Em Entrevista… Rui Marto

Autor: | 9 Nov 2023

“[Este executivo] está a falhar redondamente”

Rui Marto é o principal rosto da oposição no atual executivo da Câmara Municipal de Porto de Mós e, nesta entrevista, foi desafiado a avaliar a primeira metade deste mandato de Jorge Vala, reeleito em 2021. Por entre duras críticas às decisões tomadas nas mais variadas áreas de atuação, o socialista evoca, por diversas vezes, os 12 anos que João Salgueiro passou no poder.

Como avalia a primeira metade deste segundo mandato de Jorge Vala?
De uma forma direta, o balanço não é positivo. Há situações demais por resolver, algumas muito antigas, outras que vão aparecendo e que vamos sentindo que não há respostas. Em conferência com os meus colegas de vereação [do Partido Socialista], com quem alinhavei algumas ideias, concluímos que não podemos considerar o balanço de todo positivo, embora também não seja uma daquelas coisas que a gente só possa dizer mal. E quanto aos próximos dois anos, se olharmos para o desempenho do presidente Jorge Vala e da sua equipa, acreditamos que há situações que vão ser “desenroladas” e há áreas que sentimos que vão ser melhoradas, mas não se pode perder tanto tempo…

Este executivo assenta nas bandeiras de 2017. Sente que os objetivos têm sido cumpridos?
Se essa pergunta me tem sido feita antes da anterior, punha uma negativa muito cá por baixo. Porquê? Porque em termos dos objetivos de colocar Porto de Mós no mapa, de projetar Porto de Mós para fora e de apostar no Turismo e na Economia, está a falhar-se redondamente. Se tivermos em conta que há pouco mais de 15 dias foi inaugurada uma das bandeiras da estratégia do Turismo de Natureza, o Centro Interpretativo das Atividades de Natureza em Alvados, quando, ao contrário do que se diz, já havia uma estratégia apresentada em reunião de Câmara do mandato do executivo anterior – de João Salgueiro – andámos seis anos até inaugurar esta porta de entrada no Parque Natural. Devia ter-se aproveitado a pandemia. Se formos ver, terá sido das primeiras obras que o executivo de Jorge Vala lançou. Depois temos outra situação, a questão “viver em Porto de Mós” não é só assente em estratégias de agora, mas também nas que vinham de trás. Quanto à questão de virem mais pessoas, é óbvio que é por termos neste momento empresas a contratar quase todos os dias. É óbvio que se temos gente que vem trabalhar e que tem determinado local de emprego em Porto Mós, eles fixam-se aqui. Agora a estratégia dos IMI familiares, dos impostos, do IRS… Como eu costumo dizer, ninguém faz um filho por 500 euros. São apoios simbólicos sobre os quais não dizemos mal, mas não são panaceia para todos os males. Se formos revisitar 2017, uma das minhas propostas era precisamente a redução do IMI familiar e do IRS, e o que temos neste momento devia ter mais importância, embora seja daqueles assuntos em que não divergimos muito. Agora, onde divergimos é na questão de apresentar aquilo como sendo a resolução de todos os problemas ou fazer aquilo que foi feito há pouco tempo, de se dizer que o aumento das crianças nas escolas é fruto disto. É óbvio que não. Basta ser um bocadinho sério e perceber que o aumento das crianças na primária ou no primeiro ciclo não é devido às que nasceram fruto destes apoios porque ainda não tiveram tempo lá chegar.

Como avalia o desempenho do executivo em termos de Obras público-privadas?
A ALE de Porto de Mós é um dos corações deste executivo e tenho que reconhecer que até agora é “a obra”. Depois temos aí mais algumas que têm sido feitas, outras anunciadas, temos duas neste momento que considero bastante importantes em execução: Parque Verde da Calvaria de Cima e o saneamento ao longo da EN8. Há ainda a Casa dos Calados, onde se está a gastar uma pipa de massa mas ninguém sabe bem o que vai dali sair. E depois há o que está por fazer. Temos uma falha completa no saneamento de Mira de Aire que, quando saímos em 2017, estava na segunda fase mas depois as terceira e quarta fases pararam por completo. Outra é a ampliação e o trabalho necessário da aquisição de terrenos e desenvolvimento do projeto da Zona Industrial de Mira de Aire. Acho que já devíamos estar também a andar com ela. Depois de tudo, pode-se chamar uma obra, que é a parte das condutas do sistema geral de águas e da sua gestão. Tivemos este verão um pico com problemas gravíssimos e todos sabemos que anda sistematicamente a ser aqui feito um “tapa buracos diário” quando nos dias de hoje, com todas as soluções digitais e volvidos seis anos, ainda não foi feito nada. Também acredito que já era tempo de avançar com saneamento na zona da Serra, já que esta área tem lá uma conduta em alta há não sei quantos anos.

