O Museu do Fóssil, nas Grutas de Mira de Aire, foi o cenário escolhido para celebrar o dia da Ecologia, que se assinala a 14 de setembro, com um encontro subordinado ao tema Qual a importância da biodiversidade das grutas e do carso? que juntou diversas personalidades da área, entre as quais Maria Amélia Martins-Loução, presidente da Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPE), que começou por lembrar o significado do termo ecologia, que foi utilizado pela primeira vez em 1866 pelo alemão Ernst Haeckel: «É uma especialidade da biologia que estuda a complexa interrelação dos organismos com o meio ambiente». A presidente da SPE explicou também a pertinência de se comemorar esta data: «É uma tentativa dos investigadores e dos cientistas chegarem à sociedade e mostrarem aquilo que fazem. Os desafios sociais e ambientais hoje são tão grandes que precisamos de diferentes respostas e de um conhecimento holístico integrador que os ecólogos têm».
Tendo em conta a temática da iniciativa e também o facto de este ser o ano em que se assinala o Ano Internacional das Grutas e do Carso um dos temas mais abordados durante a iniciativa foi, precisamente, as grutas. Ana Sofia Reboleira, bióloga e investigadora, destacou o potencial das grutas que considerou serem «janelas» onde é possível observar ecossistemas que, apesar de serem ainda «muito desconhecidos», são o lugar onde vivem milhares de microrganismos: «Estes têm um papel fundamental na purificação da água, não só a matéria orgânica, como os contaminantes que produzimos e que se infiltram e circulam em profundidade».
Para Ana Sofia Reboleira que, atualmente, se encontra a trabalhar em biodiversidade subterrânea, é necessário proteger os ecossistemas que existem debaixo da terra, onde habitam espécies cavernícolas, sobretudo porque as grutas são «vulneráveis» a tudo o que é feito à superfície. «Os animais têm muitas alterações morfológicas mas sobretudo fisiológicas, têm metabolismos muito lentos e têm uma fertilidade muito reduzida. Além disso são altamente endémicos», ou seja, vivem numa área geográfica reduzida que no caso de sofrer algum impacto poderá haver o risco de extinção da espécie.
Na sua intervenção, Ana Sofia Reboleira criticou ainda o modo de procedimento dos processos de descarbonização em que os ciclos biogeoquímicos é uma das partes que está a ser mais «negligenciada», falando apenas do que acontece na superfície, esquecendo-se o que se passa debaixo da terra. Embora reconheça que essa questão ainda esteja a ser estudada, a bióloga adianta já que o contributo das grutas comparado com o da superfície é «similar». «Nós estamos a deixar metade do ciclo do carbono de fora», adverte.
Ordem dos Biólogos reclama estatuto de conservação de espécies
Outra das presenças no encontro foi Maria de Jesus Fernandes, a Bastonária da Ordem dos Biólogos que destacou Portugal como sendo um lugar onde existe uma gruta que é «um hotspot de biodiversidade subterrânea» e onde nos últimos 10 anos foi identificado um «enorme número» de espécies novas para a ciência: «São únicas, raras e algumas vivem só naquele local e são muitíssimo importantes até pelos serviços que fazem aos ecossistemas, particularmente nas questões da água», afirmou.
Aproveitando o facto de entre os convidados do encontro estar um membro do Governo, Maria de Jesus Fernandes, que também integra os quadros do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, fez questão de partilhar a preocupação da Ordem dos Biólogos perante a inexistência de estatutos de conservação destas espécies e a falta de capacidade de proteger os seus habitats. «A maior parte destes invertebrados não faz parte das espécies listadas com categoria de ameaçadas, com registos de conservação já consolidados», revela, acrescentando que, para piorar a situação, a maior parte das grutas e dos habitats onde estas espécies residem estão fora de áreas protegidas e classificadas. A bastonária reiterou ainda a necessidade de haver uma lei de bases do património natural que, esclarece, terá que partir de um consenso nacional e terá de integrar as «pontas soltas» naquilo que é o edifício jurídico que hoje existe. «Todos os seres vivos, sejam pequenos ou grandes, precisam de ser protegidos. As grutas são só uma janela, por baixo de nós há um mundo imenso que precisa de ter um cuidado mais atento», frisou.
Na reta final do evento foi a vez de João Catarino, Secretário de Estado da Valorização do Interior, tomar a palavra em representação do Ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Matos Fernandes que apesar de a sua presença estar confirmada no evento acabou por não comparecer. «Iniciativas como esta são fundamentais e marcos relevantes na divulgação e valorização destes importantes ambientes subterrâneos. É mesmo imperioso proteger e conservar esta biodiversidade escondida que está literalmente aos nossos pés», considerou. «As grutas e as cavernas são locais de alto valor ambiental, social e económico. São valiosos apoios à biodiversidade do planeta», afirmou