Na última reunião pública da Câmara Municipal de Porto de Mós, foi deliberada a adjudicação e aprovada a minuta do contrato da primeira fase de construção de infraestruturas da Área de Localização Empresarial de Porto de Mós (ALE). Um ponto que, aparentemente, podia ser simples e que serviria para informar que a obra foi adjudicada à Construções Pragosa resultou, na verdade, em discussão entre o presidente do Município, Jorge Vala, e o vereador da oposição, Rui Marto. O tema tem já feito correr muita tinta e desta vez não foi exceção, tendo, além de argumentos, sido trocadas acusações.
Rui Marto (PS) começou por dizer que quer «que se faça esta obra», algo que considera que «tem ficado claro» em todas as suas intervenções, no entanto «há duas ou três coisas» com as quais diz não se sentir «confortável» nem «descansado» e, «acima de tudo», não ser capaz de «perceber, no trabalho de pesquisa» que realizou, «até que ponto isto é bom ou mau para o Município».
«Foi amplamente divulgado pelo presidente da Câmara que não havia Estudo de Impacte Ambiental (EIA). É verdade que não havia e que ainda não há. Também não há Declaração de Impacte Ambiental (DIA) positiva. E o que estamos a fazer é agarrar num projeto de execução, que não sei se tem algum encaixe no EIA, que está em discussão pública, e a avançar. Acho estranho já haver essa possibilidade. Imaginando que desta DIA saem alterações significativas nas soluções apresentadas no projeto de execução, o que é que vai acontecer?», começou por perguntar Rui Marto. Mas as questões prosseguiram: «É possível [avançar com a construção de infraestruturas]? Quem viu a abertura da discussão pública, vê que diz claramente que o projeto não está aprovado. Pergunto se este projeto está aprovado?». Além disso, «podemos avançar com esta obra sem receio de consequências graves ou gravíssimas perante este tipo de situações? Havendo a possibilidade de haver alterações profundas, como é que resolvemos? Trabalhos a mais, trabalhos a menos, quem vai pagar a gente sabe, mas quem vai assumir este tipo de contas depois?», continuou. «Andámos quatro anos a falar da DIA e depois, aparentemente, só faz falta para o financiamento. Há aqui qualquer coisa que não bate certo e há perguntas a mais para responder, mas, acima de tudo, estaremos a falar de umas largas centenas de milhares de euros se algumas destas questões que estou a colocar tiverem fundamentação», concluiu o vereador socialista.
Em resposta, Jorge Vala começou por dizer que «durante este tempo», Rui Marto «pôs sempre em causa a necessidade da DIA» e que, «finalmente, foi publicada a decisão sobre a conformidade do EIA», «uma coisa completamente diferente de uma discussão pública». «O senhor vereador só viu o que lhe interessou», acusou o autarca.
«Aquilo que fizemos foi pôr tudo a correr ao mesmo tempo», começou por explicar, acrescentando que, neste momento, o que está em causa é «a primeira fase completamente limpa»: «Comprámos os terrenos, concluímos o plano de pormenor, aprovámos o projeto, teve que ser alterado, foram aprovadas as alterações em conformidade com aquilo que era a pretensão da Agência Portuguesa do Ambiente, foi feito um concurso com prévia qualificação, o contrato vai ser assinado, condicionado naturalmente ao visto do Tribunal de Contas (TC). O visto do TC, quando for aprovado, há-de ter, se tudo correr bem, a DIA por baixo, portanto, não tenha receio, as coisas estão bem feitas e resultam de um conjunto vasto de reuniões na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC)», afirmou. Jorge Vala salientou ainda que depois de o EIA vir recusado por haver «uma desconformidade», foram feitas todas alterações «em concertação» para ser possível «lançar o procedimento concursal para execução, portanto o projeto da primeira fase não vai ter qualquer impacto na DIA».
O autarca admitiu, no entanto, a possibilidade de nas segunda e terceira fases, ser necessário um Relatório de Conformidade Ambiental com o Projeto de Execução (RECAPE), que é elaborado sempre que o EIA do projeto tenha sido realizado em fase de estudo prévio ou anteprojeto e que tem como objetivo verificar se o projeto de execução obedece aos critérios estabelecidos na DIA. «O RECAPE poderá ser necessário até porque ainda há a possibilidade de, por razões que têm a ver com a hidráulica, termos que fazer alguma alteração ao plano de pormenor, por causa do leito de cheia da Ribeira das Pedreiras, mas isso é uma questão de segunda e terceira fases», frisou.
Rui Marto voltou à carga, reiterando que não tem «qualquer pretensão de que a obra não avance» e afirmando que «o que o senhor presidente acabou de dizer é que não é necessária a DIA». Jorge Vala respondeu que «não disse nada disso», e que o TC só dará o visto tendo a DIA, mas que «se estiver à espera de uma coisa por outra, nunca mais daqui saímos». O autarca social-democrata disse, várias vezes, ter documentos que provam que, em 2016, a Câmara Municipal, na altura liderada pelo Partido Socialista, [e tendo Rui Marto como vereador das Obras Públicas] consultou a Agência Portuguesa do Ambiente «para saber se podia dispensar a DIA», sabendo desde essa altura que a resposta foi negativa. «Vocês sabiam que era preciso e puseram na gaveta, porque já sabiam que isto ia ser um imbróglio. Eu sei que custa», atirou.
Rui Marto respondeu, ironicamente, que «não vale a pena pôr os penachos todos na cabeça, porque já sabemos que o senhor presidente fez tudo, aliás, os outros [PS] que cá estiveram 12 anos não fizeram nada». O presidente do Município concordou: «Isso foi. [Quem cá esteve] Fez a candidatura, não comprou um único terreno e fez uma reunião…». Depois da troca acesa de argumentos e acusações, o presidente acabou por abrir a votação, tendo o ponto sido aprovado com um voto contra.
Consulta pública
Já depois da reunião de Câmara, no dia 16 de junho, o Município publicou no seu site oficial uma nota intitulada “Consulta Pública – Avaliação de Impacte Ambiental”, informando que «está a decorrer, na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, o procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental do projeto Ampliação da Área de Localização Empresarial de Porto de Mós, do qual faz parte a Consulta Pública». De acordo com o comunicado, «o Estudo de Impacte Ambiental e o Resumo Não Técnico encontram-se disponíveis para consulta, no Portal Participa, www.participa.pt, até ao dia 20 de julho de 2021». «No âmbito do processo da Consulta Pública, todas as opiniões e sugestões, apresentadas por escrito, serão consideradas e apreciadas, desde que relacionadas, especificamente, com o projeto em avaliação. Essas exposições deverão ser dirigidas à Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, até à data do termo da Consulta Pública», pode ainda ler-se.
No edital da CCDRC, acrescenta-se ainda que «o licenciamento (ou a autorização) do projeto só poderá ser concedido após Declaração de Impacte Ambiental Favorável ou Favorável Condicional, emitida pela Autoridade de AIA [Avaliação de Impacte Ambiental] ou pelo Secretário de Estado do Ambiente, ou decorrido o prazo para a sua emissão».
Com Isidro Bento