O Portomosense completa 39 anos de existência, e inspirados nessa efeméride estivemos à conversa com Pedro Santiago, advogado, que preside à Assembleia Geral da CINCUP, a cooperativa proprietária de O Portomosense e da Rádio Dom Fuas. A conversa girou em torno das três entidades. Quisemos também falar um pouco com o nosso entrevistado sobre a sua atividade profissional e evocar a sua paixão pelo desporto automóvel.
Como é que aparece a liderar a Assembleia Geral da cooperativa, cargo no qual se mantém desde a primeira hora?
No tempo das rádios amadoras havia uma rádio nas Pedreiras e outra em Porto de Mós e houve a necessidade de juntar as duas e fazer uma que fosse de todo o concelho. A CINCUP nasceu para esse efeito e como havia duas sensibilidades convidaram-me como uma espécie de “pessoa de desempate” porque sendo da freguesia do Juncal estava equidistante relativamente às Pedreiras e a Porto de Mós. Por outro lado, a minha atividade profissional também terá tido influência no convite para ser presidente da Assembleia Geral.
De que forma analisa a evolução da CINCUP ao longo destes anos?
A CINCUP passou por muitas mas mesmo muitas dificuldades. Houve momentos em que a rádio e o jornal estiveram para ser vendidos (o que era mau para o concelho) e aí com modéstia e alguma humildade digo que tive algum peso no acalmar de lutas que houve. Hoje, vejo que a rádio e o jornal estão numa fase estável (apesar da pandemia e das dificuldades económicas por que passam porque vivem apenas da publicidade) e têm uma melhor gestão, mas o passado também ajudou o presente, convém não esquecer. Apesar das dificuldades, dos erros e de algum amadorismo do passado, o presente é melhor porque se foi aprendendo com os erros e com coisas feitas com a melhor das intenções mas menos bem conseguidas e se falamos das duas ou três últimas direções pela qualidade da gestão, nunca podemos esquecer que as que estiveram antes também fizeram o melhor que conseguiram. Pessoalmente, fico satisfeito por ter contribuído para fazer convergir sensibilidades e atenuar divergências nas alturas de maior dificuldade e assistir hoje a esta estabilidade da rádio e do jornal.
No jantar de Natal da CINCUP disse que o jornal e a rádio mais do que serem dos elementos que compõem esta cooperativa são pertença do concelho…
Sim, para mim a posse “intelectual” da rádio e do jornal é da população do concelho de Porto de Mós e concelhos limítrofes mas, principalmente, do nosso. Eu enquanto sócio n.º 1 da CINCUP não me sinto dono de nada. Estou aqui em nome do interesse da Cultura e do interesse do concelho. Seria bom os ouvintes e os leitores perceberem que rádio e jornal são veículos importantes não só na divulgação do que se passa mas também no perpetuar daquilo que acontece no concelho. Se as pessoas forem ver o jornal de há 25 ou 30 anos têm lá o essencial daquilo que se passou naquele ano. É a nossa história recente que está ali.
O senhor João Matias, o fundador de O Portomosense, teve essa noção sempre muito presente e temos muito a agradecer-lhe a confiança e a responsabilidade que colocou em nós quando ofereceu o jornal à CINCUP (com humildade, julgo que terá tido também alguma força na sua decisão eu estar nesse movimento e ele confiar em mim). Sempre senti que não podíamos perder o jornal, não só pelo senhor João Matias, mas, principalmente, pela defesa dos interesses do concelho, e isso esteve para acontecer. O jornal e a rádio não existem para ganhar dinheiro mas para informar e perpetuar a história local e nesse aspeto acho que têm feito um bom trabalho.
Será que os portomosenses em geral, o poder autárquico e as próprias empresas têm noção disso e na medida do possível ajudam a manter este projeto vivo?
