Carlos Cordeiro é presidente da Junta de Freguesia de Serro Ventoso há dois mandatos e admite a possibilidade de se voltar a recandidatar. Nesta entrevista fala sobre a importância de desenvolver atividades de cariz solidário e revela alguns dos projetos que tem em mente para combater aquele que considera ser o maior problema da freguesia, a desertificação.
Com mais um mandato praticamente concluído, qual é o balanço que faz deste período? Considera que cumpriu com todos os objetivos a que se predispôs há quatro anos?
O balanço é positivo. Ainda há pouco tempo estive a ver o nosso programa eleitoral e temos praticamente tudo cumprido. Há uma coisa ou outra que não temos feita mas temos outras que não dissemos que fazíamos e que acabámos por fazer. Nós tentamos sempre cumprir [com os objetivos], mas podemos sempre cumprir mais ainda, porque há sempre coisas a fazer. Para nós, a freguesia nunca está perfeita, aliás não há nenhuma que esteja. É um trabalho contínuo. Estão sempre a aparecer coisas e é importante estarmos sempre a inovar, nunca estarmos parados. É preciso acordar, muitas vezes, às cinco ou seis da manhã, que é quando nós temos o cérebro mais fresquinho para ter ideias, mas, felizmente, não temos muitas pessoas a acordar a essa hora.
Este é o seu segundo mandato à frente da Junta de Freguesia de Serro Ventoso. Em que aspetos é que este foi diferente do anterior?
Quando chegámos, pela primeira vez, tivemos que pagar muita dívida e saber gerir de forma mais apertada a questão do orçamento. Neste mandato, não tínhamos dívidas e então tivemos mais folga orçamental para poder investir aqui e ali, ajudar as pessoas e dedicarmo-nos mais aos fregueses, porque para ajudarmos é preciso gastarmos dinheiro. Este mandato foi mais sossegado nesse aspeto, ou seja, quando aparece uma ideia não temos que fazer contas para ver se dá ou não dá. Depois não é só ter ideias, é preciso ter uma equipa que não complique e, felizmente, eu tenho tido uma equipa que não me tem complicado muito.
Há algum projeto que gostasse de ver cumprido mas que ainda não houve oportunidade de executar?
Gostava de desenvolver o projeto das minas da Bezerra, mas como fizemos a pavimentação da estrada envolvente às pedreiras, que foi um grande investimento e até se calhar superior ao das minas, uma coisa compensou com a outra. Agora vamos avançar com o hostel, que será instalado no centro de Serro Ventoso, já tenho a planta, já falámos com os fornecedores de móveis e também já temos os orçamentos da pintura. Daqui a um mês, mais ou menos, vamos avançar com as obras que serão feitas em 50% do edifício. Vai ter quatro quartos e lotação para 12 pessoas: um quarto com beliche para seis pessoas, dois quartos para duas camas com possibilidade de fazer cama de casal e um quarto para deficientes.
Estamos a poucos meses das eleições autárquicas, já decidiu se pretende recandidar-se?
Se me fizesse essa pergunta há um ano, dizia que não sabia. Neste momento, em princípio, vamos avançar porque tenho muitas pessoas a dizer para não desistir e para fazer mais um mandato. Se há hipótese de fazer mais um e se as pessoas assim o solicitam não vejo por que não.
Ao longo do tempo, tem promovido diversas atividades, várias diferentes dos seus colegas, ações de carácter mais simbólico. Tem noção que isso foge ao que é habitual ver-se? Sente-se bem com isso?
Sinto-me extremamente bem com isso. Ninguém me pode vir dizer que um ano antes das eleições é que Serro Ventoso está a fazer solidariedade porque desde o início sempre tive uma estratégia solidária. Eu não vivo de fazer uma obra. Para que é que nós vamos fazer uma obra que custa 100 ou 150 mil euros se esta desertificação continua e daqui a 10 anos está abandonada e não temos ninguém para ir para lá? Então é preferível dividir esse dinheiro pelos nossos fregueses com ações solidárias onde eles estão a viver. É outro tipo de obra, é uma obra social. Para mim, a obra solidária é mais importante do que a obra física. É extremamente importante as freguesias serem solidárias para que as pessoas se sintam bem cá. Nesse aspeto estou de consciência tranquila porque se calhar é a freguesia mais solidária do concelho e do distrito.
