De Turquia a Portugal (só) com a força das pernas

15 Setembro 2023

Jéssica Moás de Sá

Doze países em 95 dias, mais de seis mil quilómetros de bicicleta pela Europa. Quando Catarina Loureiro e Gwendolyn Sim se conheceram num hospital em Londres – numa altura de grande desafio (a COVID-19) – talvez não imaginassem que iam juntas numa aventura também ela tão desafiante. Catarina Loureiro, natural de Casal do Alho, Juncal, e Gwendolyn Sim, de Singapura, estão ambas emigradas em Londres. Depois de algumas experiências profissionais no estrangeiro, Catarina Loureiro, de 32 anos, sabia que queria trabalhar «junto do doente», algo para o qual a sua área, Ciências Farmacêuticas, ainda não está vocacionada em Portugal. Em 2016 partiu para o Reino Unido com «isso em mente», mesmo ano em que Gwendolyn Sim chegou também ao país para trabalhar como enfermeira. Mas só em 2020, quando a COVID-19 obrigou a reforçar os sistemas de saúde, se conheceram. «Fui enviada para a terapia intensiva da Gwendolyn e durante as rondas de enfermaria, a Gwendolyn viu que tinha um Garmin watch (relógio desportivo), falámos e percebemos que ambas gostávamos de desportos de endurance e ciclismo».

Catarina Loureiro já se deslocava de bicicleta para o trabalho. Gwendolyn Sim também já estava habituada a pedalar. Começaram por se desafiar para provas de triatlo e trail. O relógio que as uniu viria a registar tempos mais longos. A portomosense sempre «quis tirar um período sabático, uma pausa para viajar», algo que comentou com Gwendolyn Sim. «Ela propôs-me fazer uma viagem pela Ásia, porque ia ter dois casamentos em janeiro, nas Filipinas e na Austrália e costumava ir sempre a Singapura na altura do Ano-Novo Chinês. Como isto já envolvia várias viagens à Ásia, aproveitávamos quatro meses a viajar por lá», explicou. Gwendolyn conseguiu quatro meses junto do emprego. Mas quando Catarina Loureiro pediu o mesmo, a sua entidade patronal disse-lhe que só permitia se fosse por um período de nove meses. Portanto, sobravam-lhe quatro meses para mais planos. «O que é que eu pensei? Vou andar de bicicleta, fazer uma viagem que compense ecologicamente todos os aviões que vamos apanhar», recorda Catarina Loureiro. Quando contou isto a Gwendolyn Sim, «ela ficou invejosa», brinca, e também ela pediu e conseguiu nove meses para partirem juntas nesta aventura. Depois da Ásia, a Europa.

Preparado q.b.

Apesar de Catarina Loureiro se assumir como uma pessoa que gosta de preparar tudo, a verdade é que numa viagem de bicicleta «nunca se pode ser muito rígido», porque muitos fatores podem alterar o rumo. «Podes adoecer, cair, podem estar 40 graus, o estado anímico conta muito», salienta a jovem. Ainda assim, muito foi definido antes de partirem, nomeadamente os países pelos quais iam passar. A viagem tinha partida na Turquia e terminava “em casa” de Catarina Loureiro, Portugal. «Percebemos o que outras pessoas faziam, lemos sobre os países, percebemos o que precisávamos e optámos por ser minimalistas. Levámos tenda, uma cozinha, como íamos viajar no verão da Europa não precisávamos de megas casacos», explicou. Uma coisa que definiram a priori foi também não passar pelos locais mais turísticos. «É uma maneira de ver no terreno, não fomos aos sítios turísticos, com aqueles pacotes num resort, passámos pelas vilazinhas, pelos campos, vemos um país ou parte dele como é na realidade, com as partes bonitas e as feias também, é uma maneira de viajar, mais devagar, que me fascina bastante», frisa Catarina Loureiro.

“Restaurámos a fé na humanidade”

«Provavelmente a melhor parte deste tipo de viagens é a parte humanitária, do quanto as pessoas são capazes de ajudar», afirmam. Ambas dizem ter «restaurado a fé na humanidade», algo que se tem tendência a perder «quando se vive em grandes cidades».

