Catarina Correia Martins

O jornalismo, os jornalistas e as empresas de comunicação social

14 Mar 2019

O jornalismo, os jornalistas e as empresas de comunicação social

Autor: | 14 Mar 2019

Há vários anos se fala do estado do jornalismo em Portugal, umas vezes de forma acertada, outras nem tanto, mas é um tema amplamente debatido em várias esferas da sociedade e pelas mais variadas razões. Também na escola, a comunicação social é alvo de estudo, sobretudo quando se fala de democracia. O chavão “um povo informado é um povo livre” ou este outro “sem informação não há democracia” são várias vezes referidos. No entanto, depois há factos que contradizem todas as pessoas que se manifestam contra o mau jornalismo, e aquelas que defendem a importância da boa informação. Como é que num país que se quer informado, o jornal mais lido há vários anos é aquele que todos apelidam (e com razão) de sensacionalista? Como é que a revista mais vendida no nosso país, é uma que trata faits divers dos famosos e adianta os episódios das telenovelas? A explicação é simples e agarra-se à tradição tuga: todos criticam, mas ninguém tenta fazer melhor, ou seja, todos reclamam do mau jornalismo, mas continuam a ver aquele canal de televisão que criticam.
Como jornalista, não sou capaz de não me incomodar quando vejo um canal de televisão em direto de um local de um acidente, tendo um cadáver dentro de um saco como pano de fundo. E mantêm-se ali, longos minutos, grandes planos, zoom in e zoom out, sem se importar se a família que está a ver já sabe ou não da morte daquele familiar; sem querer saber quais as suscetibilidades feridas. Não posso tolerar nem achar normal que se faça uma entrevista a um pai que acabou de ver a filha morrer numa praia, atingida por uma aeronave. Além das coisas menos “dignas”, chamemos-lhe assim, temos ainda a permanente capacidade de enganar/ludibriar o telespectador. Uma manhã destas, um canal em sinal aberto (daqueles que todos viam antes de ser moda a televisão por cabo) promoveu várias vezes e em vários formatos distintos “uma entrevista exclusiva” com Leonor Cipriano, a mulher que foi condenada e presa pela morte da própria filha, em 2004, no Algarve. A mulher, recentemente libertada, deu então uma entrevista exclusiva a um programa do referido canal, depois de rejeitar supostamente várias investidas de muitos órgãos de comunicação social. Porque achei que teria interesse e porque foi um caso que, à época, abalou todo o país, sentei-me para ver a anunciada entrevista. Depois de uma longa introdução sobre o caso, a voz off diz que, apesar de ter concedido a entrevista, Leonor Cipriano não permitiu a filmagem ou gravação, pelo que a jornalista estará em direto no programa a contar o teor da conversa… Eu não ponho em causa a veracidade dos factos relatados pela jornalista, não duvido que o seu trabalho tenha sido bem feito, nem questiono os excertos que escolheu para trazer ao programa, mas bolas! não estejam várias horas a dizer que vou ver a senhora em direto, deixando-me na expectativa de perceber as suas reações, a forma como fala do assunto, para depois me darem um relato feito por terceiros.
Que há sites que vivem disso, dos cliques obtidos pelos títulos enganosos, toda a gente sabe, agora que uma televisão, num programa semi-informativo, tenha legitimidade para enganar os espectadores só pelas audiências, já não me parece correto.