Será que é necessário licenciar um desfile de Carnaval protagonizado por crianças e jovens das escolas? Vários presidentes de Junta do concelho de Porto de Mós, até há poucas semanas, acreditavam que não e, de facto, ao que tudo indica, só o é se no decorrer do mesmo houver utilização de música, mas disso não sabiam e daí a surpresa quando contactados pela Sociedade Portuguesa de Autores (SPA). Na altura, quem assumiu que o desfile na sua freguesia iria ter música, optou por pagar a respetiva taxa para evitar males maiores mas, mesmo assim, o assunto chegou à Assembleia Municipal, pela mão do presidente da Junta de Freguesia do Alqueidão da Serra, Filipe Batista, que disse que «assim vamos acabar com as coisas todas», confessando-se surpreendido pelo pedido de dinheiro por um evento que é «o Carnaval, com os miúdos a saírem à rua com uns apitos».
«Fui surpreendido pela SPA, por causa de um evento que foi organizado pelo Município e não me senti minimamente responsabilizado por nada, mas sei que alguns dos meus colegas até pagaram. Eu disse à senhora que não havia carro nenhum, nem música, apenas uns apitos e umas gritarias e, como ficou surpreendida, até a convidei a vir cá ver», disse, aproveitando, contudo, para apelar ao Município para que, numa próxima edição, se for para as Juntas assumirem a organização, que as informe disso mesmo. O autarca disse, ainda, que «é importante chamar a atenção destas entidades porque senão vamos acabar com tudo».
Artur Louceiro, o presidente da Junta de Freguesia do Juncal, é um dos que assume que pagou o que lhe foi pedido. «Nós pagámos as taxas do Carnaval, tanto o parecer da GNR como o valor pedido pela SPA para podermos passar música, porque não queríamos ter ali os miúdos na rua e, de repente, aparecer alguém que proibisse o desfile e mandasse tudo para trás», justificou.
Em resposta às intervenções dos autarcas de freguesia, o presidente da Câmara, Jorge Vala, começou por dizer que «a organização nunca foi das freguesias mas do Agrupamento de Escolas». «Eu nem consigo perceber muito bem porque é que a SPA andou a telefonar para as juntas a solicitar o pagamento. A ideia que tenho, mas que não fui confirmar, é que o Agrupamento estará isento de licenças para a SPA, porque, quando há festas de finalistas, nós passamos licenças mas não é necessário a associação de estudantes pagar à SPA», referiu. «Mesmo assim, e se no futuro se forem confrontados com uma situação destas, como é uma organização concelhia repartida pelas freguesias, naturalmente que o Município assume essa responsabilidade, não tem de ser acarretada pelas Juntas. De qualquer forma, se entenderem necessário podemos sempre reclamar», acrescentou.
SPA responde a críticas
Face à surpresa e algum “incomodo” manifestado pelos autarcas, O Portomosense procurou saber junto da SPA qual o critério usado para a cobrança de uma taxa a um desfile escolar, o porquê de terem sido as Juntas a serem contactadas e se, no caso de uma Junta provar que o desfile na sua freguesia não teve utilização de música, se admitia devolver essa verba. Em resposta por escrito, o diretor da SPA, Carlos Madureira, começa por manifestar a sua estranheza «pela alegada surpresa e desagrado manifestados por presidentes de juntas de freguesia, uma vez que todo o processo de licenciamento (que ocorreu apenas com quatro juntas de freguesia) decorreu de forma muito cordial e tranquila, sem que tivesse sido apresentada qualquer questão ou reclamação».
De acordo com o responsável, «a SPA não exigiu o pagamento de qualquer valor às juntas de freguesia que informaram que não iria existir a utilização de música nos eventos por si promovidos», por isso «foram emitidas autorizações e cobrados os direitos de autor apenas a quatro juntas de freguesia, após terem confirmado que iriam utilizar música nos seus eventos», tendo sido estas que informaram a SPA dos elementos necessários para a determinação do valor do pagamento devido aos autores, designadamente data e local do evento, número de participantes e qual o modo de utilização da música». O valor a pagar foi determinado de acordo com «os critérios previstos na tabela de valores mínimos de execução pública em vigor na SPA e disponível para consulta em www.spautores.pt».
“O bom senso existe na correta aplicação das taxas”
O motivo para serem as juntas as contactadas tem a ver com o facto de «na informação difundida publicamente, os promotores destes eventos serem as juntas de freguesia», o que terá sido confirmado aquando do contacto por parte da SPA. Assim, segundo Carlos Madureira, «uma das obrigações dos promotores de eventos é a obtenção de autorização para a execução pública de obras musicais e literário-musicais, bem como o pagamento da correspondente remuneração aos autores» e «foi essa a razão que justificou que fossem as juntas de freguesia a cumprir estas obrigações e não os agrupamentos escolares», mas mesmo que fossem estes «não haveria isenção do pagamento devido aos autores para a execução pública das obras». Deste modo, «a SPA assegurou o pagamento aos autores de forma legítima, legal e de acordo com as suas competências legais e estatutárias», sublinha.
Em resposta à pergunta se não teria havido alguma falta de bom senso ou excesso de zelo, uma vez que se está a falar de meros desfiles escolares sem qualquer intuito comercial, o diretor da SPA é claro: «A Sociedade Portuguesa de Autores foi constituída para a defesa dos direitos e dos interesses dos autores e titulares de direitos autorais. É essa a sua finalidade, a sua função e a sua razão de existência. Compete à SPA assegurar o pagamento devido aos autores sempre que sejam utilizadas, em lugar público, obras protegidas pelo direito de autor. A ponderação e o bom senso não está, nem pode estar, na isenção do pagamento dos valores nas situações em que estes são devidos, mas sim na correta aplicação das tabelas de valores mínimos de execução pública, tendo em conta as características de cada evento, o que também se verificou neste caso».