Quando questionadas sobre o melhor momento da experiência, é precisamente sobre a ajuda que receberam de que falam de imediato. E começou logo no primeiro país, a Turquia. «Quando dissemos aos amigos turcos que íamos começar no seu país, chamaram-nos doidas, ainda por cima em período de eleições, que podia trazer violência», recordam. Mas a experiência não podia ter sido mais contrária. «Os turcos são de uma hospitalidade extraordinária» e as provas disso foram muitas. Uma das histórias mais bonitas que contam foi quando um dos homens cuja casa ficaram hospedadas «chamou os amigos ciclistas» para as «escoltar até ao próximo destino».

Quanto ao momento mau, foi mais difícil lembrar algum, tiveram sim «vários momentos desconfortáveis». Alguns dias sem poder tomar banho, ataques de mosquitos, calor intenso, foram alguns dos desafios. Mas é a França que “regressam” para relatar um dos dias mais difíceis, quando depois de muitos quilómetros e calor, só conseguiram um lugar no quinto parque de campismo que visitavam: «Estávamos na parte sul de França, Côte de Azur, desesperadas com o cansaço, transpiradas e o que nos sobrou foi um campismo cinco estrelas onde tivemos que pagar 71 euros por poucas horas (já chegaram de noite)», contam.

A gestão financeira da viagem

«Tínhamos um limite no orçamento, não tínhamos nenhum patrocinador e por isso registámos o que íamos gastando de forma a cumprir a meta», explica Gwendolyn Sim. A ideia era fazer uma viagem acessível, sobretudo nos países onde isso era possível: «Sabíamos que Itália, França, Espanha e Portugal, no verão, são países muito caros». «Não somos pessoas muito gastadoras, e poupámos muito fruto do nosso trabalho e também da pandemia onde não gastámos tanto. É preciso algum equipamento, mas também não é preciso a melhor bicicleta do mercado», começou por referir Catarina Loureiro.

A opção das duas jovens foi «serem equilibradas» nas bicicletas e equipamento que compraram e depois em toda a logística durante a viagem. «Levámos a nossa cozinha para cozinhar sempre que possível, fizemos muitas refeições nos supermercados, fomos a restaurantes poucas vezes, quanto a dormir, fizemos acampamento selvagem quando dava, ficámos em warmshowers [um serviço de partilha de casa gratuito, mas neste caso apenas de ciclistas], parques de campismo e muito excecionalmente em airbnb». Esta foi uma forma de juntarem o útil ao agradável: «Ficar em casas de pessoas, além de ajudar a poupar, torna a experiência muito mais interessante».

+ 2 000 euros

Catarina Loureiro e Gwendolyn Sim não queriam pedalar por pedalar, queriam que esta sua aventura tivesse «algum significado». Foi com esse intuito que se juntaram à associção World Bycicle Relief, «que dá bicicletas a crianças que têm de andar mais de cinco quilómetros para a escola». Esta bicicleta, em comunidades muito pobres, acaba por não beneficiar apenas a criança, «mas toda a família». A associação dá ainda bicicletas «a profissionais de saúde» que estão nestes países a tentar melhor os acessos à Saúde. «Estas bicicletas permitem que um médico que antes visitava dois ou três doentes possa agora «visitar 10». As ciclistas estão inscritas no site desta associação, onde fizeram um primeiro donativo e, através da sua aventura, incentivaram outras pessoas a doar também. Até ao momento já recolheram mais de dois mil euros e têm como objetivo declarado chegar aos cinco mil. Quem quiser doar pode fazê-lo através desta ligação.

Viagem foi partilhada nas redes sociais

Catarina Loureiro e Gwendolyn Sim foram partilhando a sua experiência no Instagram que criaram intitulado Twowheleed_vagabonds. A viagem foi também partilhada num website com um GPS em tempo real onde qualquer pessoa podia ver onde estavam em qualquer momento e onde também partilharam as experiências e fotografias. Quem quiser “espreitar” esta viagem pode fazê-lo aqui.

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