A língua é impercetível, mas as expressões faciais, essas são universais, não precisam de tradução. Os refugiados ucranianos que chegaram a Mira de Aire, no dia 20 de março, traziam no olhar o medo, a tristeza e a dor. Sem conseguir apagar as marcas da guerra e do terror, que já terão vivido até ali, Portugal e outros países europeus têm disponibilizado alojamentos, famílias de acolhimento, bens e tantos outros serviços para acolher da melhor forma estes cidadãos.
O concelho de Porto de Mós já se juntou a esta onda de solidariedade e recebeu cerca de 80 pessoas ucranianas, que foram acolhidas, num primeiro momento, num almoço nas instalações da Associação Rancho Folclórico de Mira de Aire. O Portomosense foi acompanhar a chegada dos refugiados e esteve à conversa com alguns membros da organização responsável pela iniciativa. Gabriela Antunes, tesoureira da associação, explicou que as refeições foram preparadas pelo grupo, que acedeu imediatamente ao pedido feito pela Câmara. «Só tenho a dizer que estamos muito felizes por estar a fazer isto. É mesmo muito gratificante», admitiu. A vice-presidente do rancho, Adelaide Abreu, não conseguiu expressar por palavras aquilo que estava a sentir. Passados alguns instantes, conta que em tempos passou também ela por uma situação semelhante, provocada pela guerra em Moçambique, que a obrigou a sair do país e a vir para Portugal sem quase nada. Por isso, admite que este momento lhe toca ainda mais.
Na receção dos refugiados esteve também presente a vereadora da Ação Social da Câmara Municipal de Porto de Mós, Telma Cruz, que explicou o processo de acolhimento: «Das pessoas que chegam hoje, 18 serão levadas para a Quinta da Mirinha, onde vão ser acolhidas por uma estrutura de missão e cada elemento da estrutura ficará encarregue de acompanhar uma família». Telma Cruz, que é também a responsável pela estrutura de missão criada pelo Município, conta ainda que, em relação aos restantes refugiados que chegam, uns têm familiares no concelho e, por isso, serão recebidos por eles e outros têm uma família de acolhimento sinalizada à sua espera. A vereadora informa ainda que há disponibilidade para receber mais cidadãos ucranianos, uma vez que existem ainda «algumas famílias de acolhimento». A chegada destes cidadãos constitui uma oportunidade para estas pessoas reorganizarem, de alguma forma, a sua vida em Porto de Mós, considera Telma Cruz, acrescentando que também é importante para o concelho, que tem necessidade de recursos humanos para trabalho, «sendo esta uma forma de os fixar cá».
A dor das crianças
O Portomosense esteve ainda à conversa com uma voluntária que fez o acompanhamento da viagem até Portugal, Marii Shyichuk, que realçou momentos que foi presenciando da Ucrânia até à chegada a Porto de Mós. Começa por contar que algumas das cidades ucranianas «já não são nada, resta apenas a destruição de bombardeamentos». A voluntária reforça ainda, com a voz trémula, que «custa ver crianças todas assustadas». Marii Shyichuk realça que durante grande parte da viagem, na carrinha onde vinha, estava uma criança que chamava pelo pai. Embora acredite que aquela criança não tem consciência do que está a acontecer ao certo, considera que ela sente a falta e a dor da perda. Marii Shyichuk acrescenta que, para quem chega, «é difícil», porque as pessoas estão muito assustadas, revela.
Fotos | Rita Santos Batista