No dia 22 de dezembro, comemoraram-se os 50 anos de captação de água no Olho de Mira, um projeto cujo objetivo passou por abastecer as povoações locais. Este evento, criado conjuntamente pela Câmara Municipal de Porto de Mós e a Sociedade Portuguesa de Espeleologia (SPE), consistiu em homenagear, sobretudo, três sócios da SPE, Pedro Paradela, Álvaro Moreira e Jorge Terra que foram fundamentais para este projeto. A congratulação estendeu-se ainda aos homens mirenses que contribuíram também para a concretização desta aventura.
“O Olho de Mira de Aire começou a ser explorado, por iniciativa privada, como origem de água para o abastecimento de algumas unidades industriais, nomeadamente, a Fábrica dos Tapetes Vitória, Sociedade Industrial e Fiandeira de Mira de Aire e a Lavandaria do Olho”, começou por explicar Telma Cruz, vereadora da Educação e da Saúde, referindo-se à história deste projeto. “Até então todas as fábricas tinham grandes cisternas para a recolha das águas da chuva mas chegou-se à conclusão que a mesma era insuficiente. Esta exploração foi uma inovação na altura mas ocorria de forma muito rudimentar, uma vez que consistia em bombear água da galeria natural, o que implicava frequentes deslocações do grupo de bombas para acompanhar as descidas e subidas do nível”, continuou.
Mais tarde, “a gruta foi intervencionada pela Câmara com o objetivo de abastecer as povoações locais”, referiu. A vereadora ressalvou que “o método adotado não era eficaz devido ao grande número de avarias provocadas pela subida turbulenta das águas […] bem como devido ao traçado sinuoso da gruta” e, que por isso, “a solução encontrada para o problema […] foi a construção de um poço que intersetasse a parte da galeria inundada, solução que hoje, passados 50 anos, ainda persiste”.
Costa Almeida, sócio da SPE, na sua intervenção explicou que “os maciços calcários normalmente têm grandes recursos, mas são difíceis de explorar. Têm problemas quanto à sua exploração e […] quanto à sua proteção”. “É muito difícil captar a água como se capta noutros aquíferos fazendo furos e obtendo caudais”. O professor deu relevância ao facto destes meios serem “extremamente vulneráveis, é necessária uma proteção muito rigorosa, nem sempre se consegue, porque facilmente eles são contaminados”. “Esta questão da poluição nestes maciços faz com que muitas vezes se esteja a desperdiçar recursos”, disse.
Ilda Calçada, geóloga e hidrogeóloga, fez a sua tese de mestrado sobre as metodologias utilizadas para o estudo da hidrogeologia cárcica desta região. “O caso prático da tese foi o Poço de Olho de Mira, em que foi colocado um limnígrafo, que é um equipamento que mede o nível de água no poço durante o ano que lá está”, em que se conseguiu ver a evolução do nível da água. “No verão não havia praticamente mudanças nenhumas do nível, mas no ano hidrológico que foi estudado, […] bastaram quatro dias de precipitação de 30mm/m2 para o nível subir 40 metros. Aí estamos nos tais movimentos rápidos que se viam na galeria natural e que também são visíveis dentro do poço”. Os dados deste estudo são de um ano e Ilda Calçada confessa que “é muito pouco. Para ser plausível tem que ser mais anos, tanto que a espeleologia neste momento tem sensores”. “Os dados também vão ser analisados neste âmbito, e vamos ter conclusões mais concretas no final”.
João do Rosário Batista, outro dos oradores, disse estar muito orgulhoso por ter estado nesta comemoração a prestar homenagem “a quem aqui trabalhou no duro”. Recordou também o seu tio, Artur Batista, que “foi, efetivamente, o impulsionador da exploração de águas privadas de três empresas”. João Batista explicou a sua experiência e um pouco da história, falou do furo que inicialmente fizeram para a captação de água. “O levantamento topográfico não foi perfeito”, por isso, “passou por cima do teto da gruta e abaixo do nível da água e não encontraram água”, lembrou.
João Batista deixou ainda um aviso ao Município: “Muito cuidado com a conspurcação desta água”. Apesar da Câmara já ter estendido o saneamento à parte da vila, a maior parte da população tem fossa sética, que, reforçou, “não serve para nada” porque nunca se enche. “A água que nós estamos a beber é uma roubalheira. É sempre a mesma. Ela vai lá acima e volta cá abaixo. É uma questão de filtração e purificação no caminho”. O engenheiro alerta que “estar a fazer saneamento com fossas que não vedam sem ligar esses esgotos diretamente à rede publica, é um perigo muito grande”.
Carlos Alberto Jorge, administrador das Grutas de Mira de Aire, corroborou a intervenção de João Batista, falando das fossas séticas que “é de facto muito importante, e nós sentimos na pele aquilo que se está a passar nas grutas. Aquela zona do Sifão das Areias está demasiado fustigada”. Acrescentou que “aqueles gases, aquelas lamas que estão depositadas no Sifão, subiram pelas grutas, o que causou algum mau estar aos turistas que estavam a visitar”. “Era muito importante que o Município levasse isso a peito, não é gastar milhões a fazer saneamento e não lhe dar uso. Não é sobre o consumo de água que se deve pagar. É sobre o que está a ser injetado na rede de esgotos”, rematou.
Cristina Lopes, presidente da SPE e moderadora da cerimónia, reforçou as palavras dos dois mirenses, afirmando que estava presente na altura e que “o cheiro era tão intenso a amoníaco que eles quase que não conseguiam sair. Foi mesmo muito sério”.
Telma Cruz garante que a Câmara “está empenhada nessa ligação ao saneamento e que as pessoas se liguem ao sistema, estando equipas no terreno a fazer ações de sensibilização. Também estamos a fazer o levantamento de todas as situações que existem que ainda estão por ligar”. “O Município está muito atento porque tem mesmo essa consciência: que é fundamental a ligação para a qualidade da água e a sua preservação, que é o mais importante”, tranquilizou a vereadora.
Alcides de Oliveira, presidente da Junta de Freguesia de Mira de Aire, confirmou as palavras da vereadora: “De facto tem sido assumido pelo senhor presidente de Câmara que é necessário que as pessoas de Mira de Aire se liguem ao saneamento básico”. “A nós todos, habitantes, resta-nos otimizar todo o vosso trabalho ao longo dos anos”, disse o presidente, referindo-se aos homenageados.
A relação entre Mira de Aire e a SPE é de longa duração. Este ano, a SPE comemorou 70 anos de existência, e Cristina Lopes, justificou que “a descoberta das grutas de Mira de Aire foi o grande motor, o grande impulsionador da criação da SPE” e que, por isso “houve sempre uma ligação muito estreita da SPE com a vila e com os mirenses”.
Ana Vieira | texto e foto