Tanto quanto sei, tanto a Câmara como as Juntas de Freguesia têm colaborado, não só porque sabem que a rádio e o jornal fazem a divulgação das notícias e dos eventos mas pela tal consciência da perpetuação da história do concelho. Quanto à população não sei se tem essa ideia.
Por mais de uma vez a rádio e o jornal estiveram na iminência de mudar de mãos devido às enormes dificuldades financeiras. Atravessaram ainda graves crises do setor e do próprio país mas conseguiram sempre resistir. Na sua opinião a que se deve esta capacidade de resistência?
Uma vez que nunca tive funções executivas não serei a melhor pessoa para responder mas enquanto presidente da Assembleia Geral sei que todas as direções, umas com mais sucesso, outras com menos, deram o seu melhor e houve sempre muita vontade para que não se perdesse nem a rádio nem o jornal. Além disso, todas as assembleias em que o assunto foi discutido foram, sem dúvida nenhuma, as mais participadas e discutidas porque, de facto, as pessoas não queriam perder um património que é do concelho. De uma forma ou de outra todos procuraram não deixar morrer ou sair de Porto de Mós a rádio e o jornal.
De uma forma geral, considera que a rádio e o jornal estão a fazer um bom trabalho?
Sim. A Rádio Dom Fuas é hoje uma rádio de dimensão regional e com uma marca local, nomeadamente, em termos de informação (mas também de programação) e isso faz com que se distinga das outras. O jornal também está bem e a fazer o seu caminho. Seguindo a realidade nacional, cada vez há menos leitores, em especial jovens, porque a atual juventude não está muito habituada a consumir jornais mas O Portomosense está sempre a marcar a realidade local e a perpetuar o que aqui se passa e penso que tem feito um bom trabalho e espero que assim continue.
Falando ainda de dificuldades, por muito menos já outras pessoas teriam abandonado o barco, no entanto, não só nunca o abandonou como tem contribuído enquanto advogado com apoio jurídico e nunca cobrou um cêntimo por isso…
Sim, é verdade, nunca levei um cêntimo. Sendo presidente da Assembleia Geral não seria ético estar a cobrar qualquer valor. Por outro lado, todas as direções têm trabalhado pro bono [gratuitamente], e para mim ter um jornal e uma rádio no concelho tem um valor enorme, portanto também não podia ter uma atitude diferente. É verdade que tenho dado alguma colaboração jurídica mas mesmo assim nunca levaria dinheiro. Essa é, no fundo, a minha contribuição. Tem sido pequena e espero que continue pequena, será um bom sinal.
Já trabalhou com diversas direções. Tem sido fácil?
Em geral todas as direções tiveram e têm muita consideração e respeito pela minha opinião apesar de ser a de uma pessoa um bocadinho “por fora” já que não tenho funções executivas. Mesmo quando houve uma ou duas direções com elementos com uma visão muito própria, muito particular, mesmo assim tiveram sempre essa consideração. Não foi difícil porque não excluo ninguém nem catalogo ninguém. Todos queriam o melhor para a CINCUP mas cada pessoa tem a sua personalidade e se calhar havia algumas que não estavam tão habituadas a partilhar ideias, mas de uma forma geral as coisas correram sempre bem.
Falando agora da sua área profissional, a advocacia era sonho de infância ou de juventude ou foi algo que ao longo da sua vida académica percebeu que era aquilo que queria vir a fazer?
