Isidro Bento

Devagar Devagarinho

31 Jan 2019

É comum dizer-se que a máquina do Estado anda muito devagar e se há situações em que a afirmação poderá conter uma boa dose de injustiça, há outras em que os factos assim o comprovam. Um dos temas a que damos destaque nesta edição é um bom exemplo de como, por cá, muita coisa anda a passo de caracol.

O primeiro diploma a limitar a comercialização e a utilização de amianto por poder pôr em perigo a saúde humana, é publicado em 1987. A proibição de utilização de amianto em materiais de construção surge, apenas, em 1994. Em 2002 (oito anos depois) a Assembleia da República aprova uma Resolução recomendando ao Governo que no prazo de um ano proceda «à inventariação de todos os edifícios públicos que contenham na sua construção placas de fibrocimento, elabore uma listagem desses edifícios, fixe um plano de ação hierarquizado e calendarizado com vista à remoção dessas placas». Um ano depois, a mesma Assembleia da República revoga essa Resolução e aprova uma nova, praticamente igual à primeira, e na qual mantém o prazo de um ano dado ao Governo.

Oito anos depois, nova iniciativa parlamentar: a Assembleia da República aprova uma lei que visa estabelecer os «procedimentos e objectivos com vista à remoção de produtos que contêm fibras de amianto ainda presentes em edifícios, instalações e equipamentos públicos». Desta vez, os parlamentares são menos exigentes para com o Governo: tem um ano para fazer o levantamento e tornar pública essa listagem. Após isso, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) dispõe de 90 dias para propor, para cada um dos casos identificados, os que devem ser submetidos a monitorização regular e aqueles que deverão ser sujeitos a ações corretivas, incluindo a remoção das respetivas fibras. Depois de recebida a proposta da ACT, o Governo tem 90 dias para apresentar a calendarização definitiva das ações a levar a cabo.

À boa maneira portuguesa o calendário final, que se tivessem sido cumpridos os prazos legais seria conhecido em agosto de 2012 só é tornado público em 2014. Nesse ano, feito o levantamento nos cerca de 13 000 edifícios, instalações e equipamentos públicos, são identificados aproximadamente 2000 que «presuntivamente» contêm amianto na sua construção, ou seja, nem sequer se trata de uma certeza mas de uma presunção, algo a confirmar mais tarde por parte dos técnicos.

De acordo com os dados mais recentes haverá hoje, em Portugal, nove anos após a aprovação da lei, 4263 edifícios, instalações e equipamentos públicos com amianto na sua construção mas ninguém sabe muito bem qual é o ponto da situação, nomeadamente onde é prioritário intervir.

Em suma, andamos há mais de 30 anos às voltas com um problema que continua por resolver e embora o Governo anuncie 2020 como o ano em que o amianto vai desaparecer nos mais de 4000 edíficios públicos identificados, nada nos garante que a meta vá ser cumprida, até porque promessa idêntica já existia para 2017 e a situação subsiste.

Independentemente daquilo que cada um possa pensar sobre a questão do amianto, penso que há aqui (como em muitos outros assuntos e áreas) um problema de credibilização da política: Para quê legislar (e por vezes ter até das leis mais avançadas do mundo) se depois é só para “inglês ver”?

O facto de estarmos há cinco anos a fazer atualizações constantes a uma lista que devia ter ficado concluída em 2014 também diz muito da nossa organização. Se o amianto nessa altura já estava proibido, qual será a dificuldade do Estado contabilizar os seus próprios edifícios com cobertura em fibrocimento?