Quarenta e quatro anos depois da criação do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC), desafiámos o Diretor Regional da Conservação da Natureza e das Florestas de Lisboa e Vale do Tejo, Rui Pombo, para uma conversa sobre a atualidade e o futuro desta área protegida sem, contudo, esquecer a sua história de mais de quatro décadas.
Como é que vê a evolução do PNSAC ao longo deste 44 anos? As desconfianças iniciais por parte da população e autarcas estão hoje ultrapassadas?
O PNSAC chega aos 44 anos numa fase em que todos olham para aquilo que são as áreas protegidas como uma mais-valia e um reforço positivo dos territórios, coisa que, à data da criação, por variadíssimas razões, não acontecia, sendo vistas como limitação.
A forma como os parques naturais são geridos e a minimização dos conflitos que vai havendo entre aquilo que são os interesses locais e particulares e as condicionantes definidas no planos de ordenamento têm ajudado a mudar essa perceção inicial. Hoje, quem vive e trabalha no PNSAC, assim como quem tem a felicidade de o poder visitar e usufruir dele, encara-o, de facto, como uma riqueza para o território.
Olhando para o PNSAC encontra aqui algo que o distinga de todos os outros?
O PNSAC é o principal repositório daquilo que é o Maciço Calcário Estremenho e nessa medida tem particularidades que não existem em mais nenhuma outra área protegida e que têm a ver com a formação e a singularidade das suas formações geológicas. Há variadíssimas grutas e que são importantes do ponto de vista quer do estudo, quer da potenciação em termos turísticos, mas também formações que existem à superfície e que são completamente singulares e identitárias deste território. Depois, neste autêntico queijo suíço em termos de subsolo, temos um dos principais lençóis freáticos da Península Ibérica. Há ainda as várias colónias de morcegos também elas completamente singulares.
Já conhecemos bastante bem as riquezas do PNSAC ou ainda haverá algo para descobrir?
Eu diria que estas áreas têm o condão de nos surpreender quase diariamente, não com coisas novas, mas com algo que demonstra o exercício que tem vindo a ser feito na valorização deste território. Ainda no ano passado um vigilante do Parque descobriu aqui uma espécie, em termos da flora, do qual não havia registo em Portugal. A nível de espécies animais, principalmente das que vivem em penumbra completa, a professora Sofia Rebordeira, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, instituição com a qual temos um protocolo, foi já responsável pela inscrição de novas espécies para a Ciência. Continuamos também a fazer a monitorização das várias espécies mais emblemáticas do PNSAC, como a gralha de bico vermelho e as colónias de morcegos. Portanto, nunca somos conhecedores de tudo aquilo que é encerrado dentro deste território, mas cada vez o vamos conhecendo com maior particularidade.
De uma forma geral diria que o património do Parque Natural está bem conservado?
Penso que sim. Os vários projetos que têm sido implementados têm permitido um sucesso considerável daquilo que são os propósitos de conservação, gestão e potenciação da biodiversidade no Parque Natural. Um dos exemplos disso é o plano de recuperação de pedreiras abandonadas ou desativadas. Neste momento temos mais de 1000 hectares já recuperados, o que suplanta a área em exploração. Assim, alguém que não saiba o que havia naqueles espaços há 10 ou 15 anos sente que está num sítio intocado, porque a vegetação já tomou conta do processo de renaturalização.
Outro bom exemplo é a instalação de pontos de água como medidas de compensação também fruto de algumas atividades que têm potenciado de forma muito evidente a fauna e a flora locais. Naquilo que são as diminuições de risco e salvaguarda de bens destaco todos os planos de execução, tanto de faixas como de mosaicos de gestão de combustível.
Há aqui habitats que para se manterem e potenciarem precisam de intervenção humana (por exemplo, as orquídeas) e então temos levado a cabo algumas ações de fogo controlado e o encabeçamento de rebanhos que fazem a manutenção. Temos espécies em estado crítico, como a gralha de bico vermelho, mas os trabalhos que temos vindo a realizar têm permitido manter as colónias bastante estáveis e até com potencial de crescimento.
Como é que se tem conseguido compatibilizar a proteção da natureza com a exploração de pedreiras, uma atividade económica que é o ganha-pão de muita gente mas com impacto visual tão marcante?
Nós temos de ter a capacidade de cada vez mais conseguirmos manter o equilíbrio entre aquilo que são os interesses da conservação dos valores naturais e a economia local e penso que isso tem sido conseguido. No caso da exploração de pedreiras, a criação dos Planos de Intervenção em Espaço Rústico (PIER) – os primeiros a nível nacional – veio tornar tudo muito claro. As câmaras aprovaram os planos que definem a localização de cinco grandes áreas de exploração e as eventuais zonas de expansão. Sabemos exatamente onde é permitido explorar, as pedreiras que existem, o que extraem e para onde poderão expandir-se e são aquelas e não outras.
Graças a uma alteração ao Plano de Ordenamento do PNSAC levada a cabo em 2010 havia também já a regra que diz que um proprietário que queira ampliar o seu espaço de exploração tem de fazer a recuperação de uma área, no mínimo, igual àquela que pode ser licenciada. Neste momento já temos mais área recuperada e renaturalizada que a em exploração. Numa primeira ação mais massificada foi o Estado a assumir essa responsabilidade, recuperando algumas das muitas pedreiras de calçada que estavam abandonadas. Atualmente, todas as pedreiras são obrigadas a ter um plano de recuperação final no período de licenciamento.