Mas o saneamento básico foi uma grande crítica do PSD a João Salgueiro.
Nessa grande crítica aos 12 anos de João Salgueiro, o responsável por essa área durante anos fui eu. Mas a crítica neste momento é pior. Se na altura ainda não havia sensibilidade para as pessoas se ligarem ao saneamento, neste momento o pensamento é diferente. E pelo caminho trilhado, mesmo que Jorge Vala vá a um terceiro mandato, no final não terá um desempenho muito melhor que João Salgueiro. Porquê? Porque nós podemos fazer uma retrospetiva e ver o que é que foi feito nos mandatos de Salgueiro e podemos ver o que é que está a ser feito agora em termos de saneamento. Tirando uma ou outra ponta, a grande obra em curso na área do saneamento básico, e que nós valorizamos, é feita ao fim de seis anos.

Têm revelado preocupações com a atuação no âmbito da Cultura. Porquê?
Houve um período em que se mexeu na Cultura, mas chegámos a um ponto em que tem havido “alguma confusão” entre o que é cultura e o que é movimento, e o que é religião e produto. Mas tem havido vários eventos importantes como o Teatro de Rua, o Crianças ao Palco, o Viver Porto de Mós… Temos infraestruturas com grandes capacidades, como a Casa da Cultura de Mira de Aire, e nós passamos anos sem um programa cultural para aquela casa. Depois o Cineteatro… Se lá estivéssemos agora, chovia-nos em cima. Há uma série de espaços subaproveitados e em termos culturais temos visões muito diferentes.

E quando olhamos para o Ambiente?
Até nos esquecemos quem é o vereador. É uma vergonha o que se passa com o rio em Porto de Mós, não há uma estratégia. Fala-se num projeto que não anda e acho que era muito importante pôr-se o rio em condições, até porque foi uma das bandeiras da primeira proposta que este executivo fez para se tornar Câmara.

Foquemo-nos agora nos transportes públicos.
A rede de transportes não é boa nem má porque não existe. É essencialmente uma rede de transportes escolares travestida de rede de transportes públicos. E o Vamós é ineficaz. Não vai ao concelho todo, certo, mas nem sequer faz ligações entre escolas, zonas industriais e faixas das EN1 e EN8. Se nós temos um determinado profissional que tem que se deslocar do Alqueidão da Serra para a ALE, só à boleia ou com carro próprio. Neste momento estas soluções são contra tudo o que é falado e depois fazem-se mobilidades para tudo menos para os transportes públicos.

Não podemos fazer um balanço de mandato sem falar da crise na Saúde…
Assunto sensível mas esta crise não é de agora. Têm havido muitas meias verdades e neste momento há uma solução para o desenho das USF, que votámos favoravelmente, mas ainda ninguém conseguiu garantir que o projeto e as obras vêm acompanhadas de médicos. Vamos “pagar para ver”… Neste âmbito, o presidente da Câmara tem uma postura com a qual eu concordo e não posso pôr-lhe as culpas em cima: Independentemente da responsabilidade formal ser do Governo central, do Governo descentralizado ou do Município, ele quer ter sempre uma palavra a dizer. O que me parece é que quando se diz que uma USF é criada por iniciativa dos médicos, estamos no ponto errado. Tem que ser iniciativa de quem gere o território. Basicamente o que eu digo é que o senhor presidente demonstrou sempre boa vontade, mas andou-se aqui a trabalhar sem medir bem as consequências. Agora, sempre que me falavam em encerramentos de extensões, sentia que não podíamos deixar as pessoas abandonadas no meio da serra.

A Educação tem recebido vários apoios. Trilhamos o caminho certo?
Fala-se nas bolsas, nos kits e noutros programas que estão a aparecer. São investimentos com sentido mas noutros moldes. Vejamos: a classe média está esmagada mas não tem acesso nem a esta bolsa nem à do Governo, e quem tem acesso a esta bolsa local também a acumula com a do Governo. Já em termos de infraestruturas, temos aqui vários patamares. Nos mandatos de João Salgueiro tivemos uma reformulação da rede de escolas que eram da responsabilidade do Município como nunca houve naqueles 12 anos. Eu pergunto: se não tivéssemos investido forte e feito no polo escolar do Porto de Mós, onde tínhamos os alunos? Até podíamos ter salas, mas não havia cantina ou salas de atividades. Havia apenas uma bibliotecazinha. Nós fizemos um grande investimento e agora o que é que saiu da cartola? A Secundária de Porto de Mós. Eu estive na Secundária de Porto de Mós, estudei, fui à minha vida e passados uns 20 e tal anos o meu filho foi para lá e a escola estava igual.

Este é um concelho com poucas habitações disponíveis. É preocupante?
Claramente, e não por falta de propostas. Na discussão do orçamento para 2021, a única medida que pedimos foi para aumentar verbas para a Habitação. E aqui temos várias linhas que urgem dar corda aos sapatos. Ou seja, nós não temos construção de habitação nova, é preciso desburocratizar e controlar custos. Fez-se uma Estratégia Local de Habitação há algum tempo que mereceu o nosso aplauso mas também achegas, e uma dela era que a estratégia está assente no Primeiro Direito, que normalmente é canalizado para a miséria, portanto urge criar linhas para apoiar os jovens que têm os seus empregos e que querem fixar-se. Depois vieram as ARU, mas não vejo que estas tenham vindo a fazer grandes mexidas. Da parte da habitação social não conhecemos uma única ação física de habitação do tal Primeiro Direito, em termos de ação nos arrendamentos também não vemos nada. Os próprios mercados têm preços estapafúrdios, mas se virmos algumas aquisições feitas pela Câmara, estas acabam por dar-lhes justificação… A Habitação é uma área completamente falhada pela Câmara.

Tradicionalmente, temos uma alta taxa de empregabilidade. Porquê?
A nossa sociedade não quer saber do poder público para nada, contando que não lhes coloquem problemas à frente. Temos uma classe empresarial forte e aqui as pessoas tanto trabalham no Alqueidão como em Fátima ou Leiria… A mobilidade, apesar de ser difícil, permite que as pessoas se desloquem para outras zonas à procura de oportunidades, mas ao contrário também acontece. Enquanto tinha pelouros estava na CCDR e alguém me disse: “É a única Câmara que se faz representar a nível da vereação”. E o presidente João Salgueiro não abdicava que lá estivesse um vereador para que as coisas andassem para a frente. Acho que estamos num caminho bom neste sentido mas que também pode trazer problemas a nível da área social.

E nessa área particular, encontra lacunas?
O diagnóstico social está desatualizado e neste momento há uma série de áreas que me estão a preocupar. A habitação social está a trazer problemas de segurança que podem ser ainda mais graves a curto prazo. Falo principalmente da freguesia de Mira de Aire, onde toda a gente conhece os problemas que não são resolvidos. Também já se fala de problemas na União de Freguesias de Arrimal e Mendiga… Depois temos a imigração, questão que tem que ser tratada com programas que não sejam apenas baseados em entregar cabazes mas sim em receber e enquadrar como deve ser. Se temos cidadãos de várias nacionalidades a partilhar a mesma casa, e sabe-se que em algumas situações ainda se “duplica” o aluguer do quarto, de um momento para o outro pode gerar-se insegurança, o que parece que está a acontecer, embora não queira lançar alarmismos. Ação social faz-se no terreno e não na cadeira. Esta área de atuação, na minha forma de ver, está a passar completamente ao lado daquilo que eu acredito. Devemos dar condições para integrar.

Foto | Luís Vieira Cruz