A advocacia surgiu como primeira opção desde a Escola Comercial. Eu na altura pensava também que do Direito e da advocacia podia chegar a político porque achava interessante a causa pública mas depois percebi que não tinha jeito para a política porque, infelizmente, esta passa muitas vezes por dizer “sim” a coisas com as quais não se concorda. Aliás, tive uma experiência política pequena. Fui deputado na Assembleia Municipal, eleito pelo PSD numa altura em que a Câmara também era da mesma cor política e muitas vezes votei contra o PSD e depois cheguei à conclusão que não era bem-visto pelos meus pares apesar de me estar a limitar a votar de acordo com a minha consciência. Isso foi logo no início da minha carreira profissional e cheguei à conclusão que política não é para mim. Entretanto, há alguns anos, não muitos, fui convidado por dois partidos para ser candidato a presidente da Câmara e eu disse que não e ainda bem que o fiz porque não tinha jeito para aquilo. Algumas das minhas ideias, inclusive sobre o concelho, são públicas mas decidi recusar porque muitas vezes tinha de dizer sim querendo dizer não e vice-versa e isso não faz parte do meu feitio. Voltando à advocacia foi uma coisa de que sempre gostei, já trabalho há quase 40 anos nesta área e não estou arrependido. Não é, certamente, o melhor escritório de Porto de Mós mas tem sido suficiente para mim. Exerço a advocacia de acordo com os valores que entendo que devem ser os desta profissão e sempre com a preocupação de resolver os problemas das pessoas.
Há vários escritórios de advogados em Porto de Mós. Ainda há mercado para tanta gente?
Acho que não. Até à crise de 2008 havia mercado para muita gente. Eu por exemplo, tinha muitas empresas, umas com avença outras sem, mas entretanto na região e no país muitas caíram. No caso das questões comerciais a nível empresarial como há menos negócios também há menos trabalho nesta área. Em termos de direito de trabalho está tudo muito mais bem definido e por isso há menos litígios. Litígios de compra e venda, uma vez que não há tantos negócios, também há menos, portanto, já houve muito mais trabalho do que há hoje e atualmente somos bem mais que na altura em que comecei.
Quando cá cheguei há 39 anos estava o Dr. Armando Gonçalves, o Dr. Licínio Moreira da Silva e o Dr. Fernando Moura, depois chego eu e chega o Dr. Marques Amaro e estivemos assim uns anos, depois começaram a chegar mais alguns. Portanto, éramos uns cinco ou seis e agora são capazes de ser trinta e tal ou quarenta e tal porque a comarca abrange os concelhos de Porto de Mós e Batalha. Em Leiria se calhar eram 20 ou 30 e agora são 200 ou 300, por exemplo, e em Alcobaça é igual, mas a vida é assim e eu não estou nada contra os novos que vão chegando porque acho que todas as pessoas têm o direito de procurar a sua vida e se acharem que é pelo Direito, muito bem.
Nos últimos anos o Tribunal de Porto de Mós perdeu várias competências. Isto foi prejudicial para a população?
O mundo vai evoluindo e nós temos que acompanhar essa evolução. Quando comecei, o Tribunal de Porto de Mós tinha quase todas as competências. Entretanto o número de casos multiplicou-se e houve a necessidade, a nível nacional, de haver tribunais especializados. Com as últimas mudanças julgo que a advocacia e o sistema judicial não perderam, acho que até ganharam embora estejamos ainda numa fase de transição. Em termos da resolução dos problemas das pessoas a situação está melhor, só não está mais rápida porque, infelizmente, há poucas pessoas no sistema judicial e os governos ainda não entenderam que sem pôr mais pessoas nos tribunais e sem diminuir a burocracia processual este problema não se resolve.
A nível local é claro que isso obrigou as pessoas a resolver em Leiria ou noutros concelhos vizinhos aquilo que até agora resolviam cá, mas hoje em dia praticamente já toda a gente tem carro e quem não tem, consegue boleia de alguém, por isso, por aí penso que não há grande problema. Se pensarmos na vila em si, aí sim, ficou a perder porque dantes havia muitos julgamentos e as pessoas tinham que vir cá e isso trazia movimento às ruas e animava o comércio e a restauração.
Existe boa relação entre os advogados do concelho?