Hoje, não só nesta freguesia como noutras, temos pavilhões de igrejas que há mais de um ano que não abrem as portas. Andaram as pessoas a fazer esforços, a dar esmolas, para depois termos quatro ou cinco pavilhões de igreja abandonados. São investimentos que compensam? Não sei se compensam, mas gastou-se lá muito dinheiro e esse dinheiro podia ter sido investido na qualidade de vida das pessoas.
Considera, então, que já fez todas as obras que eram necessárias?
Logicamente que se pode sempre fazer mais obras. Ainda hoje estive a falar com a funcionária da Junta e vamos fazer um baloiço ou dois aí na serra. Está na moda e eu gosto. São coisas pequenas. Nós, por acaso, com isto da pandemia, gastámos algum dinheiro mas pronto, a última vez comprámos mil máscaras, foram 500 euros, não há Junta de Freguesia nenhuma que não tenha 500 euros. Uma Junta que não tenha 500 euros está falida. É uma questão de opções. Em março do ano passado, fomos os primeiros a ter máscaras, ajudámos as três corporações dos bombeiros e lembro-me que quem equipou os enfermeiros do posto médico de Porto de Mós fomos nós, eles não tinham fatos de macaco, não havia e nós arranjámos. Lá está, mas isso também é preciso que os presidentes tenham um bom leque de conhecimentos, e isso trago da minha vida pré-presidência. É preciso ter uma mente aberta e viajar, fazer check-in, check-out e conhecer outras culturas.
Sente que a freguesia tem crescido de forma sustentada, quer económica, quer socialmente?
Eu acho que sim, Serro Ventoso é muito mais falado agora do que era, de longe. Nas redes sociais, começo a ver comentários do género “Tenho que ir viver para Serro Ventoso” ou “Eu gostava de viver aí” e isso para mim é um orgulho. Eles até nem vêm para cá viver, mas ao dizerem isso é porque sentem que as ações que Serro Ventoso tem são positivas, porque senão não transmitiam. Esta questão de estarmos nos cinco melhores a nível nacional para o prémio Reconhecimento de Boas Práticas Locais, da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil deve-se a algum trabalho que a freguesia tem feito. Não paguei nada, só fiz a inscrição e estamos nas cinco finalistas, num universo de 3 500 entidades. Mesmo que Serro Ventoso fique em quinto lugar para mim é uma vitória.
Em quase todas as suas intervenções públicas, fala muito da desertificação que está a afetar o concelho de Porto de Mós e também Serro Ventoso. Dentro dos problemas que entende que existem na sua freguesia, considera que este é o mais complicado de todos?
Sim, a desertificação é um dos problemas mais complicados e estou a ver que a única forma de a combatermos é termos alojamento a baixo custo, porque senão as pessoas não vêm para cá. As pessoas não deixam um apartamento em Porto de Mós para vir viver para uma casa na Mendiga ou no Chão das Pias, se a renda for ao mesmo preço, mas se calhar se houvesse aqui uma renda acessível, a 100 ou 150 euros, contrastando com algumas a 300 euros em Porto de Mós se calhar ainda pensavam nisso. Por outro lado, já foi aprovado em Assembleia um protocolo que fizemos com a Associação dos Agricultores da Região de Leiria em que vamos dar subsídios aos agricultores e distribuir valores pelos criadores de animais de pequeno e grande porte. As pessoas têm que se manter motivadas, emocionalmente e financeiramente.