No caso do combate a incêndios há muito que se ouvem críticas quanto à insuficiência das vias de acesso. Presumo que não concorde…
Não, não concordo. Nós temos um plano de infraestruturação do território exatamente para garantir que aquilo que são os potenciais grandes incêndios não possam ocorrer. Temos um histórico dos incêndios, sabemos exatamente onde são as áreas mais críticas e toda a infraestruturação do território, nomeadamente a definição das faixas de rede primária, obedece a esse conhecimento.
Além disso, há um plano de fogo controlado aprovado nos concelhos de Porto de Mós, Alcobaça e Rio Maior e temos realizado ações em mosaicos estratégicos para a gestão de combustível, por iniciativa própria ou em parceria com outras entidades.
A infraestruturação da rede viária do território nunca será aquela que queríamos, mas neste caso parece-nos suficiente. Tendo em conta a especificidade do território, a tipologia dos solos e os declives, na maioria dos sítios não é possível implementar uma rede maior que aquela que já existe. Temos trabalhado muito em parceria com os municípios, comissões de compartes, juntas de freguesia e a própria Autoridade Nacional e entendemos que aquilo que existe é suficiente para minimizar a propiciação de uma grande ocorrência. Temos tido sucesso nesse processo e estamos seguros de que vamos no caminho certo.
Como tem sido a relação do PNSAC com a população e os municípios?
Temos uma relação muito direta, muito próxima, muito franca e transparente com os sete municípios. Não temos qualquer questão crítica com nenhum deles, não há nenhuma relação de animosidade ou processo mais complexo que não se consiga resolver de forma capaz, mas isto também decorre muito da forma de estar que os autarcas têm tido e o modo como olham para o território. Exemplo disso são as várias iniciativas das câmaras, que têm ancorado grande parte dos projetos de promoção do território e do valor que o parque tem para o mesmo.
Todos soubemos crescer com a evolução do PNSAC e as populações conseguiram apreender da valorização que também podem ter por estarem dentro de um território com estas características. A promoção cada vez maior do turismo de natureza e a sua valorização veio trazer uma economia nova que é bem percecionada pelas autarquias e população, e todos sabemos que isso decorre [do facto] de estarmos dentro de uma área protegida, o que tem potenciado outras formas de rendimento à economia local.
As desconfianças e queixas dos primeiros tempos estão ultrapassadas?
Nós gostamos de estar sempre do lado da solução, mas temos de perceber que há algumas questões que decorrem daquilo que são as condicionantes de uma determinada área pelos valores naturais que possui. Tentamos perceber as motivações de cada um, explicar as condicionantes que possam existir e encontrar uma solução que seja compatível com os vários interesses em jogo. Nesse sentido, penso que são mínimas as situações em que não conseguimos encontrar uma solução compatível com os vários interesses.
Tenho de tirar o chapéu aos senhores autarcas e aos responsáveis pelas várias organizações existentes no território, que têm conseguido perceber o que este precisa e têm sido os potenciadores desse mesmo território e da sua salvaguarda. E é singular que, por iniciativa do Município de Torres Novas, a que se juntaram os de Ourém e Alcanena, tenhamos em análise uma proposta de alargamento da área abrangida pelo Parque Natural. Por aqui se conclui a importância que os decisores locais atribuem ao PNSAC e aquilo que representa na valorização deste território.
O turismo de natureza é o “futuro” desta área protegida?
É mais um fator de apoio àquilo que é a economia local. Eu acho que as áreas protegidas, em Portugal e no mundo, têm um potencial incalculável de crescimento enquanto espaços onde as pessoas pensem ir passar férias, um fim de semana ou fazer um passeio. Nesse cenário, julgo que o PNSAC tem tudo para crescer. Está a pouco mais de uma hora de Lisboa, pode fazer parte facilmente de rotas ou de produtos turísticos para estrangeiros, tem Fátima dentro de si e com esta há milhares de peregrinos que anualmente nos visitam mas que cada vez mais querem compatibilizar a visita religiosa com outras coisas de que possam usufruir no território. Portanto, não será o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas o motor disto (não faz parte das nossas competências) mas damos conta dessa realidade. No âmbito da comissão de cogestão seremos parceiros dos municípios em projetos como o da criação de uma geoparque e penso que já perceberam que estamos cá para isso, sendo que o turismo é uma das coisas que temos para oferecer a quem nos visita e que traz e trará benefícios a quem desenvolve a sua atividade económica no PNSAC nomeadamente a mais ligada às próprias riquezas deste.
Falou da cogestão, uma ambição antiga dos autarcas locais. Estamos perante um oportunidade, um desafio ou ambos?
Eu diria que é isso e muito mais. É uma oportunidade, de facto, mas também um desafio imenso, embora com a comissão de cogestão estejamos só a formalizar aquilo que já há muitos anos vem sendo feito no território. De facto, temos trilhado a este nível um caminho de sucesso e os municípios são desde sempre parceiros na gestão deste território. O desafio é termos um plano de cogestão aprovado para, anualmente, podermos vir a dinamizar ações de valorização da área protegida. Para que isso aconteça, os vários parceiros estarão envolvidos na capitalização e no descobrir das fontes de financiamento necessárias e possíveis para a concretização dos referidos projetos.
É, portanto, uma oportunidade imensa, um desafio grande mas, seguramente, uma oportunidade que não pode ser perdida naquilo que é o empenho de todos no processo de cogestão que foi agora formalmente constituído.
Foto | Mário Rui Fonseca (Médiotejo.net)