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Das provas de estrada ao trail, o sucesso está no treino

31 Janeiro 2019
Catarina Correia Martins

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Catarina Correia Martins

31 Jan, 2019

José Henrique Rosário deu os primeiros passos no atletismo no Clube Desportivo Ribeirense, na Ribeira de Cima, de onde é natural. Depois de vários triunfos nas provas de estrada, sendo mesmo considerado um dos melhores do concelho à época, a certa altura decidiu «arrumar as sapatilhas, nem sequer treinava», e assim esteve oito anos, até regressar, desta vez para o trail. As sapatilhas não lhe perderam o jeito e nesta segunda fase, Henrique Rosário é presença constante nos pódios.

Foi aos 19 anos que conheceu o atletismo, no entanto diz que foi a corrida que o escolheu e não o inverso. A justificação que dá é que tudo começou por brincadeira: «Eu vi lá os outros [seus amigos], desafiaram-me e o bichinho pegou». Depois as coisas fluíram de forma natural, começou a ir aos treinos e a participar em provas, das quais começou a trazer títulos.
Correu pelo Cumeirense, pela Mendiga, pelo Eirapedrense (de Fátima) e pelo Clube de Atletismo da Barreira (Leiria); diz que teve «convites de clubes maiores», salvaguardando que não se refere ao Benfica ou ao Sporting – «mas também nunca tive esses objetivos, [o atletismo] sempre foi um passatempo», conta.

Hoje, ainda que faça algumas provas de estrada, é no trail que se tem notabilizado. Atualmente, prefere «o trail, sem dúvida nenhuma», diz, e explica que «se for fazer um treino ou uma prova de estrada, são precisos dois ou três dias para recuperar; enquanto que se for uma prova de trail, no dia seguinte não dói nada». Além disso, acrescenta, «o alcatrão dá cabo das articulações porque na estrada o ritmo e o bater do pé são sempre os mesmos, e na serra há curvas, há pedras, o ritmo é totalmente diferente», esclarece.

E as diferenças não se ficam por aqui, também o ambiente vivido «não tem nada a ver com o da corrida»: «Agora já não é bem assim porque há provas de trail com muita gente, mas nós chegávamos a essas provas e já nos tratávamos por tu, já nos conhecíamos pelo nome. Nas provas de estrada chegamos à partida, conhecemos dois ou três vizinhos e no final vai tudo embora. No trail há provas que têm um almoço ou um lanche partilhado e os participantes convivem», afirma. Considera que o facto de o espírito ser diferente advém também das próprias regras, uma vez que «em montanha, na maior parte dos regulamentos está escrito que é obrigatório dar assistência aos colegas que caírem» e caso isto não seja cumprido, está eminente uma desclassificação.

Custos condicionam opções

José Henrique Rosário foi toda a vida amador no desporto. Hoje, com 45 anos, afirma que a sua maior dificuldade está na carteira, «porque há provas em que se paga muito [de inscrição] e depois há tudo o resto: os equipamentos, as viagens, se for uma prova muito longe é necessário ir no dia antes e pagar estadia…». O atleta explica que os equipamentos básicos como a roupa e o calçado são caros e que há todos os extras que, por vezes são obrigatórios: «Numa prova de 30 quilómetros, muitas vezes é preciso levar um apito que já vem incorporado na maior parte das mochilas, telemóvel, recipiente com líquidos e manta térmica», conta, e conclui que «no trail é só prejuízo [para quem o pratica]». Henrique Rosário diz que, a continuar assim, só há duas hipóteses, ou «só os ricos é que ficam no trail» ou então têm de ser pessoas que, como ele, fazem «uma prova de vez em quando», caso contrário «não há carteira que aguente».

É por este motivo que os seus objetivos vão sendo traçados aos poucos. «Não faço provas muito grandes, mas este ano queria fazer uma de 115 quilómetros e, muito provavelmente, não a irei fazer porque não tenho poder económico para tal, patrocinadores não há…», explica, acrescentando que o trail é um passatempo e que, por isso, não pode «tirar o dinheiro que serve para meter a comida na mesa e gastá-lo no atletismo». Racionalmente, é uma decisão simples: «Se não tenho dinheiro para fazer uma inscrição, não vou àquela prova».

“Tem que haver treino, não há milagres”

Para atingir níveis de excelência, José Henrique Rosário aponta dois fatores fundamentais: «Tem que se treinar e ter espírito de sofrimento». Devido ao seu emprego, quer nos tempos da corrida, quer agora – Henrique Rosário trabalha atualmente na construção civil – é obrigado, muitas vezes, a treinar sozinho, afirmando mesmo que 90% das vezes treina sozinho e à noite. «Raramente treino em estrada, só treino em serra praticamente, e andar na serra não tem nada a ver com o andar a treinar em estrada. Na estrada ainda vemos o vizinho, este ou aquele… Nos meus treinos, muitas vezes, faço 20 quilómetros sem ver ninguém na serra», conta. É por isto que diz que «se não se tiver espírito de sofrimento e vontade, não se vai para a serra sozinho… É preciso ser um bocadinho maluco também», brinca.

O atleta portomosense aponta um outro fator fundamental para aquilo que tem sido o seu sucesso: o quintal onde treina, como carinhosamente chama à «nossa serra». Aqui «temos de tudo para treinar, o bom piso para quem quiser fazer treinos rápidos, a ecopista que é um bom sítio para recuperar num dia a seguir a uma prova, temos singletracks, que são descidas ou subidas com muitas curvas, muitos obstáculos, muita pedra… Se formos para a Fôrnea, há ali paredes muito boas para treinar», enumera, reforçando que vive na vila de Porto de Mós mas que faz «um quilómetro de alcatrão» e está na serra.

Atualmente compete pela Associação Porto de Mós a Correr (APMC), federada na Associação Trail Running Portugal, que funciona como uma federação nacional da modalidade. É também sócio-fundador deste clube, criado há quatro anos. «O nome já existia antes só que era só um grupinho de amigos, mandámos fazer umas camisolas, cada um pagou a sua, depois vimos que se estava a juntar um grupinho jeitoso, reunimos e decidimos criar a associação», conta, lembrando que «cada um [dos sócios] meteu algum dinheiro, houve quem emprestasse dinheiro para cobrir o resto das despesas e a associação foi criada com sede na casa de um dos colegas, onde ainda hoje tem a sua morada oficial». Atualmente, a APMC faz uso de uma sala na Escola de Alvados, cedida pela Junta de Freguesia.

O trail no concelho

É sabido que a modalidade tem já vários adeptos no nosso concelho, mas José Henrique Rosário salvaguarda que o trail não é uma coisa nova: «Quando fiz provas de estrada, também cheguei a fazer provas de montanha, a que agora se deu o nome de trail. Mas só o nome é que é novo, a modalidade sempre existiu. Agora pegou moda e toda a gente quer fazer trail», explica.

«Em Porto de Mós há muitos atletas a fazer trail», no entanto há, para Henrique Rosário, um problema que sempre se colocou, nesta como noutras modalidades, «os atletas dispersam-se muito, nunca se conseguiu juntar toda a gente na mesma equipa», e afirma que «se isso se conseguisse, o concelho ficava com uma equipa capaz de discutir títulos a nível distrital e nacional».

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