Filipe Batista cumpre o segundo mandato à frente da Junta de Freguesia do Alqueidão da Serra no próximo mês de outubro. Neste suplemento sobre a freguesia, há poucas pessoas em melhores condições para nos falar da forma como a terra tem evoluído e sobretudo aquilo que a caracteriza e a distingue em relação a outras do concelho.
Já está há quase dois mandatos à frente da Junta de Freguesia. Cumpriu os principais objetivos que tinha?
Eu não tinha um grande objetivo no início, pelo menos em termos de obras. Há dois ou três assuntos que tínhamos como objetivo tentar cumprir e penso que estão praticamente cumpridos. Há sempre muito por fazer, mas com o conhecimento das coisas, vão surgindo outros objetivos. Penso que nós, enquanto movimento independente, podemos estar orgulhosos do nosso trabalho, daquilo que fizemos, não tanto por obras, mas pelo que se modificou no Alqueidão. O melhor que eu levo daqui é a forma como interagimos com a população e a população connosco. Hoje em dia estamos todos por todos.
Quer evidenciar alguns desses objetivos que foram surgindo?
Ainda não conseguimos, por exemplo, fazer com que fosse feita a renovação do contrato de exploração do Parque Eólico dentro dos parâmetros que achamos que possam ser vantajosos para a freguesia, mas esse não era um objetivo no início, eu nem tinha grande conhecimento da situação. O parque terá o contrato expirado em 2024 e se me perguntasse, no final dos primeiros quatro anos, se agora estaria sem renovação, se calhar pensava que já teria sido feita, mas também não tem havido uma corrida desenfreada da Junta, aliás, antes pelo contrário, já o podíamos ter feito a certa altura mas achámos que as condições não eram as melhores. Eu diria também que, na sua generalidade, hoje vivemos num Alqueidão aprazível, mudámos um pouco o aspeto físico, mas principalmente o aspeto relacional, entre as pessoas e as coletividades, acho que isso, hoje, é fantástico no Alqueidão. Tenho a certeza que contribuímos, porque foi nesse sentido que tentámos caminhar, promovendo algumas atividades que pudessem envolver todas as associações. Se a Junta precisar das associações, elas estão disponíveis para nos ajudar e obviamente que essas associações podem contar com a Junta.
Sente que económica e socialmente, a terra tem crescido de forma sustentada?
Em termos económicos, em 2009 estávamos em crise, em 2013 o país começou a dar sinais de retoma, mas o Alqueidão sofreu com isso na sua principal indústria, a extração da pedra e conceção da pedra da calçada. Houve muita gente a deixar esta arte que não estava a ser rentável, em termos de construção o país decresceu muito, tivemos o reforço da emigração, alguns acabaram por ficar cá e outros voltaram, mas a indústria não voltou a existir na quantidade que havia. Hoje em dia, os que se mantiveram cá e que remaram contra a maré conseguem ter trabalho e bastante, aliás, não conseguem trabalhar para os pedidos que têm. O Alqueidão tem uma população que, grande parte, vive do emprego nos serviços. Tirando a indústria de pedra, tem apenas uma empresa que alberga cerca de 50 trabalhadores, que tem desenvolvido atividade na área das malhas. Penso que em termos sociais o Alqueidão é uma terra estável e em termos económicos oscilamos ao sabor do país, que tem tido os seus altos e baixos.
Um dos temas políticos que tem estado na agenda em relação ao Alqueidão da Serra é a saúde, que tem sido afetada pela falta de funcionários na extensão de saúde. Como está a situação atualmente?
A saúde é algo que foge do âmbito da Junta, mas obviamente que as pessoas associam sempre. Não podemos fazer muita coisa a não ser pressão, o que tem sido difícil porque os agentes da saúde pouco ou nada ligam, quer aos nossos e-mails, quer aos nossos telefonemas, quer às nossas iniciativas. Neste momento estamos estabilizados, o posto médico está aberto diariamente, tem médico, funcionária administrativa e tem enfermeira, embora ainda não esteja no ponto que deveríamos ter. É verdade que passámos por uma fase difícil e agora estamos a tentar regularizar, há uma adaptação aos serviços, às pessoas que estão connosco. É uma população envelhecida que precisa de muitos cuidados e precisa de uma atenção especial e as pessoas que chegaram até nós vão ter que se tentar adaptar e isto leva o seu tempo.
Sente que o Alqueidão tem uma comunidade envolvida nas dinâmicas da freguesia?
