A Comissão Independente para o Estado de Abusos Sexuais de Crianças da Igreja Católica recebeu 512 denúncias de abusos na Igreja, das quais 25 foram enviadas para o Ministério Público. O relatório, que detalha várias informações sobre estas denúncias, foi divulgado no passado dia 13. O presidente da Comissão, o pedopsiquiatra Pedro Strecht, antes de avançar com mais informações, quis prestar «um tributo e uma homenagem sincera a todas as vítimas dos abusos» que são, sublinha, «muito mais do que um número ou estatística». No total foram recebidas 564 denúncias, mas apenas 512 testemunhos foram validados. Apesar de terem sido enviados 25 casos para a Justiça, o antigo ministro da Justiça que também faz parte desta Comissão, Laborinho Lúcio, revelou que a «maior parte destes casos já prescreveu».
A maioria dos abusos denunciados ocorreram entre as décadas de 1960 e 1980 e as vítimas tinham, na sua maioria, entre 10 e 14 anos, sendo que a média de idades nos rapazes era de 11,7 e nas raparigas de 10,5. Das vítimas, 57,2% diz ter sido abusada mais do que uma vez e 27,5% referiu que os abusos aconteceram de forma reiterada durante mais de um ano. Já a socióloga e investigadora, Ana Nunes de Almeida, que também pertence a esta Comissão, explicou que, atualmente, 52,7% das vítimas são homens e 47,2% mulheres com uma média de idades de 52,4 anos. A grande maioria das vítimas (88,5%) residem em Portugal Continental e os distritos com mais casos são Leiria, Setúbal, Lisboa, Porto e Braga, embora «aconteçam por todo o país». O facto destes distritos registarem mais casos deve-se ao facto de neles existirem «seminários ou outras instituições religiosas».
No que diz respeito ao tipo de abusos mais vezes reportados, os homens sofreram «sexo anal, manipulação de órgãos e masturbação» e, no caso das mulheres, a maioria foram casos de «insinuação». Os seminários foram o local onde mais crimes ocorreram (23%), seguindo-se as igrejas (18,8%), confessionários (14,3%), casas paroquiais (12,9%) e escolas católicas (6,9%). Em 97% dos casos os abusadores eram homens, sendo que 77% eram padres. Quase metade (47%) dos abusadores faziam parte de um círculo próximo das criança.
D. José Ornelas fala em “situação dramática”
O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e também bispo de Leiria-Fátima, D. José Ornelas, considerou esta uma «situação dramática» e que não será «fácil de ultrapassar». D. José Ornelas agradeceu ainda o trabalho feito pela Comissão: «O meu primeiro pensamento vai para as vítimas e o segundo para a Comissão, com um grande agradecimento pela investigação levada a cabo no último ano». O bispo não garantiu, no entanto, que os padres acusados serão afastados da Igreja, referindo que «cada caso é um caso». «Para não andarmos à caça de bruxas, para que quem realmente cometeu crimes seja punido», disse. Ainda assim, D. José Ornelas assegurou que «os abusadores de menores não podem ter cargos dentro do ministério» desde que «provado» o crime.
Quanto ao facto de existirem bispos que sabiam dos casos e ocultaram, o presidente da CEP não quis criar «cenários sem saber o que se está a tratar», referindo que a alegada ocultação «tem de se colocar no contexto, naquilo que se sabia à época». D. José Ornelas defende ainda que os abusos sexuais na Igreja seja um dos temas da Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa.