«Tendo em conta os aumentos brutais do preço do gás natural e da eletricidade, neste momento, para a indústria cerâmica, é mais rentável parar, que estar a produzir». A afirmação é do presidente da Associação Portuguesa das Indústrias de Cerâmica e Cristalaria (APICER), Luís Sequeira, em declarações à estação televisiva SIC, na sequência da denúncia pública feita por aquela associação de que o setor está em risco de colapso na sequência «do aumento brutal» da fatura de energia.
De acordo com Luís Sequeira, «a situação é muito grave. O gás natural teve um aumento de cerca de 300 a 400% relativamente aos preços em vigor e a eletricidade também aumentou bastante», o que torna «impensável manter a laboração com estes custos acrescidos». «Uma empresa que tinha uma fatura anual de gás natural de quatro milhões de euros, paga agora nove milhões», exemplifica. Ora, a isto falta ainda acrescentar o aumento de outros combustíveis, transportes e matérias-primas, sendo que estas custam agora «mais 30 por cento».
Para o presidente da APICER «estamos perante uma situação anacrónica: o setor que em 2021 aumentou as exportações em 20% tem agora este pesadelo de não saber como será o dia de amanhã» e se o Governo não estiver aberto a soluções como «moratórias, lay-off simplificado ou isenção da taxa de carbono», acredita que as empresas, inclusive aquelas «que já pararam a laboração mas que, naturalmente, continuam a ter que pagar aos seus trabalhadores», não vão aguentar muito mais tempo. Tudo depende da sua dimensão e da altura em que termina o contrato anterior mas a maioria só vai conseguir sobreviver escassos meses, defende.
Empresários portomosenses muito apreensivos
E o que pensam os empresários de Porto de Mós sobre o assunto? Jorge Louro, da Deartis, empresa que se dedica a artigos de mesa, forno, utilitários, decorativos e acessórios de casa de banho em grés fino e faiança, confessa que está a ver a situação «com muita preocupação». «São aumentos muito significativos que depois não conseguimos refletir no preço. Trata-se de uma situação anormal com aumentos exponenciais de 200, 300 ou até 400% e isso tem um impacto muito significativo porque um produto nosso tem incorporado entre oito a 10% de custo energético, ora sendo este quatro vezes maior não é possível passá-lo para o cliente, tanto mais que a maior parte da produção deste ano estava já contratualizada a preços que não previam este aumento», refere. «Optámos por tarifários diferentes e vamos ver como é que este ano vai funcionar mas não auguro nada de bom».
Embora os aumentos sejam a nível global, Jorge Louro não tem dúvidas de que «esta situação afeta seriamente a competitividade das empresas portuguesas», até porque «aos custos da energia há que juntar todos os outros que vêm atrás, como as matérias-primas, componentes de decoração e salários e que se ainda não aumentaram, irão aumentar também a ritmo elevado».
E soluções? Quanto a isso, o empresário acredita que não há muitas, porque as que podiam funcionar dificilmente teriam a aprovação das entidades europeias. «A única que vejo é baixar as tarifas de acesso». Já o recurso ao lay-off, no seu caso não serve porque a empresa já tem compromissos assumidos e faz questão de os cumprir.
O Portomosense falou também com Joaquim Umbelino Monteiro, da Silmar, empresa que até há cerca de um ano estava a produzir ladrilhos rústicos e feitos com extrusora, e telha romana. Neste momento a produção está parada e o seu proprietário reconhece que ainda não tem uma data para retomar a atividade. «Precisamos de comprar um forno mais económico para ter menor consumo energético porque aquele que temos estava com um consumo muito alto e teve que se parar, mas não vamos fazer esse investimento enquanto esta questão da energia não estabilizar», diz o empresário.
«Quase todo o setor tem que cozer a matéria-prima, portanto, e como é evidente, isso representa um custo em gás e eletricidade, brutal, daí ser gravíssimo este aumento do preço da energia» refere, confirmando que neste momento há muito menos movimento comercial estando várias empresas a reduzir a produção ou a interrompê-la. «Hoje, na estrada, por exemplo, só me cruzei com dois camiões, quando antes estava tudo cheio deles», reforça.
Haver hipótese de recorrer ao lay-off simplificado enquanto as coisas não melhoram, poderá ser bom mas não resolve tudo, considera. Quanto à perda de competitividade das empresas afirma estar bem à vista e dá o seu próprio exemplo: «Devido aos custos, já estou a tentar trazer telha de Espanha porque lá, como o gás e a eletricidade são mais baratos, a telha é também mais barata».