Gonçalo Lopes foi vice-presidente da Câmara de Leiria durante 10 anos e assumiu, pela primeira vez, a presidência em 2019, quando Raúl Castro suspendeu o seu mandato para se candidatar à Assembleia da República. No dia 26 de setembro de 2021 venceu as primeiras eleições a que concorreu para o cargo de presidente da Câmara com 52,47%. Nesta entrevista, o autarca faz um balanço deste quase meio ano de mandato e fala da importância dos municípios da região trabalharem em rede, onde a Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria, da qual é também presidente, tem um papel fundamental.
Prestes a completar meio ano à frente da Câmara de Leiria, que balanço faz deste período?
Foi um início de mandato em que privilegiámos a organização interna da Câmara, com nova estrutura organizacional e com o lançamento de novos projetos, sobretudo no planeamento das obras. Por outro lado, foi também um momento em que definimos novas regras de funcionamento e de organização da Câmara para o exterior, nomeadamente na área do urbanismo. Naturalmente que este período ainda ficou abalado com esta última vaga da pandemia que desviou alguma da nossa atenção e energia mas já estamos a preparar o ano com forte investimento nas áreas da Cultura, Educação e Desporto.
Durante a campanha eleitoral, admitiu que queria “resolver definitivamente” o problema dos efluentes suinícolas. Querer a solução para este problema é uma utopia ou efetivamente estão a ser dados passos nesse sentido?
Estamos a iniciar um processo de planeamento e de identificação de uma equipa multidisciplinar para dar suporte a essa ambição. É extremamente importante e exigente cumprir com essa meta. Sabemos que até agora todas as tentativas foram condenadas ao insucesso e por isso a Câmara irá, durante este mandato, dar passos concretos na apresentação de soluções para melhorar o desempenho ambiental do setor suinícola intensivo que temos na região, em especial no concelho. Vamos tentar fazê-lo através da criação de projetos-piloto que permitam que o efluente produzido nesta atividade económica possa ser valorizado, seja em energia, seja em adubo, seguindo exemplos de outros países que utilizam o efluente como matéria-prima. É um trabalho que nunca foi implementado em Portugal e, portanto, a Câmara, juntamente com outros parceiros, pretende lançar a semente e assumir o risco de desenvolver um conjunto de investimentos para criar estruturas que valorizem o efluente numa lógica de economia circular.
E essas soluções agradam aos empresários?
São soluções que têm risco de investimento, de gestão operacional e de custos de funcionamento porque o produto final pode não ser suficientemente valioso para suportar o investimento inicial. Assumimos nós uma parte do risco, no entanto, só é possível se tivermos o apoio de todo o setor e também do Governo porque há investimentos que a Câmara não pode suportar sozinha. Defendemos o princípio do poluidor-pagador, sabemos que existe um problema ambiental muito grave e com dimensão económica relevante, que obriga a uma política específica de âmbito local, isso é reconhecido na estratégia nacional de tratamento dos resíduos agro-industriais e pecuários. Vamos fazer um esforço para ultrapassar este problema, quer com a produção de energia verde, nomeadamente o biodiesel, quer através de produção de granulado, de matéria orgânica para apoio à agricultura para fertilizar os campos, nacionais ou estrangeiros.
O Hospital de Leiria é um dos elos de ligação do distrito. Os profissionais passaram por dois anos com muito trabalho e a infraestrutura também se revelou insuficiente. O Município está focado em ajudar neste campo?
Sim, temos uma preocupação muito grande relativamente ao funcionamento do Hospital de Leiria que cresceu bastante nos últimos anos, na população servida e cujo crescimento de recursos humanos e de infraestruturas não teve o mesmo desempenho. É muito importante, nos próximos anos, tendo em conta o plano estratégico do hospital, que os municípios que estão na sua área de influência, deem suporte para concretizar essa ambição. A problemática da escassez de recursos humanos nos hospitais, sobretudo médicos, obriga a medidas e políticas nacionais e também compete ao hospital criar os mecanismos para ser atrativo para os profissionais de saúde. A Câmara de Leiria tem vindo a criar estratégias de incentivo à fixação destes profissionais, sobretudo jovens, e tem atualmente um regulamento em produção para definir apoios concretos para que a classe médica queira fixar-se no nosso território, não só nos hospitais mas também no Serviço Nacional de Saúde (SNS) na sua globalidade. Por outro lado, há também uma forte aposta dos municípios em construção de novos centros de saúde para melhorar o desempenho da base da pirâmide do SNS, de modo a que os hospitais não estejam tão sobrecarregados com doentes que deveriam ser tratados nessas unidades de saúde.
É também um objetivo seu atrair residentes ao concelho, com mais habitação, a preços controlados. Acredita que o Município pode mesmo ajudar a combater o aumento que se continua a verificar nas casas?
