Já muita tinta correu desde 13 de fevereiro, dia em que foi conhecido o relatório final (Dar Voz ao Silêncio) da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, onde foi tornado público o número de vítimas de abusos sexuais registadas no seio da Igreja, desde 1950 até à atualidade. 512 – foi este o número de testemunhos validados pela Comissão (de um total de 564 denúncias), 512 pessoas que «deram voz ao silêncio» ao denunciarem os abusos de que foram vítimas. A maioria (57,2%) identificou-se como sendo do sexo masculino e 42,2% do sexo feminino. Segundo o relatório de 486 páginas, as situações de abuso ocorreram em todos os distritos de Portugal, 21 dos quais foram cometidos no distrito de Leiria, dois deles no concelho de Porto de Mós.
Vigário de Porto de Mós fala em “situação lamentável”
Confrontado com estes dois casos de abusos sexuais praticados na Igreja, o pároco Leonel Batista, vigário da vigararia de Porto de Mós, começa por dizer que não dispõe de informação sobre estes casos em concreto e adianta que a única coisa que sabe é que, das pessoas que estavam referenciadas por «eventualmente» terem praticado abusos na Diocese de Leiria-Fátima, «três eram sacerdotes e dois eram leigos». A indicação que tem é que, desses, «os três sacerdotes já faleceram há algum tempo», pelo que, acredita, «neste momento, não há propriamente indício de que haja um padre que seja abusador aqui na nossa vigararia». «Aquilo que sei é que poderá ter havido um sacerdote – não se sabe o nome – que poderia estar ligado a Porto de Mós, e então vem essa referência, não quer dizer que os abusos tenham sido cá», acrescenta.
O vigário, que tomou posse há menos de um mês como responsável da vigararia de Porto de Mós – da qual fazem parte as paróquias de Alcaria, Alqueidão da Serra, Alvados, Arrimal, Mendiga, Mira de Aire, Pedreiras, Porto de Mós, Serro Ventoso, São Bento, Minde e Serra de Santo António –, reconhece que esta é uma «situação lamentável» e, embora esclareça que os abusos não aconteceram na sua linha temporal, pede desculpa a todas as pessoas que foram vítimas de abusos sexuais na Igreja Católica. «Em nome de toda a Igreja e, neste caso, do Clero, pedimos desculpa àquelas pessoas que possam ser vítimas», refere.
Questionado sobre eventuais medidas que pudesse ter posto em prática na sua vigararia, após a divulgação dos resultados do relatório, o pároco Leonel Batista responde com outra pergunta: «Que tipo de medidas é que querem que a gente tome ou que acham que a gente deveria tomar? Não sei o que podemos fazer, não há propriamente um teste de soro fisiológico que a gente possa dizer que uma pessoa vá fazer este mal ou aquele», ironiza. Ainda assim, e apesar de considerar que «não há propriamente nada de especial» que os membros do Clero possam fazer, o padre adianta que nas paróquias pertencentes à sua vigararia tem dito aos fiéis que, «se houver alguma coisa» com «pessoas ligadas à Igreja», denunciem. «A única coisa que temos a dizer às crianças e aos adultos que se sentem de alguma forma lesados é para não se calarem», frisa o pároco, dizendo acreditar que, hoje em dia, as pessoas já estão «formadas nesse sentido». Por outro lado, e apesar de descartar qualquer tipo de campanha de sensibilização sobre a temática, o vigário Leonel Batista garante que nas paróquias fazem questão de recordar os mais novos para as ferramentas que estes possuem para «se protegerem» contra eventuais abusos: «Vamos ensinando as crianças para elas estarem de, alguma forma, atentas às variadas formas de abuso, não só na Igreja mas mesmo quando estão na escola».
Viver sob o “estigma” da pedofilia
Fazendo alusão às críticas em torno do silêncio das paróquias perante a existência de dois casos de abusos sexuais no concelho, o vigário justifica-se, confessando não saber «o que as pessoas querem que seja dito»: «A gente pode pedir desculpas, eu posso pedir desculpa, mas não propriamente por uma coisa que eu tenha feito, foi antes de eu ter nascido sequer. Nós não temos uma máquina do tempo, para que possamos ir impedir as pessoas de fazerem aquilo que fizeram», lamenta. Admitindo não saber o que se possa mais dizer ou fazer sobre estes casos de abusos sexuais, o padre Leonel Batista afirma que irá continuar a fazer o seu trabalho como até agora, mas tem consciência de que, após este escândalo que envolve a Igreja Católica portuguesa, há agora «uma sombra» que o irá acompanhar, a ele e a todos os sacerdotes. «Tanto eu como os meus colegas não deixamos de fazer o nosso trabalho. Vamos continuar a fazê-lo o melhor que podemos, claro que já sei que será sempre com esta sombra, com esta nuvem e este estigma, o que também não nos deixa propriamente muito tranquilos. Eventualmente podemos ter as pessoas, com um olhar, a dizer que somos pedófilos quando não temos nada a ver com isso», desabafa.
Vigário da Batalha escusa-se a prestar declarações
As restantes duas paróquias do concelho de Porto de Mós – Calvaria e Juncal – não foram nomeadas anteriormente por pertencerem a uma outra vigararia, a da Batalha, juntamente com as de Aljubarrota, Alpedriz, Batalha e Reguengo do Fetal. Armindo Ferreira é, desde o início do mês, o pároco responsável por esta vigararia e a quem fomos pedir mais informações sobre os dois casos de abusos sexuais ocorridos no concelho de Porto de Mós, que constam do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, mas este optou por não prestar quaisquer declarações. Ao nosso pedido, o pároco escusou-se a responder sobre a questão em causa, alegando não ter «qualquer tipo de informação sobre o assunto»: «Nada, nada, nada, não sei de nada, absolutamente nada». Perante a nossa insistência, o vigário Armindo Ferreira foi mais longe, não mostrando abertura para nenhum tipo de esclarecimento: «Não faço ideia, nem lhe diria!», atirou, em tom sarcástico.