Cerca de 40 colaboradores de meia dúzia de IPSS, unidades de cuidados continuados e lares do concelho participaram no passado dia 2 num workshop promovido pela Unidade de Cuidados na Comunidade (UCC) Dom Fuas Roupinho, intitulado Empoderar para melhor cuidar – Comunicar com o utente e família. Esta ação decorreu no âmbito do estágio do mestrado em Enfermagem de Saúde Comunitária e de Saúde Pública que as enfermeiras Catarina Moniz e Damiana Sousa estão a realizar naquela unidade.
Para falar sobre o tema foi convidado o enfermeiro Márcio Santos, professor da Escola Superior de Saúde de Leiria e formador na área da Saúde. O orador começou por estabelecer a diferença entre informação e comunicação e identificar os diferentes conceitos de comunicação, chamando a atenção para o facto de que «os silêncios também comunicam» e que «às vezes, mais vale um silêncio que deixa espaço e respeita o espaço do outro». «Os melhores comunicadores são excelentes ouvintes», afirmou, realçando que «saber escutar, mais do que falar, é o grande segredo da comunicação interpessoal».
De acordo com Márcio Santos, «quando alguém comunica connosco, passados uns dias só retemos 7% do que foi dito, 38% da forma como falaram connosco (a entoação e a velocidade das palavras, por exemplo) e mais de 50% dos gestos que as pessoas fizeram. Portanto, o que salta à vista são os seus movimentos, os gestos, o olhar, o riso, o choro, a postura». Perante isto, considera que «não é preciso falar muito, até porque, por vezes, faltam as palavras perante alguém que já apresenta alguma demência ou que tem patologias a ela associadas e com a qual a comunicação verbal se torna difícil». Assim, «por vezes, basta um toque, o dar a mão, o dar um abraço, que são gestos tão ou mais poderosos que as palavras que possamos dizer para aliviar o sofrimento do outro, a ansiedade, o medo, as dúvidas».
Comunicação é fundamental
Entra “em jogo” o toque terapêutico mas para que resulte «é importante criar uma relação de proximidade e de empatia com os utentes, mas há alguns que não querem. O toque é importante, mas devemos respeitar o tempo da outra pessoa, o momento certo de o fazermos e a aceitação de quem está ao nosso lado», afirmou, recordando que «isto não é uma receita absoluta». «Vocês estão 24 horas com as pessoas de quem cuidam e, por isso, têm a possibilidade de partilhar situações, sentimentos, pensamentos e reações que podem interferir positivamente no processo de comunicação e no processo de cuidar. Ninguém melhor que vós tem este instrumento que é desenvolver uma relação de empatia e de confiança com os utentes e abrir caminho para uma relação de ajuda», afirmou.
Assim, segundo o docente e enfermeiro, «temos uma pessoa com uma vulnerabilidade e que está num desafio de dificuldade física, psicológica, social» e depois são os cuidadores que ao estabelecerem uma relação de ajuda «conseguem encontrar os recursos necessários para a pessoa ter uma melhor qualidade de vida».
Outras sugestões
Numa sessão marcada por vários exercícios práticos com vista a que os participantes tivessem noção das dificuldades e “armadilhas” que se levantam no processo de comunicação, o especialista deixou alertas e conselhos. «É importante que o cuidador crie uma relação empática com o utente colocando-se no seu lugar, tentando perceber o que estará a sentir e as suas necessidades e aceitá-lo naquilo que é e por aquilo que pensa». Importa também conhecer a sua história: «Estamos a tratar de um ser humano que carrega uma história, uma pessoa que antes de chegar à nossa instituição já tinha todo um percurso de vida feito», disse. Cuidar da linguagem é outra das coisas a ter em conta. «Muitas vezes recorremos a diminutivos mas será que quando dizemos de forma carinhosa, “ó meu velhinho”, ele, de facto percebe que a nossa intenção é ser carinhoso ou, pelo contrário, fica melindrado?», questionou.
Segundo o orador, «a comunicação terapêutica tem como principal objetivo a autonomia do doente», estabelece «uma relação de ajuda e dá a oportunidade e tempo para amadurecer a relação que tem com o cuidador, uma vez que precisa de tempo para se ajustar à sua maneira de ser e de trabalhar». «Conquistar a confiança do utente é meio caminho andado porque esta o ajuda a equilibrar-se e se estiver em equilíbrio consigo e com os outros, vocês cuidam muito melhor dele e dão sentido às suas necessidades, portanto, a comunicação terapêutica é uma forma de utilizarmos os recursos de que dispomos para que os utentes tenham uma melhor vida ativa», frisou.
Neste processo, disse, também é muito importante a escuta ativa. «Comunicar não é só dizer “bom dia” ou “como está”, é escutar ativamente para sabermos qual é o problema e tentar arranjar a melhor forma de o resolver». Do rol das “dicas” fazem parte, ainda, o simplificar o discurso recorrendo a frases curtas e diretas e uma de cada vez; dar tempo ao utente de pensar na resposta; ter atenção às suas motivações; respeitar a sua autonomia e tratá-lo como pessoa adulta.
Família é importante
A família é um dos atores fundamentais no processo de comunicação e, nesse sentido, Márcio Santos defendeu que os cuidadores devem procurar junto das famílias saber um pouco das histórias destes. Por outro lado, «é importante ajudá-las a perceber que o sr. António que até foi presidente da Junta e que era infatigável, é agora uma pessoa frágil que precisa de ajuda para a realização de tarefas simples». «Vocês têm a obrigação de o ajudar mas também de o dar a conhecer à família nas suas limitações e igualmente nas suas conquistas. Podem também dar conselhos da forma como agora o podem ajudar» sublinhou, afirmando que o objetivo é que cuidador, família e utente possam expressar as suas dificuldades e opiniões e com isso o apoio ao idoso seja real e efetivo. «Cabe-vos tornarem a comunicação com o utente e a família o mais terapêutica possível», concluiu.
“Façam a diferença”
A encerrar a sessão, Catarina Moniz recordou aos cuidadores que tudo o que fazem na sua instituição é fundamental para fazer a diferença na vida de quem cuidam e é isso que se pretende deles. Clarisse Louro, na qualidade de professora do IPL deixou mais alguns conselhos: não é fácil trabalhar com as famílias, cada família é uma realidade, mas há que o fazer e sempre com a preocupação de não dar informação a mais ou a menos, e nunca devemos tratar o idoso como “avozinho”, “coitadinho” ou qualquer outro diminutivo, mesmo que o façamos no sentido de sermos simpáticos e de agradar.
Por último, Sílvia Venda, enfermeira, membro do conselho técnico da UCC Dom Fuas Roupinho, reforçou a ideia de que é muito importante que quem cuida tenha formação própria e nesse sentido garantiu que a Unidade está atenta às necessidades das instituições e disponível para continuar a promover outras ações.
Foto | Isidro Bento