Leiria está a acompanhar a tendência de aumento do preço das casas nas grandes cidades, mas enquanto que em Lisboa isso aconteceu há 10 anos, está a chegar agora cá. A cidade tem vindo a crescer a um ritmo elevado e prevê-se a construção de bastante habitação nos próximos anos. No entanto, com a escalada da inflação e com uma mobilidade cada vez maior, essa oferta habitacional terá preços mais altos. Este aumento deverá ser acompanhado pelo aumento dos salários, mas em situações em que isso não seja possível, terá que existir uma oferta a preços mais baixos, para suporte a jovens e a população imigrante de trabalho temporário que precisa de ter sítio para habitar com preço ajustado ao salário. Temos atualmente um plano estratégico com investimento previsto de oito milhões de euros para construir habitações com essa finalidade mas que serão claramente insuficientes para todo o crescimento populacional, sobretudo de estrangeiros. Hoje temos também uma pressão muito grande sobre equipamentos sociais de resposta às famílias, bem evidente nas creches e nos infantários. A resposta que há poucos anos tínhamos era suficiente e de repente tivemos uma pressão suplementar a que vamos ter que responder de uma maneira tática. Estamos a incentivar a construção de creches junto das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e prevê-se que no Plano de Recuperação e Resiliência apareçam pelo menos mais sete no concelho de Leiria. Vamos ter que aumentar também a oferta no pré-escolar e criar espaços improvisados para abertura de infantários da rede pública, porque todos os meses recebemos centenas de pedidos de resposta, principalmente de população imigrante. A fixação de pessoas está a acontecer a um ritmo assustador e isso representa uma oportunidade para os territórios rurais onde existe habitação disponível e que poderá ficar completamente ocupada.
Leiria é este ano Cidade Europeia do Desporto. Acredita que o Município tem capacidade de resposta associativa e de infraestruturas para perpetuar este espírito?
Uma das nossas principais respostas é a força e o dinamismo do movimento associativo, em especial o desportivo que, diariamente, forma crianças e jovens com bastante sucesso. Não estamos a falar só da formação de campeões para o desporto mas também de campeões para a vida. Na nossa estratégia de intervenção política, o apoio ao associativismo é importante, porque é uma parte significativa do investimento municipal, seja na criação de infraestruturas, seja no incentivo à prática de desporto e da formação desportiva. Temos um “exército” preparado, não só para dar formação mas também para produzir grandes eventos desportivos. No concelho são praticadas muitas modalidades, há um nível de ecletismo ímpar no contexto nacional que vai desde o hipismo, desportos motorizados, aeromodelismo até aos mais comuns como o futebol e o futsal.
Que impactos se poderão sentir na região caso Leiria se torne Capital Europeia da Cultura?
Quando iniciámos este processo decidimos que devíamos de fazer uma candidatura com características de integração europeia e, por isso, integrámos outros territórios. Atualmente representamos uma rede que é constituída por 26 municípios e mais de 700 mil habitantes, um projeto de construção e de integração cultural único no país. Nos últimos anos temos vindo a trabalhar a oferta cultural em rede, com intercâmbios de agentes culturais, programação cruzada, promoção de museus, reuniões regulares com os agentes culturais e realização de congressos. Sentimos que a nossa proposta é aquela que mais representa a diversidade de Portugal e assenta muito neste esforço de construir coesão, respeitando a diferença de todos. Tivemos seis anos de preparação da candidatura, não há mais nenhuma com tanto tempo de trabalho. Com este trabalho em rede começámos também o crescimento cultural. Há 15 anos, Leiria era conhecida pela sua dimensão económica e industrial mas não tinha uma projeção cultural como tem hoje e numa década conseguiu-se mudar esse paradigma.
Ao ser presidente da capital do distrito, em que medida se sente representante de todos os concelhos?
Todos os grandes desafios que hoje são colocados a um presidente de Câmara de uma capital de distrito são para resolver problemas que ultrapassam a dimensão do seu concelho. Ao empenhar-me na resolução de alguns destes problemas, estou, naturalmente, a dedicar uma parte importante daquilo que é a estratégia e o foco a algo que ultrapassa a dimensão concelhia e que atinge uma região muito superior. Portanto, o presidente da Câmara de Leiria, além de “pôr a máquina a funcionar” para o seu próprio concelho, tem que ter uma agenda e uma dedicação cada vez maior para a resolução dos problemas da região. É importante, por isso, sentir o conforto e o apoio dos restantes autarcas para esta missão – porque sozinho também não consegue – e ter alguém do outro lado que consiga ser parceiro na resolução desses problemas, nomeadamente o Governo.
Entrevista por Jéssica Moás de Sá e Jéssica Silva
Fotos | Jéssica Silva
PERFIL
Gonçalo Lopes nasceu em Leiria a 23 de novembro de 1975, licenciou-se em Economia no Instituto Superior de Economia e Gestão em 1997. Regressou depois a Leiria onde exerceu funções de economista na Região de Turismo de Leiria, de onde saiu mais tarde para desempenhar as funções de Delegado Regional do Instituto Português da Juventude. Foi, também, desde a sua fundação e até 2008, secretário-geral do Centro Operativo e Tecnológico Hortofrutícola Nacional. Foi atleta de andebol e membro de várias associações, assumindo inclusive o cargo de dirigente no Atlético Clube de Sismaria. Casado e pai de dois filhos, é hoje presidente da Câmara de Leiria, onde antes exerceu durante 10 anos a função de vereador.