Sempre dei muito valor às palavras e ao seu significado. Sempre percebi que devemos escolher bem as palavras em cada momento. Quantos de nós já revivemos conversas e pensámos que deveríamos ter dito qualquer coisa de outra forma? Há palavras que dizemos e que nos dizem que ecoam na nossa mente para sempre. Perpetuam-se, por mais que cresçamos e que com isso, lhes comecemos a atribuir outros significados. Algo que sempre percebi também foi que quanto maior fosse o meu domínio da linguagem, maior seria a minha compreensão do mundo. Há palavras que não podem ser substituídas, têm sentidos muito particulares ou estão circunscritas a determinados contextos.
Nesta descoberta das palavras, descobri uma forma de as usar que considero sublime: a poesia. Em vários poetas encontrei-me, pela sua capacidade de dar voz às nossas inquietudes, as que nos magoam e as que nos deixam em bem-estar profundo. Tão difícil que é transportar para as palavras aquilo que o nosso corpo sente, os nossos conflitos interiores constantes. É por isso que admiro os poetas, e não só, que conseguem esta façanha: serem a realidade em prosa.
Hoje declamo, aqui, um dos poemas que mais me marcaram. Cântigo Negro de José Régio foi publicado na obra Poemas de Deus e do Diabo, originalmente publicada em 1925. José Régio nasceu em Vila do Conde em 1901 e faleceu em 1969. Além de escritor e poeta foi dramaturgo, romancista, novelista, contista, ensaísta, cronista, crítico, autor de diário, memorialista, epistológrafo e historiador da literatura portuguesa, editor e diretor da revista literária Presença, desenhador e pintor. O poema que escolhi e que espero que vos inspire a todos, é amor-próprio, pelo menos se o entenderem como eu. Cada um terá, naturalmente, a sua interpretação. Para mim, fala de sermos nós próprios, fala de romper estereótipos, não ir pelo caminho mais fácil, mas sim pelo caminho que achamos certo para nós. Fala em não deixar que alguém nos diga o rumo que devemos seguir e sermos nós a decidir para onde queremos «que os nossos passos» nos levem. É preciso coragem para, num mundo tão estilizado, fugir da norma, prevendo julgamentos. Que as palavras de José Régio sejam força, ímpeto e estímulo para que consigamos ser nós-próprios. Esse é o segredo da felicidade.
José Régio – Cântico Negro