Sim, damo-nos todos bem, pelo menos eu dou e penso que os meus colegas dirão o mesmo e isso é bom. Há uns anos as pessoas não gostavam que o seu advogado se desse bem com outros advogados porque partiam do princípio que depois faziam favores uns aos outros mas isso não é verdade. Nunca ninguém vai ceder a outro aquilo que pode ganhar. Eu dou-me bem com todos mas não vou ceder (nem eu quero, nem eles querem) porque nos damos bem. O dar-se bem pode até aligeirar e ajudar a resolver contendas por acordo, agora cada qual quer ganhar a questão para o seu cliente e é a ele é que tem de ser fiel. Felizmente, penso que essa ideia já foi abandonada ou é pouco frequente e hoje as pessoas percebem que uma coisa nada tem a ver com a outra.
A nível local ou distrital teve ou tem alguma pessoa que fosse para si uma referência em termos da advocacia?
Aqui em Porto de Mós há uma pessoa que eu admirei na sua advocacia que foi o Dr. Licínio [Moreira da Silva]. O Dr. Armando Gonçalves era um excelente advogado mas tinha um estilo um bocadinho diferente. O estilo com o qual mais identificava era o do Dr. Licínio. Todos nós temos as nossas referências mas depois, claro, procuramos fazer o nosso caminho e foi o que eu fiz.
Optou pelo Direito mas, pelo que sei, a sua família está mais virada para a indústria e para os negócios. Nunca se sentiu tentado a enveredar por essa área?
Não. O meu pai foi fundador de uma cerâmica que já vai na terceira geração, agora com o meu sobrinho, Pedro Santiago, e deixa-me muito orgulhoso. Noutros tempos chegámos a ter entre a Azóia (Leiria) e Alcobaça, 33 cerâmicas de tijolo (e algumas de tijolo e telha) mas hoje de tijolo só temos uma, a da minha família [a Cerâmica F. Santiago] e isso deixa-me muito orgulhoso. O tijolo não deixo grande lucro, um camião carregado leva 30 toneladas mas poucas centenas de euros, portanto é uma indústria pobre, mas deu para a minha família, deu para mim, mas em termos de negócio nunca me atraiu. Hoje já é diferente, já é uma indústria limpa. Quando eu era jovem era uma indústria com muito pó e eu nunca gostei muito disso. Se calhar, se fosse hoje, apaixonar-me-ia mais por esta indústria, porque já há mais condições para ter limpeza e arrumação.
Trabalhou então também na fábrica?
Sim, graças a Deus o meu pai habituou-nos a trabalhar e nas férias da escola tinha de trabalhar e ainda bem, não me fez mal nenhum. O meu pai tinha um princípio que achei sempre muito interessante. Eu sou daqueles que foram de alguma forma privilegiados porque pude estudar, mas muitos dos meus amigos da escola primária não tiveram esse privilégio, foram trabalhar para o meu pai, ou seja, miúdos com 12 anos como eu foram trabalhar para a fábrica e eu continuei a estudar e isso fazia-me muita impressão. No entanto, nas férias e aos sábados o meu fazia questão que fossemos para lá. Ele dizia: «Se os outros miúdos que são da vossa idade estão aqui a trabalhar, vocês também têm de estar às oito horas e se não fazem mais, fazem menos, mas não podem deixar de vir. Não é admissível que estejam ali, empregados da vossa idade e vocês em casa«. É claro que a vida entretanto se modificou e hoje já não há miúdos a trabalhar, e ainda bem, mas naquele tempo era assim, e então até ir para a universidade, boa parte das minhas férias foram passadas a trabalhar na fábrica do meu pai.
Nos últimos anos a Justiça tem sido abalada por casos muito mediáticos e a envolver grandes figuras da política e da finança, no entanto, muitas vezes, olhando para o resultado final parece que a montanha pariu um rato. Devemos ficar satisfeitos porque a Justiça está a chegar sítios onde dantes parecia muito difícil chegar ou, pelo contrário, devemos exigir investigações mais profundas e acusações mais sustentadas?