Hoje em dia, Serro Ventoso, além de outras coisas, é reconhecida principalmente por ser a Capital do Galo, que é, inclusive, marca registada. Já todos sabemos bem a história do festival, mas o que é que a freguesia ganhou com a sua criação e com o registo da marca Serro Ventoso, Capital do Galo? Por que é que sentiu necessidade de dar esse passo?
Ganhou notoriedade e visibilidade. Hoje vêm pessoas de todo o lado ao Festival do Galo e muitas até passam cá o fim de semana. É a única festa da freguesia em que juntamos todos a trabalhar em prol de uma coisa.
No primeiro Festival do Galo já a marca estava registada e decidi fazer isso para lhe dar uma entidade, um registo e também porque se alguém pensar em atribuir Capital do Galo ao seu Município já não consegue.
Acha que faz falta uma mini zona industrial localizada na zona da serra para abranger mais que uma freguesia?
Não é descabido. Era uma boa questão para combater a desertificação. Nós temos um eletricista a trabalhar no centro de Serro Ventoso, outro na Bezerra e se calhar se tivéssemos aqui uma zona industrial seria interessante. Nem era preciso ter muitos lotes, nem armazéns muito grandes, mas sim uma coisa feita à medida das três freguesias. Acho que é uma excelente ideia. Nós andamos todos a puxar para a Zona Industrial de Porto de Mós, e temos aqui uma pequena zona industrial, nas pedreiras, onde trabalham 50 ou 60 pessoas.
Considera que a freguesia de Serro Ventoso é suficientemente atrativa para um jovem que aí se queira fixar?
Depende dos gostos e da ideologia do jovem. Se for um jovem que goste de cidade, de estar sempre no shopping ou passar o dia a jogar consola, se calhar não se enquadra aqui, agora se for um jovem que goste de natureza, desporto de natureza, de agricultura em pequenas quantidades, não tem sítio melhor. Para viver aqui obviamente que tem de gostar de andar de bicicleta, fazer caminhadas e fazer espeleologia, que nem toda a gente faz. Temos escola a funcionar, temos posto médico e temos uma mercearia, por isso é exequível viver aqui.
O que é que tem sido feito para atrair o turismo? Considera que a freguesia beneficia da proximidade à Fórnea, em termos de turismo?
Sim, pára sempre muita gente na Fórnea. Agora um dos pontos que também vai ser muito concorrido é o Miradouro do Chão das Pias, não tenho dúvidas nenhumas, aliás já param lá pessoas para ir ver. Não há nenhum no concelho e, lá está, é uma obra “fora da caixa”, Porto de Mós até deveria ter mais, porque são obras que trazem muita gente.
Que lugares considera que são de paragem obrigatória na freguesia?
A ecopista, em que 50% da sua área situa-se em Serro Ventoso, a barragem que é uma obra de referência e que acho que é extremamente importante ver, temos a talha dourada da igreja de Serro Ventoso, temos que passar pelo Chão das Pias e ver a Fórnea, que é a melhor vista. Temos os trilhos dos passeios pedestres, que se calhar são dos melhores que temos no concelho, temos uma zona de lapiás no Codaçal com de formações rochosas. Depois temos também os muros de pedra seca, que vê se fizer o Vale da Bezerra com vista para a Nazaré, no Chão das Pias.
No último ano e meio tem enfrentado, talvez, um dos maiores desafios enquanto autarca. Que dificuldades é que esta pandemia lhe trouxe? Quais os momentos que destaca como tendo sido os mais complicados?
Felizmente não nos morreu ninguém na pandemia. O momento mais difícil foi quando tivemos 15 ou 20 casos, na segunda vaga da pandemia, em meados de outubro, mas não tivemos aqui nenhum tufão, nada de extraordinário.
Sempre estivemos ao lado da população. Demos álcool-gel, máscaras, tivemos ali em baixo as camas para se houvesse algum problema tivessem que ir para lá, comprámos uma máquina de desinfeção, oferecemos um kit às cabeleireiras e esteticistas. Devemos ter sido a única freguesia que fez pela população aquilo que nós fizemos.