Muito. As pessoas quando são mobilizadas e se há algo que as motive, vêm e participam. Ao longo destes anos, tentámos desenvolver uma série de atividades que fossem ao encontro da população, mais do que obras, também o poder económico era reduzido. A ideia é essa, pô-las a participar, a confraternizar, a usufruir daquilo que de bom temos e também trazer pessoas à nossa aldeia e as pessoas responderam. Isto era o que nos dava bastante gozo, tentar implementar algo para que as pessoas pudessem participar, esse é o espírito que trazemos desde o início, para que sejamos uma comunidade mais alegre, unida e amiga. As pessoas responderam sempre, mesmo a iniciativas de cariz social, desportivo, em conjunto com o clube. O voltar do atletismo, o trazer o trail, não só no âmbito competitivo, mas também recreativo, trouxemos imensas pessoas aqui a correr, os eventos tinham por vezes também uma vertente social, com a recolha de alimentos e houve sempre uma boa resposta. Foi uma mais-valia que trouxemos a esta população e que penso que vai ficar enraizada.
Pode ainda candidatar-se a mais um mandato. Vai avançar com essa candidatura?
Vou ser o mais honesto possível. Isto já foi falado com os meus colegas, nós somos um movimento independente que lutou pelo Alqueidão e não vamos desaparecer. Todos nós habitamos cá e queremos continuar a ajudar o Alqueidão mas de facto, esta posição, e porque somos profissionais de outras áreas, desgasta. As pessoas são exigentes e bem, porque pagam os seus impostos e têm direito a exigir como qualquer outro cidadão, neste país. O cidadão do Alqueidão tem exigência e começa a ser difícil para nós, da forma como nós idealizamos estar num órgão destes. Este ano atípico libertou-nos das atividades programadas, que nos davam trabalho, que nos roubavam tempo, agora temos tempo, mas esta não é a forma como queremos estar na Junta, nem com pandemia nem sem pandemia. Não há uma decisão a 100%, mas se nós conseguirmos encontrar outras pessoas, dentro do nosso grupo, que queiram dar um seguimento ao nosso movimento, serão bem-vindas e estamos cá para ajudar nesse caminho. Não posso dizer nunca, é verdade, mas vemos com bons olhos a nossa saída no final deste mandato.
Para si, sempre foi objetivo “de vida” tornar-se presidente da Junta ou aconteceu naturalmente?
Nunca tive esse anseio, muito menos por dois mandatos, surgiu como uma brincadeira, mas acabámos por levar isto muito a sério. Eu até era um elemento muito afastado da política, sem qualquer ligação. Era sondado por alguns partidos que se calhar acreditavam que poderia ajudar nesta freguesia, por ser uma pessoa que esteve e está ligada ao clube e sempre fiz o melhor que consegui por esta aldeia. As pessoas viram em mim essa capacidade, que eu agradeço e vou ficar grato, é uma honra para mim ser presidente da Junta. De facto foi algo que acabou por acontecer talvez por pressão dos partidos, mas como eu não tinha uma ligação partidária e nem tinha em mente o que os partidos defendiam, quando surgiu esta opção do movimento, fez mais sentido para mim. Eu diria que é o Alqueidão à frente do Alqueidão, sempre a tentar melhorar e ouvindo as pessoas.
O que distingue o Alqueidão da Serra de outros lugares?
É um local lindíssimo, estamos rodeados de serra, é muito bom para se viver. Depois, as nossas gentes, humildes, que viveram sempre do trabalho. Em tempos o Alqueidão foi uma terra muito pobre e as pessoas procuraram outros meios, nomeadamente a emigração, tiveram de procurar melhores condições de vida, os que conseguiram e quiseram, voltaram. Aqui tiveram as suas famílias, trabalharam e possibilitaram que os filhos pudessem ter uma boa educação a todos os níveis. O Alqueidão da Serra há uns anos era um dos locais onde havia mais gente licenciada, não houve um descurar desse lado da educação e de procurar que os filhos tivessem um futuro mais risonho do que os pais tiveram, nesse aspeto o Alqueidão notabilizou-se. Depois, eu gosto muito disto, temos associações no âmbito desportivo, cultural, social, recreativo e ligado à natureza e todas elas caminham à procura de algo melhor, no sentido de engrandecer e de possibilitar melhores condições para quem cá vive. Conseguimos ter uma associação desportiva ativa, temos sido conhecidos nas últimas décadas como a aldeia do futebol, temos tido um grupo coral também muito dinâmico. Temos o grupo de caçadores que vai cuidando dos nossos terrenos baldios, que agradecemos na Junta, e que vai promovendo a biodiversidade. Temos a Casa do Povo no âmbito social que dá uma resposta enorme, fantástica mesmo, hoje não há razão para ninguém se sentir sozinho se tiver dificuldades. Depois, temos associações que surgiram já connosco aqui, como a Alecrim e Salva que está no terreno para ajudar a lembrar tradições e para trazer um olhar diferente para a nossa aldeia. Além disso, é uma freguesia que não tem grandes problemáticas sociais, conseguimos viver durante o dia e à noite, andamos, caminhamos, vivemos de uma forma descansada.
