A 14 de agosto de 1385 travou-se na localidade de São Jorge um dos momentos mais decisivos da história de Portugal, a Batalha de Aljubarrota, que opôs portugueses e castelhanos e que terminou com a derrota do Reino de Leão e Castela, garantido assim a independência portuguesa. 635 anos depois, o mundo volta a enfrentar uma batalha, mas com contornos bastante diferentes. Hoje a luta trava-se contra o chamado “inimigo invisível” que há largos meses tem destabilizado a vida de todos os povos. Apesar da luta contra a pandemia, tal não inviabilizou a recordação desse marco histórico e a realização da tradicional cerimónia evocativa que decorreu no Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota (CIBA) que visa homenagear os portugueses que «mesmo com sacrifício da própria vida» lutaram pela independência nacional.
O evento teve início com uma missa em memória dos militares mortos em combate na batalha. A celebração foi feita em formato campal e com o devido distanciamento social. De seguida, o presidente da Fundação Batalha de Aljubarrota (FBA), Alexandre Patrício Gouveia, o diretor da Direção de História e Cultura Militar, Major-General Aníbal Alves Flambó e o vice-presidente da Câmara Municipal de Porto de Mós, Eduardo Amaral, depositaram coroas de flores junto à imagem de D. Nuno Álvares Pereira.
A esse momento, seguiu-se o toque de silêncio e o toque de homenagem aos mortos em combate, um momento considerado de «profundo recolhimento» em que foram recordados aqueles que «por obras valorosas se libertaram da lei da morte». Posteriormente foi proferida uma oração pelo Capelão do exército, Tenente-Coronel Luís Manuel Morouço Almeida Ferreira, e de seguida executou-se o toque de alvorada, um «hino de esperança e fé», a que se seguiu uma palestra pelo Coronel de Infantaria “Comando”, na reforma, Américo José Guimarães Fernandes Henriques sobre a Batalha de Aljubarrota.
A cerimónia foi marcada, ainda, pela assinatura de dois protocolos de doação do espólio do Tenente-Coronel Manuel Afonso do Paço à FBA. No seu discurso, o diretor do CIBA, João Mareco, explicou que a oportunidade surgiu no início deste ano, após um contacto com um dos sobrinhos de Afonso do Paço, e depois de uma deslocação com uma equipa a Viana do Castelo. «Fomos surpreendidos com a dimensão do espólio e reparámos que o caso de Aljubarrota tem especial relevo pela minúcia quase obsessiva do Tenente-Coronel em escrever e registar tudo aquando das escavações realizadas no Campo Militar de São Jorge», refere.
Manuel Afonso do Paço além de se ter notabilizado pela sua carreira militar, destacou-se ainda pelo seu percurso académico ligado à Arqueologia. «Entre 1958 e 1960, o Tenente-Coronel realizou escavações em determinadas áreas do campo de batalha, tendo conduzido duas campanhas em que foram identificados diversos elementos relacionáveis com a batalha», adiantou João Mareco. Achados propriamente ditos, cadernos de campo, registos fotográficos, esquemas, desenhos, filmes e correspondências são alguns dos documentos que fazem parte do arquivo particular de Afonso do Paço que «mesmo contra as vontades institucionais» conseguiu reunir ao longo do tempo, e que ficaram a partir desse dia «à guarda da FBA» que criou o Fundo Documental Afonso do Paço. Outro dos sobrinhos de Afonso do Paço, «sabendo da intenção da Fundação em criar o fundo», optou também por doar uma «importante coleção» onde constam diversos artigos e outros materiais.
Descobertas sobre Batalha vão estar acessíveis a todos
«Afonso do Paço manifestou a vontade de que os vestígios arqueológicos por si reconhecidos fossem integrados num espaço público», referiu João Mareco. E foi mesmo isso que aconteceu no dia 14 de agosto, com a doação do seu espólio.
Com a assinatura do protocolo, um dos momentos altos da cerimónia, a FBA «cumpre assim um dos seus desígnios estatuários»: «Promover a investigação e salvaguarda do património relativo à Batalha de Aljubarrota, deixando de ser meramente consumidora e divulgadora de conhecimento mas também sua criadora e promotora de investigação», sublinhou João Mareco, que fez ainda questão de salientar as ações desenvolvidas pelo Tenente-Coronel para a notoriedade do campo da batalha. «Foi graças ao trabalho de Afonso do Paço, das suas investigações e fundamentações científicas, e de outros que lhe seguiram, que este espaço é classificado como monumento nacional desde 2010», frisou.
Após a assinatura dos protocolos, José Paulo Berger, Chefe do Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar da Direção de Infraestruturas do Exército fez uma breve explicação sobre o trabalho que está a ser feito e que ainda falta desenvolver. «Toda a fase de documentação encontra-se num trabalho de higienização, limpeza e conservação, inclusivamente de restauro em alguns dos documentos mais necessitados», afirmou. Depois a documentação irá passar por um «período de estudo profundo», o que em função disso terá uma «classificação, descrição arquivística, digitalização e elaboração do catálogo». O objetivo é que, posteriormente, o espólio conste do portal do CIBA na internet e que possa ser acedido por todos. «Esta é uma forma de prestarmos homenagem a Manuel Afonso do Paço pelo esforço que fez em prol da arqueologia, da história militar e como ilustre e brioso representante do exército português», concluiu José Paulo Berger.