o que possa advir daí» e também «a eficiência do transporte, até porque a enfermeira tem de transportar muito material consigo, entrar, sair, e há enfermeiras que têm o direito de recusar a condução», aspeto que «já entra no âmbito da carreira em enfermagem». «Mas tudo isso está a ser debatido» pelo Conselho Geral da Unidade, garante, afirmando que em momento algum querem prejudicar a comunidade.
Aliás, o «serviço está a ser cumprido», neste momento «as enfermeiras ajustam os seus horários de forma a que seja tudo sequencial e a mesma pessoa faça a rota toda», o que corrobora a versão de Jorge Vala: «Nós vamos garantir a continuidade do transporte, neste momento estamos a assegurar com operacionais nossos, estamos a ”roubar” os nossos trabalhadores a outros serviços para prestar este, porque a resposta tem de ser dada e sobretudo vamos ter de continuar a gerir também um calendário muito apertado».
Já a coordenadora do serviço de enfermagem da USF Aire e Candeeiros não quis prestar declarações.