A Justiça não passa apenas pelos casos mediáticos e estes não podem ser dados como exemplo de todos os outros. Um caso mediático tem logo à partida um problema: a forma como é apresentado pela comunicação social. Por muito que os jornalistas queiram ser isentos, a isenção total não existe porque quando um jornalista define que vai abordar determinado assunto de acordo com certo ângulo, logo ali está a fazer um primeiro juízo de valor. Não os podemos condenar por isso, porque o fazer escolhas (de acordo com o critério jornalístico), é algo intrínseco desta profissão, mas não deixa de ser um juízo de valor.
Depois, aquilo que o cidadão comum considera como o fazer-se justiça, especialmente nos casos mediáticos, passa muito pela condenação da pessoa ou das pessoas em causa, mas a Justiça não é menos justa quando entende que em vez de condenar, deve absolver.
Por outro lado, casos que envolvam, por exemplo, situações de alegada corrupção, são, por natureza, complexos. Se uma pessoa é apanhada em flagrante a roubar um carro ou uma casa, é simples provar isso em tribunal, porque ou estava ou não estava a roubar, mas em questões em que a prova não seja evidente, torna-se muito mais difícil e por isso é que nem sempre se chega à tal condenação exemplar que as pessoas gostariam.
Diz-se também que há uma justiça para ricos e para pobres e há quem compare o nosso sistema com o americano dizendo que esse é muito melhor…
A Justiça é só uma, mas é claro que uma pessoa com mais recursos tem mais hipótese de se socorrer de todas as possibilidades que a lei dá. Muitas vezes, as pessoas criticam o nosso sistema judicial tendo em conta aquilo que conhecem do modelo americano, mas eu prefiro o nosso. Na América de vez em quando surgem notícias de pessoas que vários anos depois de terem sido condenadas em tribunal, se vem a provar que, afinal, estavam inocentes, e nesse aspeto o nosso sistema judicial é muito rigoroso em termos da realização da prova e, na dúvida, se não tiver provas suficientes, prefere inocentar alguém, que condenar uma pessoa que seja inocente.
Então, se não temos uma Justiça “injusta” qual é o problema da nossa Justiça?
Nós não temos uma Justiça “injusta” globalmente, temos uma justiça lenta e esse é que é o problema. Para que a Justiça se faça de forma cabal, o Estado tem de dotar o sistema judicial dos meios de que precisa, porque a Justiça tem de ser oportuna, não pode levar anos para condenar ou absolver uma pessoa. Por vezes um indivíduo que não tem culpa nenhuma andou meses ou anos a ser encarado pela comunicação social e pela população em geral, como culpado e, o inverso também acontece quando se demora anos a julgar uma pessoa. Por falta de celeridade, em nenhuma dessas situações o sistema foi verdadeiramente justo porque não foi oportuno. Eu, por exemplo, recebi hoje a notificação de uma sentença de um caso que tem a ver com justiça fiscal e que estava no tribunal administrativo há 10 anos, e isto para que a justiça seja plena e eficaz, nunca poderia acontecer. É demasiado tempo para manter as pessoas em suspenso à espera de uma sentença.
Deixando agora a justiça, falemos de outra das suas áreas de interesse, o desporto automóvel. As corridas de carros são uma paixão antiga ou nem por isso?
A minha irmã mais velha, que tem mais sete anos que eu, costuma dizer que eu quando tinha um ano de idade e estava a chorar, só me calava se me trouxessem à rua para ver os carros. Eu, naturalmente, não tenho essa memória, mas não me custa a acreditar. Pode não ter sido logo desde tão cedo, mas não há dúvidas que a paixão pelos carros vem desde os tempos de garoto. Eu já devia ter parado de participar em provas, mas a adrenalina de conduzir um carro de corrida é fantástica. Se calhar ainda corro mais um ano ou dois.
O que faz é ralis?
Ralis e rampas em piso de alcatrão, mas onde eu gosto mais de conduzir não é em alcatrão, é em pisos de terra. Os carros escorregam mais na terra, no alcatrão também podem escorregar, mas é mais perigoso porque pode agarrar-se de uma forma e o carro virar-se.
