O Portomosense dá hoje mais um contributo para a discussão sobre a dinâmica cultural do concelho e sobre que Cultura queremos para o futuro. Depois de termos ouvido os autarcas, desta vez damos a voz a dois dos agentes culturais do concelho: Magda Reis, a nova presidente do Circulo Cultural Mirense, de Mira de Aire, e António Almeida, presidente do Fórum Cultural Portomosense (Porto de Mós) que junta na mesma associação o Grupo Coral Vila Forte, o grupo de teatro “O Trupêgo”, a Banda Recreativa Portomosense e a associação O Castelo.
António Almeida: “Por vezes criamos coisas interessantes mas não lhes damos continuidade”
“A Câmara é que é o grande motor da dinâmica cultural do concelho e as associações acabam por ter de ir a reboque”. Quem o diz é António Almeida, o presidente do Fórum Cultural Portomosense, entidade que junta quatro associações. E antes que se leia aqui uma crítica, o dirigente associativo esclarece que é a mera constatação de um facto, até porque acredita que «essa é também a função da Câmara».
António Almeida afirma que «não nos podemos queixar da cultura que o Município vai subsidiando” e que por «parte do vereador há a preocupação de ir fazendo coisas mesmo que, nalguns casos, sejam inspiradas no que acontece noutros concelhos».
Para o presidente do Fórum «o papel da Câmara é fundamental, no entanto, e no caso do teatro, que é o que conhece melhor, esta estará «a dar o peixe todo, amanhadinho, inclusive». Só que isso levanta um problema a médio prazo: «se o peixeiro se for embora, os grupos terão muita dificuldade porque não aprenderam a pescar». Nesse sentido, defende que «devia haver maior autonomia» em relação à companhia profissional que faz o “acompanhamento técnico” dos festivais e dos grupos.
«Criar coisas novas e diferentes, algo que os críticos portomosenses querem imenso» não é fácil, defende. «Já está tudo inventado e torna-se difícil competir com quem o faz há anos e anos». Além disso, «nós deixámos perder algumas oportunidades», frisa. «Na altura em que o João Neto era vereador da Cultura fez uma feira/festa medieval que não teve continuidade e essa foi uma das várias oportunidades perdidas. Hoje teríamos uma feira com 20 anos, perfeitamente consolidada, e que se justificava em pleno», refere.
Olhando para a cultura a médio prazo, Almeida julga que «se conseguirmos manter aquilo que há mas procurando aumentar a qualidade, já é muito bom» e deixa um alerta: «Por vezes, criam-se coisas interessantes, mas depois falta dar-lhes continuidade e é importante que aquilo que fazemos bem, se repita e com uma periodicidade certa para conseguirmos fidelizar público local e regional». Em jeito de sugestão, deixa o desafio para que depois de concluídas «as excelentes conferências integradas nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril», o modelo não se esgote aí e Porto de Mós possa manter este tipo de fórum com outras temáticas mas procurando sempre oradores de reconhecido mérito.
Há muito ligado à Cultura, valoriza o que se faz a nível local, mas considera que é muito importante o acesso a espetáculos e exposições com artistas nacionais. «Por vezes, diz-se que não se faz nada no Cineteatro por não ter condições mas o Agir atuou na Central das Artes, numa sala só com cadeiras e foi um excelente espetáculo, o que prova que não são precisos grandes espaços nem grandes condições para as coisas acontecerem», frisa. «Para espetáculos mais intimistas temos, entre outros, o Castelo, as igrejas e capelas (já imaginaram, por exemplo, uma serenata com fado de Coimbra no morro da Capela de Santo António (Porto de Mós) ou no anfiteatro que lhe está contíguo?). Há, ainda vários espaços naturais que começam a ser valorizados», diz.
E será Porto de Mós um meio difícil para as coisas da Cultura? António Almeida acredita que não e dá o exemplo dos dois festivais de teatro que «esgotam sempre».
Magda Reis: ” Oferta cultural tem estado muito centrada na vila de Porto de Mós”
Será que o concelho tem uma boa dinâmica cultural? À pergunta, Magda Reis, a presidente do Circulo Cultural Mirense (CCM), responde que a classificação “bom/mau” é muito redutora, preferindo realçar que nas dinâmicas que tem acompanhado em várias associações e em várias freguesias «sente-se um esforço coletivo para que haja uma melhor ou mais diversificada oferta cultural». No entanto, para a dirigente associativa «se calhar, nos últimos anos, a oferta tem estado muito centrada na vila de Porto de Mós», defendendo, por isso, que o «descentralizar e o diversificar será sempre uma mais-valia até porque há cada vez mais pessoas de fora e que trazem outros gostos e outras dinâmicas e que não se fixam apenas na sede de concelho». Deve-se, ainda, ter em conta, «a oferta para os turistas de passagem ou que passam cá alguns dias».
«Claramente tem de haver um trabalho das associações, mas o Município será sempre o parceiro ideal e importante promotor porque sabemos que quem se envolve no associativismo, o faz por “carolice” e não dispõe de muito tempo», diz, acrescentando que a parceria existe, admitindo, contudo, que possa haver instituições «que não estão totalmente satisfeitas por falta de celeridade nas respostas ou destas não serem as mais adequadas ao seu caso», lamentos que, esclarece, não são os seus.
No entender de Magda Reis, «é importante que o Município promova eventos mas que não perca o foco da mais-valia que é um investimento nas associações e no crescimento da cultura local». Neste contexto, é fundamental o apoio financeiro que lhes permita manter uma oferta cultural permanente. O Município deve também, apostar na manutenção dos equipamentos culturais, frisa, dando como exemplo a Casa da Cultura, em Mira de Aire, «um espaço de exceção mas que não responde às sua totais potencialidades por ter uma clara falta de equipamentos e de manutenção».
Embora seja outro problema de que a sua associação não se queixa, considera que «é importante criar um mecanismo em que todas percebam que tipo de apoios têm ao seu dispor e o porquê desta ser apoiada com “x” e outra com “y”». Outra das ideias defendidas é a da necessidade de parcerias entre instituições, nomeadamente, em termos de partilha de equipamentos e de espaços evitando a duplicação de investimentos e de despesa.
Trazer ao concelho artistas nacionais é, na sua ótica, «uma mais-valia não só para proporcionar à população um tipo de oferta cultural que não tem na sua terra, mas também para atrair pessoas de fora», defendendo, no entanto, que isso se faça «de forma concertada e de acordo com o interesse geral». Para Magda Reis estará a faltar «um evento efetivamente diferenciador e capaz de atrair pessoas de vários pontos do país como acontece, por exemplo, em Óbidos com o festival do Chocolate».
A diversidade e a descentralização da oferta devem ser apostas de futuro, realça. Depois, há que fixar um calendário e melhorar a comunicação com o público, mas também entre pares, de modo a que as pessoas não se queixem que só souberam de determinado evento já depois de ter acontecido, e que os agentes culturais, por desconhecimento dos planos de cada um, não dupliquem ofertas idênticas para as mesmas datas.