Podemos dizer que a religião, o futebol e a pedra são os três principais aspetos identitários do Alqueidão ou há mais?
Dentro dos tumultos que o futebol teve, o Alqueidão resistiu sempre. Desapareceram clubes históricos da região Centro, mas no Alqueidão, nomeadamente a equipa sénior, nunca deixou de existir. Somos um clube que tem todos os troféus que se disputam aqui no distrito. Tivemos sempre a noção de não dar um passo maior do que a perna, e isso pode orgulhar-nos. Fomos sempre um clube estável e penso que o futebol vai fazer sempre parte, temos aqui pessoas que amam o futebol, amam o clube e isso tem-se regenerado. A pandemia está-nos a tirar os domingos de ir à bola e sentimos muita falta. É um espaço onde nos encontramos, seja a jogar em casa, seja em qualquer lugar do distrito onde muitas vezes são mais os adeptos do Alqueidão do que os da equipa que joga em casa. Relativamente à religião, somos de facto uma freguesia com um pendor muito crente, o facto de estarmos junto a Fátima se calhar trouxe-nos essa característica. A nossa festa em honra de Nossa Senhora do Rosário é o ponto alto da freguesia e que junta aqueles que tiveram que sair à procura de melhores condições de trabalho, isso é importante para nós, eles virem, verem-nos, verificar que a nossa freguesia não parou no tempo, eles chegam cá e ficam surpreendidos e isso satisfaz-nos. É uma terra de fé, sem dúvida. Os quarentões reúnem-se e tentam fazer com que a festa desse ano seja o melhor possível. Em relação à pedra, o Alqueidão vai ser sempre conhecido como “a terra da calçada” e com muito orgulho. Temos ainda algumas pessoas a fazer a calçada, que vai para todo o mundo. Temos empresas que vão fazendo praças em todo o país, se formos a Lisboa há lá trabalho feito por gente do Alqueidão e continua a ser feito diariamente. É certo que é um trabalho duro e que hoje os nosso jovens não estão inclinados para isso porque é uma profissão dura. Se calhar, daqui a uns anos, a calçada portuguesa vai ser um bem quase de elite, porque vai haver menos gente a produzi-la, mas nunca vamos esquecer que o Alqueidão da Serra já foi e continua a ser um dos grandes locais onde se podem encontrar empresas ligadas a esta atividade com qualidade.
Já que fala nos jovens, se lhes pudesse dizer algo para os convencer a manterem-se na terra, o que diria?
Eu entendo alguns jovens porque é verdade que na nossa freguesia não temos indústria suficiente, não é um pólo que possa albergar as pessoas a trabalhar. Quem tira um curso superior, não tem aqui espaço para desenvolver a sua atividade. Temos poucas empresas para um engenheiro mecânico, um engenheiro eletrotécnico, por exemplo, mas estamos integrados na zona Centro do país, com ótimos acessos, muito perto do acesso à A1, Fátima, do acesso ao IC2, do acesso a outras vias que rapidamente nos transportam para qualquer ponto do país. Se não tiverem aqui trabalho poderão encontrar aqui ao lado, em Leiria, na Marinha Grande e viver no Alqueidão da Serra. Obviamente que eu gostava que ficassem aqui, para continuarmos a ser uma aldeia com um espírito jovem e desenvolver atividades que possam trazer aqui outras pessoas. É possível trabalhar fora do Alqueidão, mas ao final do dia usufruir de tudo aquilo que o Alqueidão tem, do comércio tradicional, dos pequenos cafés onde nos vemos, bebemos uma cerveja e comemos uns tremoços. Isto é impagável até para um jovem. Há jovens de comunidades vizinhas que vêm aqui partilhar esse final do dia, isso não se paga, isso vive-se.