Já viveu situações complicadas, presumo eu…
Sim, já tive dois acidentes. Uma vez meti-me numa ribanceira e fiquei com o carro de lado, e numa outra, sai de estrada mas não aconteceu nada ao carro.
Já corre há quantos anos?
Há cerca de 15 anos. Já era “idoso” quando comecei, já tinha 50 anos… (risos). Não tive possibilidade antes.
É visto como uma pessoa bastante discreta, no entanto, pilotar um carro de corridas é tudo menos discreto. Temos dois Pedro Santiago na mesma pessoa ou um único mas com facetas desconhecidas da maioria das pessoas?
A vida já me mostrou que todos nós embora tenhamos cada um a sua própria personalidade e a sua forma de estar na vida, podemos ter diversas facetas em termos de vivências pessoais. Se eu disser que gosto de tocar viola e de cantar, será certamente uma surpresa para a maioria das pessoas, mas a verdade é que gosto imenso. Todos os dias toco viola em casa e, cantar, canto mal, mas para mim chega. Portanto há coisas que eu faço como qualquer outra pessoa, mas que não são do conhecimento público. Quanto aos carros, e como já disse, envolvem uma adrenalina muito grande. Pode dizer-me que tenho a imagem de uma pessoa calma e moderada e que depois ando na efervescência de um carro que a subir de Porto de Mós ao Livramento dá 80 ou 100 km/h, ou mesmo 120 em pequenas retas, e é verdade, é a mesma pessoa mas em momentos diferentes. É a mesma pessoa que, pontualmente, tem ali uma vivência muito agradável porque gosta daquele tipo de desporto e daquela adrenalina ao volante de um carro.
Eu penso que estas coisas não são incompatíveis. Tenho esta paixão pelas provas automóveis como outros têm, por exemplo, pela caça ou pela pesca. Para mim o primordial é que aquilo que fizermos, o façamos com amor, paixão, e respeito pelos outros e por aquilo que está à sua volta.
Nas pistas vai com frequência ao pódio. E fora delas, é um condutor normal ou de vez em quando lá se distrai e carrega um bocadinho mais no acelerador?
Não. Por acaso cada vez ando mais devagar na estrada. Tenho o meu carro há 11 anos e nos primeiros anos fazia média acumulada de 6,6 litros aos 100 e desde há quatro ou cinco anos faz 5,7 litros, portanto é quase um litro a menos. Isso significa que aquilo que eu já sei: ando muito mais devagar. Eu nunca andei em velocidade excessiva na autoestrada. Os meus amigos que correm, à medida que fazem mais corridas, mais devagar andam na estrada porque compreendem que a sua adrenalina fica toda ali, e não na estrada e a mim, acontece-me o mesmo.
Depois de nos ter revelado que no início da carreira pensou na hipótese de mais tarde enveredar pela política e que muito anos depois chegou a ter convites para se candidatar à Câmara não resisto a perguntar-lhe, e para terminar a nossa conversa, como é que tem visto a evolução do concelho nos últimos 40 anos.
Penso que tem evoluído bem. Nunca nos podemos esquecer que é um concelho que está perto de Leiria mas não é Leiria e é um concelho que só há poucos anos é que tem uma indústria diversificada, embora pequena, porque tradicionalmente tem sido sempre ou barro vermelho ou pedra e há muitos anos os lanifícios em Mira de Aire, mas que depois morreram. Os concelhos só evoluem bem quando são pólos de atração universitária ou de industria transformadora de produtos de exportação, o que não é o caso. Hoje, felizmente já temos de outros setores de atividade. A extração de pedra tornou-se rica, mas isso só se vê nalguns sectores e nalguns pontos do concelho, não em geral. Nós ainda temos um concelho semiurbano, para o bom e para o menos bom. Mas acho que evoluiu bem e bastante. Se calhar podia ter evoluído mais, houve aí alguns erros, mas podemos dizer que teve uma boa evolução.